TEIXEIRA, Anísio. Fazer de Brasília um modêlo para a educação no País. Entrevista. Correio Braziliense. Brasília, 21 jun. 1963.
Prof. Anísio Teixeira ao CORREIO:
FAZER DE BRASÍLIA UM MÔDELO PARA A EDUCAÇÃO NO PAÍS
Em entrevista concedida ao CORREIO BRAZILIENSE com absoluta exclusividade, o Professor Anísio Teixeira, eleito anteontem pelo Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília para o cargo de Reitor Substituto, declarou inicialmente ao repórter "associado" que se sente honrado com a missão na qual vem de ser investido. E continuou:
- Estou plenamente identificado com a idéia, com o plano e com o período de realização em que a Universidade de Brasília já se acha.
OBRA DE CONTINUIDADE
- Começamos o nosso trabalho com o sentimento de que o Professor Darcy Ribeiro é um homem absolutamente insubstituível na Reitoria da Universidade de Brasília. O que pretendemos fazer é não diminuir a sua obra criadora, mas ajudá-la, no período em que aqui permanecemos.
O repórter vai tomando notas, enquanto o Professor Anísio Teixeira prossegue, falando com a modéstia e a simplicidade que são características das verdadeiras personalidades:
- Desejo que êsse meu período de administração não seja uma pausa, mas uma contribuição de continuidade a obra de Darcy Ribeiro. Desejo, em outras palavras, que êsse período como se fôsse um parêntesis, me permita voltar a vista para o que já foi feito; e, se necessário, acrescentar algum melhoramento, dar execução a idéias construtivas.
Uma obra de criação como a que Darcy Ribeiro já vem fazendo.
ESQUEMA DE TRABALHO
Indagado sôbre as perspectivas de ação a que objetiva, disse o Professor Anísio Teixeira:
- Meu esquema de trabalho, falando de modo geral (pois ainda terei um encontro com os professôres, daqui a instantes, quando ventilaremos os assuntos de imediato interêsse), poderia ser englobado no seguinte:
- A construção da Universidade. Que essa construção continue em sua marcha acelerada, e que o ano de 1964 já nos encontre com um proveitoso progresso, inclusive no que se refere à urbanização de tôda a área da Cidade Universitária, do "campus", como dizemos aqui:
- Estabelecer um profundo entrosamento com o campo da administração pròpriamente dita, hoje entregue ao dedicado Doutor Bichat Rodrigues:
- Acelerar a dinamização da atividade acadêmica.
Pretendo dar ênfase ao grau de comunicação que há entre os vários órgãos, para que a Universidade não seja um todo pulverizado de centros diversos, mas que tenha os seus Conselhos e Departamentos atuando em uma rotina produtiva, para uma obra conjunta e sinérgica.
O ENSINO EM BRASÍLIA
O Professor Anísio Teixeira, profundo conhecedor dos problemas de educação no mundo inteiro, e no Brasil em particular, é um homem de cativante simpatia pessoal, falando com absoluta naturalidade e com a erudição que os estudiosos já se acostumaram a admirar em seus livros especializados e de divulgação cultural. A palestra toma um novo rumo, e, a certa altura, o repórter indaga do ilustre entrevistado se tem acompanhado a evolução do ensino em Brasília, com vistas à aplicação do plano inicial de sistema educacional elaborado para realização nas escolas brasilienses. O ilustre educador esclarece:
- O sistema escolar de Brasília, ao ser ideado, procurou o Diretor do INEP, o qual buscou estabelecer as idéias principais de um plano que satisfizesse às características da cidade originalíssima que seria Brasília. Na presente eventualidade, não posso ainda saber a que ponto as idéias originais foram colocadas em execução.
O novo Ministro da Educação, o Deputado Paulo de Tarso, deseja realizações para o sistema escolar de Brasília – no que eu acho acertado por parte de S. Exa. – de jeito a que se constitua em modêlo e demonstração das soluções adequadas ao problema educacional de Brasília.
De todos os modos, e com tôdas as fôrças ao meu alcance, colaborei com entusiasmo nessa iniciativa do Ministro Paulo de Tarso.
ERRADICAÇÃO DO ANALFABETISMO
- O Ministro Paulo Tarso deseja levar a cabo uma campanha para erradicação do analfabetismo, com relação aos adultos, que sirva de exemplo para o Brasil inteiro.
Com relação às crianças, só um sistema escolar regular poderá resolver a situação, isto é, dar assistência educacional permanente a tôdas as crianças em idade de iniciar os estudos.
CONDIÇÕES DE BRASÍLIA
O repórter indaga do Professor Anísio Teixeira se Brasília apresenta certas características peculiares sócio-econômicas a ponto de exigir um sistema educacional "sui generis":
- O problema de uma cidade que não tem história, mas que foi criada artificialmente, evidentemente apresenta particularidades em absoluto únicas. Não se poderia dizer que é sem precedentes o problema de cidades criadas por processos artificiais, como Brasília. Mas a verdade é que se têm de trazer pessoas competentes para cuidar dos problemas – previstos ou eventuais – de natureza particularíssima.
- Mas, ao mesmo tempo, no que se refere ao assunto que nos interessa no momento, o sistema escolar, por exemplo, pode ser implantado com inovações muito dificilmente realizáveis em outros centros urbanos, onde certos conceitos já estão cristalizados, onde muitas vêzes a mentalidade reinante é impermeável às inovações.
LEI DE DIRETRIZES E BASES
- O senhor acha, Professor Anísio, que, com os recursos orçamentários atuais, se pode realizar o que está planejado pelo Govêrno, no setor da Educação?
- Se refletirmos que a Lei de Diretrizes e Bases colocou o Govêrno Federal em uma posição muito diferente da que lhe atribuía a legislação anterior, veremos que vai haver facilidades inapreciáveis para a Educação. A lei de Diretrizes e Bases representa uma descentralização revolucionária dos serviços brasileiros da educação. Por essa Lei, haverá 22 (vinte e dois) sistemas educacionais completos sob a direção dos respectivos Governos das Unidades da Federação. Êsses vinte e dois sistemas obedecem a normas gerais, que lhes dão unidade, provenientes do Conselho Federal de Educação. A atuação do Governo Federal passou a ser não a de manter um sistema federal de ensino, mas a de ajudar os Estados e Territórios no cumprimento das suas novas atribuições quanto à educação.
Essa ajuda do Govêrno Federal se manifesta de dois modos:
- por auxílio financeiro;
- por assistência técnica.
Pelo auxílio financeiro objetiva-se a que cada Unidade da Federação possa atingir às metas já estabelecidas no Plano Nacional de Educação.
A assistência técnica se caracterizará por um grande esfôrço nacional, êste sob a direção do Govêrno Federal, para formação e aperfeiçoamento do magistério brasileiro.
Vê-se, pois, que, na medida em que o Govêrno Federal, reduz a sua ação direta na organização de um sistema federal paralelo aos sistemas estaduais, aumenta enormemente a sua responsabilidade quanto ao desempenho das próprias atribuições e responsabilidades estaduais.
Na realidade, pela assistência técnica e pelo auxílio financeiro, o Govêrno Federal se faz responsável efetivo pelo grande supersistema nacional de educação, constituído pelo conjunto dos vinte e dois sistemas estaduais, sob a sua supervisão e coordenação.
O Govêrno Federal está se fazendo co-partícipe de tôdas as atividades dos Estados em tôdas as suas escolas, sendo responsável pela sua eficiência e pelo seu aperfeiçoamento.
160 MIL PROFESSÔRES
- Pelo Plano Nacional de Educação, o Govêrno Federal deverá ter aperfeiçoado, até 1970, um total de 160 mil professôres. Como tarefa de tal magnitude não pode ser executada imediatamente, quero explicar que nos primeiros anos essa ação se fará pela formação de supervisores escolares, ou sejam, mestres de alta experiência e preparo, a cujo encargo ficarão os demais professôres que deverão ser aperfeiçoadas.
Concretamente, cada um dos supervisores que fôr devidamente formado receberá a missão de, por sua vez, aperfeiçoar dez professôres primários. Isso está sendo planejado, e é possível que se venha a realizar em Brasília um dos maiores esforços nesse setor de aprimoramento do magistério.
NOVOS RECURSOS TÉCNICOS
O Professor Anísio Teixeira estêve recentemente nos Estados Unidos, a convite da Universidade de Colúmbia, para um programa de conferências e seminários sôbre Educação e Desenvolvimento brasileiros. E o repórter indaga se êle teve contato com muitas novidades lá, quanto a métodos e processos de ensino:
- O programa de conferências e seminários com professôres compreendia inicialmente as Universidades de Colúmbia, Harvard, Minnesota, Texas, Califórnia e Los Angeles. Mas eu tive de resumi-lo às três primeiras.
Não obstante, pude observar o ensino universitário e as inovações inúmeras que se estão realizando, no campo da educação nos Estados Unidos. Na América do Norte, há quem ache com razão, que a Humanidade está vivendo um período de tamanha renovação educacional que só poderia ser comparado ao que sucedeu à invenção da imprensa em que novos recursos áudio visuais eletrônicos e tecnológicos, afinal aplicados à Educação certamente encaminham a Humanidade para um surto de realizações importantíssimas. Os computadores eletrônicos, as máquinas de ensinar, de traduzir, os recursos fantásticos da Cibernética ... um nunca acabar conquistas científicas. Fiquei impressionado com o que vi e senti nos laboratórios, nas bibliotecas, nos auditórios que visitei e onde trabalhei.
PRONUNCIAMENTOS FUTUROS
Nossa entrevista com o ilustre educador patrício muito ainda se estenderia, mas o Professor Anísio Teixeira estava sendo solicitado para uma reunião com os professôres da Universidade, após o que viajaria para o Rio de Janeiro, onde sua espôsa, enferma, necessita de sua presença. Mas êle espera estar de regresso no princípio da semana próxima, quando, então, voltará a nos conceder outro encontro, para pronunciamentos sôbre o que estará realizando em Brasília.
Antes de se despedir, todavia o Professor Anísio Teixeira nos declarou que terá o INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) para funcionar com todos os seus órgãos e funcionários em Brasília.
Informação alviçareira, essa, que será decerto acolhida com o mais vivo interêsse em todos os meios educacionais da Capital Federal.
O Professor Anísio Teixeira é, além de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Secretário Executivo da CAPES (Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior), pertencendo ainda ao Conselho Federal de Educação, ao Conselho Federal de Pesquisas Educacionais e ao Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília. Autor de numerosas obras, e tendo desempenhado elevados cargos técnicos na alta administração do Brasil e de seu Estado natal, a Bahia, recebeu o título de Master of Arts pelo Teachers College da Universidade de Colúmbia.
