TEIXEIRA, Anísio. Prof. Anísio Teixeira: ensino no Brasil está formando parasitas. Entrevista. Última Hora. Rio de Janeiro, 27 mar. 1958.

Prof. Anísio Teixeira: "Ensino no Brasil Está Formando Parasitas"

Afirma o Grande Educador: Um Sistema Caduco Ainda em Vigor - O Prof. Pedro Calmon Preconiza a Reforma Dos Costumes Como Processo Eficaz Para Corrigir as Deficiências do Ensino - "Brotinho" Acha "Duro" Aprender Dez Matérias - (2ª de Uma Série de Reportagens de DILSON RIBEIRO)

- "Se não houver uma reforma completa no sistema educacional do Brasil, dentro de pouco tempo teremos uma verdadeira elite de parasitas, formada pelos estudantes que logram êxito em seus cursos, mais formais que eficientes, os quais passam a exercer atividades inteiramente improdutivas, contribuindo para o processo de desorganização da vida nacional". Esta, em síntese, a opinião do Professor Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Ensino Pedagógico (INEP), ao iniciar uma entrevista concedida, ontem, a ÚLTIMA HORA, sôbre o problema da falência do ensino secundário no Brasil. - "As atividades fundamentais de nossa sociedade passaram assim a ser desempenhadas na sua maioria pelas pessoas que não conseguem frequentar um curso, fenômeno fàcilmente comprovado por quantos se detenham no estudo da matéria" - prosseguiu o professor Anísio Teixeira.

- "Acontece que, pràticamente, ainda não se fêz nenhuma inovação nos métodos de ensino adotados há várias décadas. Pelo contrário, o que se verifica é a expansão do sistema velho de educação, destinada à formação de uma elite letrada ou profissional liberal para a vida política, burocrática e profissional do país e, só acidentalmente, temos atendido às necessidades do novo tipo de vida da nação brasileira". - "Como então exigir-se que o ensino preencha as sua verdadeiras finalidades?" - concluiu o diretor do Instituto Nacional de Ensino Pedagógico.

"O Ideal Seria Reformarmos os Costumes"

Já na opinião do prof. Pedro Calmon, Reitor da Universidade do Brasil, a reforma da Lei Orgânica do Ensino não resolverá o problema da falência do ensino secundário, pois não basta uma nova legislação para que os costumes também sejam reformados e a êstes precisamente, deve caber a responsabilidade da situação a que chegamos. "No Brasil - diz o Reitor - a preocupação dominante é a corrida ao diploma, ou seja, às escolas de ensino superior, sem qualquer atenção às vocações. Vejamos, então, os fatos. A determinada Faculdade afluem centenas de jovens. São aprovados alguns, dos quais um número reduzidíssimo consegue obter boas notas. Há até o caso de não atingirem o mínimo das matrículas permitidas, os candidatos aprovados. É evidente que a responsabilidade de tal desajustamento não cabe, sòmente ao despreparo, ou se quiserem às falhas indicadas no ensino de grau médio. Isso decorre, em grande parte, de não terem sido, prèviamente, auscultadas as tendências, ponderadas as aptidões dêsses moços, que acabam desiludidos com o insucesso da repetição de um ano de estudos. E não resta dúvidas de que constitui um espetáculo melancólico a sobra, em todo o país, todos os anos, de milhares de candidatos ao vestibular, sem possibilidade de serem úteis à sociedade, porque têm de reproduzir, no exercício seguinte, os exames em que não foram felizes. Assim sendo, a situação não deve ser vista apenas do ângulo que nos oferece o ensino secundário, imperfeito, e do concurso de habilitação, rigoroso. Tem expressão social mais ampla. Representa um curioso êrro coletivo, sem responsáveis aparentes, mas em que todos colaboramos. Chama-se rotina. É a tradição do diploma. Daí porque não acredito que uma simples reforma na legislação do ensino possa resolver o problema" - continuou o prof. Pedro Calmon.

"Brotinho" Acha "Duro" Aprender Dez Matérias

A reportagem de ÚLTIMA HORA procurou ainda ouvir o depoimento de vários estudantes sôbre a necessidade de uma imediata reforma do ensino secundário, no Brasil. Todos foram unânimes em condenar a atual Lei Orgânica do ensino, como o principal fator da ignorância de centenas de jovens que se diplomam, todos os anos, por nossos cursos de colégio. O "brotinho" Eros Pinheiro, (aluna do Ginásio Rája Gabaglia), por exemplo, fêz um verdadeiro libelo contra o número de matérias ensinadas, a um só tempo, em cada série do currículo ginasial.

- "Não há quem possa aprender - diz Eros ao repórter - tanta coisa que nos ensinam, abrangendo as mais variadas matérias (10 a 11, em cada série). A gente fica com a cabeça "zonza", pois mal acaba uma aula de latim, já vai entrando o professor de francês, falando uma língua que ninguém entende. O homem fala o tempo todo e quando bate a campainha, anunciando o término da aula, êle diz que o ponto está explicado e vai "dando o fora". Daí a pouco, já começa outra aula: inglês, português, geografia ou coisa parecida. No final de contas, ninguém mais se entende e os alunos só querem mesmo é saber de ir para casa" - arrematou o "brotinho" do Rája Gabaglia.

 

Professôres Incompetentes

Como se não bastasse a desorganização do programa elaborado para o curso secundário, um outro problema veio selar a sorte do ensino médio em nosso país: o da incompetência dos professôres. No Rio, qualquer pessoa que saiba ler ou escrever, razoàvelmente, pode candidatar-se a uma cadeira em inúmeros dos colégios que aqui funcionam como verdadeiras fábricas de diplomas ou como rendosíssimas casas de comércio. Chega-se até ao absurdo de contratar-se pseudo-professôres estrangeiros, que nem sequer falam a nossa língua (vejamos o caso do prof. Jervy Zbrozek, expulso da Polônia e promovido, no Rio, a catedrático de Introdução à Ciência do Direito) para lecionar em escolas de ensino superior. Não se exige, assim, o mínimo de conhecimentos indispensáveis ao exercício do magistério. E os jovens que buscam se ilustrar em nossos educandários, aprendem, quando muito, um amontoado de coisas pueris, que interessam apenas às pessoas que fazem do magistério o abismo onde se confinam as esperanças de centenas de criaturas, que antes sonhavam em serem úteis a si e à sua pátria.

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