CAPITULO TERCEIRO
DO METHODO EM EDUCAÇÃO

   Consideraremos aqui as modernas idéas americanas que se podem incluir sem excessivo arbitrio, num vasto capitulo de methodo em educação. O conceito de educação, como um processo de desenvolvimento, inclue, obviamente, todos os seus principios e fundamentos na categoria de methodos. Entretanto a nossa divisão se justifica si attendermos a que, nos dois primeiros capitulos, buscamos fixar especificamente o sentido e a finalidade do processo educativo e agora vamos, embora summariamente, descer ao estudo dos seus passos e pormenores.
   Logo de início nos pomos em contacto com um velho conflicto, a que, modernamente, se dá notavel relevo. Devem os methodos de educação ser inspirados em um espirito de disciplina, de formação do sentido de dever e de esforço, ou devem elles ser dominados por um sentido de interesse?
   O trabalho escolar, visando a formação das virtudes basicas da vida humana, deve basear-se num critério predominante de valôr disciplinar ou deve, para ser efficiente, prender-se ao educando por um constante laço de interesse?
   Posta a questão nesses termos, parece, á primeira vista, desprovida da preeminencia que lhe dão hoje os modernos educadores.
   Despertemos, porem, a nossa mais proxima memoria de qualquer escola e recordemos os methodos e o espirito que regulam os seus processos. Qualquer de nós pode repetir, com um humorista ameriano, que o nosso professor só tinha um criterio de valôr educacional do exercicio que nos passava. Pouco lhe importava a natureza e o caracter do trabalho, - contanto que delle não gostassemos. Si não gostavamos, então estava garantida a efficiencia educativa. Ganhariamos disciplina, habituar-nos-iamos ao esforço, educar-nos-iamos no sentimento do dever.
   O problema é, pois, este: realmente educaremos o nosso caracter em disciplina e em sentimento de dever por esse processo ou, pelo contrario, o montaremos em artificialidade, em uma cega e mechanica subserviencia de que a vida se encarregará de provar a insubsistencia e a instabilidade? A outra solução é esteiada em um criterio de educação pelo interesse, em que se não exige da criança mais que o trabalho que ella acceita e quer.
   Não irá esta educação criar um typo moral fraco e caprichoso, a que faltem as qualidades de fortaleza e de vigor moral? E é esta a outra face do problema.
   Dewey desfaz esse apparente conflicto das idéas de interesse e disciplina em educação de um modo que me parece plenamente satisfactorio.
   Vale a pena que o acompanhemos litteralmente na sua argumentação, como já o fizemos nos capítulos anteriores.
   Antes do mais, fixemos com clareza o sentido dos termos. Todos conhecemos a differença de attitude que existe entre um espectador e um actor ou agente. O primeiro, pessoalmente, é indiferente ao que succede. O segundo está ligado ao curso dos eventos. A sua attitude se pode ahi caracterizar pela solicitude e ansiedade com relação ás futuras consequencias, e pela tendencia a intervir e agir de sorte que assegure os bons e evite os maus resultados.
   A palavra que define essa attitude é interesse, a pessôa que assim age ou procede, está interessada em um certo fim ou em certos resultados. Interesse e intento ou fim são necessariamente connexos. A palavra interesse salienta o effeito do que é previsto ou proposto sobre a situação pessoal do indivíduo e o consequente desejo de agir no sentido de assegurar o resultado. O individuo está empenhado e identificado com o desenvolvimento de uma situação de que elle é ou quer ser um agente decisivo.
   Mas, a palavra interesse, ao lado desse sentido de inclinação emocional da pessôa, de attitude pessoal directa nisto ou naquillo, tambem significa o laço com que um resultado objectivo vem a ferir ou favorecer vantagens materiaes do individuo.
   Quando se dá a interesse esse significado, nada mais natural do que deprecial-o no seu emprego em educação.
   Interesse, significando então meramente o effeito de um objecto sobre pessoaes vantagens ou desvantagens, sobre sentimentos pessoaes de prazer ou pena, se traduz em educação pelo esforço em dar um certo aspecto de attração a material em si indifferente, em assegurar attenção e esforço em troca de um certo prazer. Nada será bastante para estigmatizar similhante processo, que não é sinão uma deturpação da doutrina de interesse.
   Mas esse processo se filia, por outro lado, a uma concepção falsa que suppõe que as habilidades a serem adquiridas na escola e as materias a serem ensinadas não têm, em si, interesse ou, por outras palavras, são irrelevantes para as actividades normaes dos alumnos. Si isto succede, é porque realmente estão desvirtuadas as occupações escolares. A solução para o caso é procurar as materias que estejam realmente em conexão com as forças actuaes das crianças e, então, si o interesse não é immediatamente percebido, induzil-a comprehendêl-o e assimillal-o. Isso é razoavel e logico, tanto quanto é prejudicial e absurda uma criação artificial de interesse por motivos de engenhosidade externa.
   Interesse, etymologicamente, significa estar entre. Si a actividade escolar é realmente correscta e apropriada, o interesse se despertará, naturalmente, como um resultado da posição da criança relativamente ao objecto em apreço.
   Estudado, assim, o sentido do interesse, poderemos vêr que em nada pode elle collidir com a applicação de disciplina ou treino da vontade, em educação. A essencia da disciplina consiste no poder ou faculdade de resistir e persistir em uma actividade intelligentemente escolhida, em face de distracções, confusões e difficuldades. Coexiste com interesse ou antes lhe é profundamente connexa, seja na phase puramente intellectual da escolha ou deliberação, seja na phase executiva em que exige persistencia e tenacidade.


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