TEIXEIRA, Anísio. Revolução social não se faz através de escola primária. Entrevista. Folha da Manhã. São Paulo, 9 maio 1958.

ENSINO E MAGISTÉRIO

"REVOLUÇÃO SOCIAL NÃO SE FAZ

ATRAVÉS DE ESCOLA PRIMARIA"

Incisivo, o prof. Anísio Teixeira, em entrevista exclusiva às FOLHAS, procura demonstrar a carencia de provas do memorial dos bispos gauchos - "Defendo a idéia de preparar os homens para entenderem a revolução industrial, política e social em que estamos imersos, e não a de preparar a revolução social" - declara o diretor do INEP - Não advoga o monopólio da educação pelo Estado

RIO, 8 (FOLHAS) - Fixando sua exata posição em face das acusações contidas no Manifesto dos Bispos do Rio Grande do Sul, o prof. Anísio Teixeira, apontado como preparador de uma revolução socialista através da escola publica, concedeu entrevista exclusiva às FOLHAS, na qual esclarece suas idéias sobre o ensino nacional. O diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagogicos fez questão de responder por escrito a todas as questões formuladas pelo reporter, em virtude da má interpretação de que foi vítima, recentemente, por parte de um jornalista, segundo declarou ele próprio.

NÃO HÁ PROVAS

- <<Depois de haver sido eu honrado com as acusações proferidas no altar, pelo Sr. arcebispo metropolitano da Província de Porto Alegre, contra a minha defesa da escola publica, sou agora novamente distinguido com um memorial de todos - devem ser todos - os bispos da <<província>> do Sul, já agora dirigido ao presidente da República - foram as primeiras palavras do diretor do INEP, que prosseguiu:

- <<Esse memorial vem representar ao presidente da Republica, <<acerca das gravissimas consequencias que, com repercussão sobre toda a vida nacional, advirão da insistencia com que órgãos do governo federal propugnam a implantação exclusiva de sistemas de ensino oficiais em todo o país, do mesmo modo que hostilizam, sem tréguas, a iniciativa particular nesse campo de atividade>>. Duas afirmações estão aí contidas, mas que provas oferecem os senhores bispos dessas duas afirmações. Concluem eles, em seu memorial, que a Constituição reconhece a <<insuficiência>> do ensino oficial e proclama a liberdade de ensino em todos os ramos, sendo, portanto, discrepante da Constituição <<a atitude dos órgãos governamentais que se orientam contra esses princípios, ao rumo de crescente limitação coerciva do ensino privado, guerreando-o, a este, como adverso aos interesses nacionais.

Este paragrafo repete simplesmente a acusação e dá-lhe os fundamentos constitucionais em que se apoia o memorial. Entretanto, o episcopado gaucho esqueceu de citar dois importantes princípios da Constituição, e que são: <<O ensino primário é obrigatório>> (art. 168), e <<O ensino primário é oficial e gratuito para todos>> (art. 168). Essas duas citações anulariam toda a fundamentação da acusação, como ficou esclarecido.>>

<<O parágrafo 2º do memorial refere-se à idéia de que todo ensino deve emanar do Estado, cita uma frase de Pontes de Miranda sobre a escola unica e a posição dos <<extremistas>> e dos <<socialistas>> a esse respeito, para mais tarde esclarecer que isto é o que prega abertamente o professor Anísio Teixeira. Perguntamos ao diretor do INEP, no caso, qual seria sua resposta:

<<Para provar essa insinuação, os senhores bispos começam por reconhecer que não advogo o monopólio da educação pelo Estado. Declara o memorial que, embora não inculque não advogar o monopólio da educação pelo Estado, espero da escola publica ou comum os mesmos resultados pré-revolucionários, previstos com ansiosa expectativa pela doutrina socialista. E, para provar essa minha <<esperança>> cita frase em que me refiro à obrigação da escola publica de não fazer discriminação por <<classe>> dentro da escola e procuro mostrar as vantagens desse principio de igualdade social, e para provar que defendo a escola unica, cita frase de outro trabalho meu, em que, referindo-me às três ordens do governo federal, estadual e municipal, digo que <<a escola primaria seria uma só>>, administrada pelo município e organizada pelo Estado, dentro das bases e diretrizes federais e que as escolas medias e superiores seriam instituições autonomas, à maneira das autarquias, organizadas pelo Estado e sujeitas aos princípios da lei federal. Depois dessas citações, dá-me o memorial como defensor da escola única e do monopolio da educação pelo Estado. Valendo-se de frases de trabalhos meus, o memorial pretende acusar-me duramente. Efetivamente estava eu a defender a idéia de preparar os homens para entenderem a revolução industrial, política, social, enfim, em que estamos imersos, queiramos ou não queiramos, e não a preparar a <<revolução social>>. A idéia de levar a escola brasileira a se preparar para as mudanças sociais, que estão ocorrendo e continuarão ocorrendo, é o que há de mais comezinho na própria doutrina social da Igreja.

REVOLUÇÃO SOCIAL E ESCOLA

No terceiro paragrafo, o memorial declara que <<não é lícito que orgãos governamentais preparem entre nós, uma revolução social através da escola>>. Indagamos do professor Anísio Teixeira o que tinha a dizer a tal respeito, e ele esclareceu:

Veja-se que o memorial representava contra a <<implantação exclusiva de sistemas de ensino oficiais e contra a hostilização, sem tréguas, da iniciativa particular, nesse mesmo campo de atividades>>. Quanto ao primeiro item, em vez de prova, reconhece que inculco não advogar o monopólio da educação pelo Estado. Na realidade não inculco, mas o declaro infaticamente. Quanto à hostilidade ao ensino particular, nenhuma palavra. E agora, a idéia verdadeiramente extraordinária de que a escola publica prepara uma revolução social, que seria a revolução socialista. Em nenhum país do mundo a revolução foi feita pela escola. O que dizem todos os pensadores prudentes e sensatos é que a escola pode evitar a revolução, no sentido de preparar os homens para atender às transformações sociais em curso, a ela adaptar-se, evitando as explosões violentas e as subversões dos valores e da ordem. Ninguém mais do que a Igreja compreende e aceita esse progresso dentro da ordem - concluiu o diretor do INEP.

Procuramos, a seguir, ouvi-lo a respeito da campanha que vem sendo feita através da entidade que dirige, e que resultou no memorial dos Bispos da Província do Sul. Disse, então o professor Anísio:

- <<Se campanha se pode chamar o modesto esforço do INEP, pela recuperação da escola publica, hoje em grave estado de deterioração, por uma serie de causas que venho procurando analisar em meus escritórios, a campanha pela escola publica, obrigatoria e gratuita, não é campanha do INEP nem de Anísio Teixeira, mas campanha do governo brasileiro, do mais elementar sentido constitucional e objeto de esforço não só do Brasil, mas, de todo o continente, estimulada e apoiada por uma reunião de ministros de Educação de toda a América, realizada em Lima, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos e da Unesco. O projeto maior da UNESCO para o estabelecimento definitivo da escola primaria gratuita e obrigatória para a América Latina, recebeu a aprovação de todos os Estados membros, inclusive do delegado do Vaticano, havendo sido expressamente aprovada por Sua Santidade o PAPA

Finalizando a entrevista, o professor Anísio Teixeira disse:

- <<A atitude dos senhores bispos do Rio Grande do Sul revela-se contra a escola publica particular, que declaram hostilizada, mas sobre o que nada concretizam, pois, a realidade é que a escola particular, longe de ser hostilizada pelo poder publico, é ajudada por ele e com verbas publicas cada vez mais crescentes.>>

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