O INSTITUTO DE HAMPTON

   Domingo, 9 de outubro, embarquei, á tardinha, no "Districto de Colombia", da Comp. Washington-Norfolk, afim de descer o Potomac até Old Point, na Virginia, de onde um taxi, na manhã de 10, me levou a Holly Tree Inn, casa de hospedagem do Instituto de Hampton, onde eu era esperado, graças á gentileza do instituto Internacional que me recommendara ao director do instituto, pelo dr. Gregg e o director da Escola de Educação, dr. W. Aery.
   O Instituto de Hampton fica situado na extremidade de uma peninsula, banhada pelas aguas do Hampton Roads.
   Os seus vastos campos, os seus numerosos edificios, as suas dezenas de bungalows para residencia dos professores, as suas arvores velhas e frondosas e as suas paysagens fazem do Instituto uma encantadora cidade collegial.
   São, ao todo, 150 edifficios, semeados pelos seus parques urbanamente tratados e a que os seus 60 annos de existencia dão esse ar antigo e familiar que augmenta o encanto de uma estadia em Hampton.
   Antes de iniciar o relato da minha visita de tres dias a essa organização educativa quero fornecer alguns dados de sua historia que ajudam sensivelmente a comprehender o espirito desse Instituto.

   Uma grande tentativa em educação

   Quando mal se fechara o periodo da guerra de secessão, na America, e se iniciara o periodo de intensa reconstrucção que succedeu a essa grande crise nacional, em 1886, se encontrava, no éste da Virginia, encarregado do Bureau dos Homens Libertos, um antigo official da guerra civil, que servia com tropas de homens de côr, - o General Samuel Chapman Armstrong.
   O Bureau de Homens Libertos era uma organização governamental destinada a ir ao encontro "das palpitantes necessidades dos negocios deixados ao léu, sem auxilio e sem assistencia, nos ultimos meses da guerra, quando a proclamação da emancipação dos ecravos desfez os laços de residencia e, mulheres, crianças e enfermos se encontravam sem refugio e homens sem occupação (S. C. Armstrong, A Biographical Study por Edith Armstrong).
   O General Armstrong era um desses homens de grande visão, a quem as tarefas de socorro immediato e sem definitivo alcance não enthusiasmam sinão limitadamente.
   Depressa elle viu que a função de assistencia material e gratuita do governo á classe de negros, subitamente elevada á dignidade de homens livres, não era a solução para o grande problema de raça e para o grande problema de civillisação que a Emancipação criara.
   A idéa de uma grande instituição educativa, de uma "escola normal" o assaltara e diante de sua suggestão, a Associação Missionaria Americana, outra organização que trabalhava no mesmo problema dos escravos libertos, adquiriu a fazenda "Little Scotland", no sitio recommendado pelo General Armstrong, para ahi fundar o collegio.
   O homem convidado para dirigir a nascente instituição declinou do convite. Um anno depois, em 1868, era o proprio general Armstrong que acceitava a direção do collegio, vindo a inaugural-o com 15 alumnos e dois professores em um pequeno edificio de madeira, construido com o material das tendas do Hospital do Campo de Hamilton, localizado durante a guerra civil, em Hampton.
   Diz o General Armstrong:
   "Até então meu proprio futuro era para mim desconhecido; havia somente claro que algum trabalho devia ser feito pelos ex-escravos... A cousa a ser feita era clara: educar uma seleccionada juventude de côr para ir ensinar e guiar o seu povo, primeiro pelo exemplo, adquirindo terra e casa; não lhes dar um dollar que elles o pudessem ganhar; ensinar respeito pelo trabalho; substituir o trabalho estupido e bruto por aquelles que mão educadas e habeis soubessem fazer; e para esses diversos fins construir um systema industrial, não somente no interesse do proprio supporte dessa gente e no interesse de um trabalho intelligente, mas tambem pelo interesse do caracter."
   Dois annos depois de fundado, o seu director punha nesses termos definidos a finalidade do trabalho do instituto. Traduzo livremente as suas palavras:
   "O objectivo do Instituto é o de educar, no sentido original e largo da palavra: desenvolver uma completa individualidade. Nada mais difficultoso. Não é facil envolcer o estudante em um systema de influencias perfeitamente equilibrado. O valor de cada applicação bôa é limitado e cessa quando não inteiramente ajustado a esse fim mais alto.
   A agulha, o formão, a plaina e o arado devem ser os alliados do globo, do quadro negro e do livro. O curso de estudo não decorre quieta e docemente. Ha acção e reacção, depressão e prazer, e as fôrças em reserva do caracter se desenvolvem nessa lucta. A escola torna-se um campo de exercicio para o futuro trabalho, preparando e enviando homens e mulheres, e não "academicos" (scholars), para o mundo."
   É esse instituto, nascido sob a inspiração desse grande pioneiro de educação moderna, ha 60 annos passados, que possue hoje mais de 2.000 estudantes, conta com mais de 150 edificios e constitue uma das mais triumphantes tentativas de uma educação verdadeiramente efficiente, - de uma educação para a vida.


Página anterior Página 35/72 Próxima página
Índice