TEIXEIRA, Anísio. Descentralizar a educação, uma reforma que se impõe. Entrevista. O Globo. Rio de Janeiro, 7 dez. 1956.

Descentralizar a Educação, Uma Reforma Que se Impõe

Autonomia Indispensável Aos Municípios, a Fim de Ser Criado um Autêntico Sistema Nacional de Ensino - "Nenhum País Vive de um Mandarinato Das Letras, Das Ciências e Das Técnicas" - Importantes Declarações do Sr. Anísio Teixeira, Reconhecida Autoridade em Educação

- NENHUM pais vive de um mandarinato de letras, das ciências e das técnicas, ainda que fôsse êle realmente capaz, o que não é o caso brasileiro, mas dos quadros numerosos e eficazes do trabalhador comum, formado na escola primária, dos quadros do trabalhador qualificado, treinado diretamente pela indústria e pelos cursos de continuação, dos de especialistas de nível médios preparados nos cursos médios, múltiplos e variados, e dos quadros de especialistas de nível alto, formados pela Universidade e pelas escolas superiores - disse, em entrevista a O GLOBO, o técnico Anísio Teixeira, autoridade no assunto e autor das bases de uma reforma de ensino.

Paternalismo já Superado

- Nenhum programa de Governo - prosseguiu - pode dar-se ao luxo de deixar o problema envôlto em generalidades de um paternalismo já superado, anunciando-lhe a solução por meio de campanhas de caridade educacional do mesmo modo por que já não se pode com a "sopa dos conventos" resolver o problema social. O processo de unificação do povo brasileiro vem lhe dando plena consciência dos seus direitos e já sabe êle buscar na escola a justiça social que lhe era antes negada, em face dos privilégios educacionais. Não há necessidade de apóstolos para convencer o povo dos bens da educação. Há necessidade de políticos para arrancar os recursos de onde possam êles ser tirados e de organizadores para planejar e distribuir o mais complexo dos serviços sociais de uma democracia. O nosso atraso histórico em resolver o problema escolar brasileiro trouxe-nos pelo menos, essa vantagem de nos dispensar do imenso esforço que as nações civilizadas tiveram que empregar para "antecipar" a necessidade da escola.

O Dever do Govêrno

- A consciência da necessidade da escola, tão difícil de criar em outras épocas, chegou-nos, assim de imprevisto, total e sôfrega, a exigir, a ampliação das facilidades escolares. Não podemos ludibriar essa consciência. O dever do Govêrno - dever democrático, dever constitucional, dever imprescritível - é o de oferecer ao brasileiro uma escola primária capaz de lhe dar a formação fundamental indispensável ao seu trabalho comum, uma escola média capaz de atender à variedade de suas aptidões e das ocupações diversificadas de nível médio e uma escola e uma escola superior capaz de lhe dar a mais alta cultura e, ao mesmo tempo, a mais delicada especialização. Todos sabemos quanto estamos longe dessa meta, mas o desafio do desenvolvimento brasileiro é o de atingí-la, no mais curto prazo possível, sob pena de perecermos na convulsão provocada pelo nosso próprio e acelerado progresso econômico ...

A Educação Primária

- A educação primária já se distribui no País por mais de 70.000 unidades, com cêrca de 15000 professôres, abrigando cerca de 4 milhões de crianças e custando à Nação cifra que não é inferior a 3 bilhões de cruzeiros lembrou o entrevistado.

- Êstes os números que, em si parecerão significativos. Mas, por trás dos números esconde-se uma realidade bem pouco animadora. Êsses alunos não se conservam na escola, em média, mais de 2 anos e pouco. Em todo País, apenas 15% dêles chegam à quarta série primária. Com a matrícula em número muito superior à sua capacidade, a escola se divide em turnos, oferecendo ao aluno meio-dia escolar e, em muitos casos, um terço de dia escolar.

Escola de Tempo Integral>

- A escola elementar não irá dar aos brasileiros êsse mínimo fundamental de educação. Não é primàriamente, uma escola preparatória para os estudos ulteriores. A sua finalidade é, como diz o seu próprio nome, ministrar uma educação de base capaz de habilitar o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns. Ela é que forma o trabalhador nacional em sua grande massa. É, pois uma escola que só indireta e secundàriamente prepara para o prosseguimento da educação ulterior à primária. Por isto mesmo, não pode ser uma escola de tempo parcial, nem uma escola sòmente de letras nem uma escola de iniciação intelectual, mais uma escola prática, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos de pensar, hábitos de fazer, hábitos de trabalhar e hábitos de conviver e participar em uma sociedade democrática, cujo o soberano é o próprio cidadão. Não se pode conseguir essa formação em uma escola por sessões, nem no curto período que passa o brasileiro pela atual escola primária. Devemos restituir-lhe o dia integral, enriquecer-lhe o programa com atividades práticas, dar-lhe amplas oportunidades de formação de hábitos de vida real, com a organização da escola como miniatura da comunidade, com tôda a gama de suas atividades de trabalho, de estudo, de recreação e de arte.

Instituição Regional

- A escola primária, por êste motivo, tem de ser instituição essencialmente regional, enraizada no meio local, dirigida e servida por professôres da região, identificados com os seus costumes e hábitos. A regionalização da escola que, entre nós, se terá de caracterizar pela sua municipalização, com administração local, programa local e professor local, concorrerá em muito para dissipar os aspectos abstratos e irreais da escola imposta pelo centro, com programas determinados por autoridades remotas e distantes e servida por professôres impacientes e estranhos ao meio, sonhando perpètuamente com redentoras remoções.

A Descentralização Educacional

- Não pensamos em reformar a escola brasileira com a imposição de modelos a priori formulados pelo centro, - continuou o técnico - mas, antes, libertar as forças locais de iniciativa e responsabilidade e confiar-lhes a tarefa de construir a escola nacional, sob os auspícios de uma inteligente assistência técnica dos Estados e da União. Não somos nação a ser moldada napoleônicamente do centro para a periferia, mas um grande e diversificado império a ser assistido e, quando muito, coordenado pelo centro, a fim de poder prosseguir no seu destino de criar, nos trópicos, uma grande cultura, diversificada nas suas características regionais e una nos seus propósitos e aspirações democráticas e cristãs. A grande reforma da educação é, assim, uma reforma política, permanentemente descentralizante, pela qual se criem nos municípios os órgãos próprios para gerir os fundos municipais de educação e os seus modestos mais vigorosos, no sentido de implantação local, sistemas educacionais. Assim, teríamos o "município", com os seus sistemas de escolas locais, primárias e médias, enraizadas no solo físico e cultural do Brasil, - o "Estado", com suas escolas médias, superiores e profissionais, exercendo e sofrendo a influência das escolas locais e detendo o poder de formar o magistério primário, - e a "União" com o sistema federal supletivo de escolas superiores, escolas médias de demonstração, órgão de pesquisa educacional e o poder de regulamentar as profissões, atuando em diferentes ordens, independentes mas articuladas.

Sistemas Escolares Autônomos

- Primeiro que tudo - continuou - teremos criado com o novo plano cêrca de 3 mil sistemas escolares autônomos em todo o País, que tantos são os municípios, com seus conselhos de administração escolar, representativos da comunidade, paralelos aos conselhos municipais, com poderes reais e não fictícios de gestão do fundo escolar municipal e direção das escolas locais. Êsses conselhos disporão não sòmente dos recursos locais, equivalentes a dez por cento dos recursos tributários dos municípios, mas, também, dos recursos estaduais e federais, que forem atribuídos ao município na proporção de sua população escolarizável. O total das três contribuições será administrado pelo conselho municipal escolar, obedecendo a dispositivos orgânicos, pelos quais se estabelecerá que êsse dinheiro pertence às crianças da respectiva comuna, não abstratamente consideradas, mas, a cada uma das crianças, segundo a cota-parte que lhe couber na divisão do monte por tôdas elas.

As Escolas Médias

- Acima da educação fundamental e comum - disse o Sr. Anísio Teixeira - a mais importante sem dúvida, se erguerá o sistema de escolas médias, destinadas a continuar a cultura geral da escola primária e iniciar a especialização nos trabalhos práticos e industriais ou nos trabalhos intelectuais, todos eles equivalentes cultural e socialmente, pois os alunos se distribuirão, segundo os interêsses e aptidões para a constituição dos quadros do trabalho e nível médio, sejam ocupações de natureza intelectual ou de natureza prática. Tôdas essas escolas médias, que organizarão com uma alta dose de liberdade, serão consideradas equivalentes e objeto não de "equiparação" a modelos legais, mas de "classificação" pelos órgãos técnicos do Govêrno, segundo o grau em que atinjam os objetivos a que se propõem.

Ensino Superior

- E chegamos ao ensino superior, também êle em expansão insofrida em face ao desenvolvimento brasileiro. Sobem hoje a mais de 350 os estabelecimentos de ensino superior, com cêrca de 700 cursos diferentes e mais de 60 000 alunos. Não parece fácil deter-lhe a expansão. A legislação deverá, antes, buscar controlar-lhe os efeitos, substituindo os processos de "equiparação" por processos de "classificação" das escolas, organizando um sistema paralelo de "exames de estado" de nível superior, para aprovação nas séries finais dos seus cursos básicos e profissionais, permitindo e estimulando a variedade de currículos e de cursos profissionais, com o objetivo de permitir à escola superior o mais amplo uso de seus recursos humanos e materiais, na formação dos quadros variados em nível e em especialização do seu trabalho de teor mais alto.

Autêntico Sistema Nacional

- Com a divisão de atribuições proposta entre as três ordens de poderes públicos, teremos criado as condições, por meio das quais a Nação irá manter um autêntico sistema escolar nacional, geral e público, para a infância, a juventude e os adultos brasileiros, sistema que, no seu jôgo de forças e contrôles múltiplos e indiretos, poderá indefinidamente desenvolver-se.

E concluiu:

- Além disto, a educação ajustada às condições culturais brasileiras se fará autêntica e verdadeira, identificando-se com o País e ajudando a melhor descobri-lo, para cooperar, como lhe cabe, na grande tarefa de construção da cultura brasileira.

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