BRAGA, Rubem. Impertinência. Folha da Noite. São Paulo, 16 abr. 1958.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

CRONICA DE RUBEM BRAGA

IMPERTINENCIA

Conta-se que o professor Anísio Teixeira foi convidado a renunciar ao cargo de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagogicos (INESP) e de secretario-geral da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES). Se Anísio Teixeira me permite uma opinião, eu lhe digo que não deve fazê-lo. Que o ministro ou o presidente o demitam. Ele é que não deve e não pode se demitir, porque isso seria reconhecer a legitimidade, de uma campanha que não é dirigida apenas contra ele, mas contra a inteligencia brasileira no que ela tem de mais alto e mais digno.

Instigados não sabemos por quem, os senhores bispos do Rio Grande do Sul assinaram um documento em que se pede ao governo da Republica a demissão de Anísio Teixeira. Esse documento é impertinente e injusto. Está claro que os bispos, como quaisquer outros cidadãos, podem opinar sobre o que bem quiserem; mas que o façam coletivamente, como autoridades eclesiasticas, sobre um assunto que foge à sua alçada, isso me parece um precedente perigoso e intoleravel, tão intoleravel como seria um ministro do governo que amanhã resolvesse opinar sobre a nomeação de um bispo.

O pior é que os argumentos em que se apoiam os bispos são falsos e, mais do que isso, sabidamente falsos. Eles atribuem a Anísio Teixeira idéias que Anísio não tem. Insistem em acusações que não apenas Anísio já destruiu como a Associação Brasileira de Educação. Não vou repetir aqui esses argumentos, já esfarinhados no artigo de um escritor catolico da autoridade intelectual e moral de Afranio Coutinho e na incisiva, clara e corajosa declaração que Anísio Teixeira fez aos jornais de ontem, expondo com toda franqueza suas idéias.

O "Diário de Notícias" publicou que o cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Carmelo Mota, pediu ao presidente Juscelino levasse em conta a declaração dos bispos gauchos. Muita coisa tem sido atribuida a d. Carmelo Mota, que ele nega; não podemos saber da exatidão da notícia, que o "Diário" aliás publica em uma seção - "Sinal aberto" - que é mais de rumores que de fatos comprovados. Esperemos que d. Carmelo Mota desminta isso, pois seria lamentável que uma autoridade eclesiastica ainda mais alta viesse abonar a atitude irrefletida dos bispos gauchos. Nesse caminho veriamos amanhã a Igreja no Brasil tomando o caminho aberto da intervenção ultramontana na vida publica, que lhe poderá dar vitorias passageiras e verbas ainda mais polpudas, mas levantará contra ela a reação cívica dos espíritos mais esclarecidos dentro ou fora dos meios catolicos.

Anisio Teixeira, pela sua perfeita honestidade, pela sua dedicação à coisa publica, pela sua cultura e pela sua inteligencia é um dos grandes valores do Brasil. O sr. Clovis Salgado que meça bem sua responsabilidade de ministro da Educação e Cultura, que tem o dever de conhecer as obras e as idéias de Anisio Teixeira e resistir a uma pressão de todo descabida.

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