Mas, parece que fugimos á difficuldade. Sempre que houver interesse, é natural que esforço e disciplina o acompanhem e levem o individuo a uma acção efficiente e educativa. Mas, quando o conflicto se dér entre o que se deve fazer e o que nos interessa fazer? Os psychologos americanos não acceitam uma theoria de dever pelo dever, isto é, de dever como qualquer cousa abstracta, independente e ás vezes opposta ás tendencias humanas. O dever ha de estar estreitamente unido ao systema geral da vida e representar, realmente, o desenvolvimento harmonioso e adequado do nosso caracter. De sorte que não pode haver dever que nos não interesse. O que ha é um conflicto entre falsos e secundários interesses. A funcção da educação é fazer o alumno descobrir e comprehender os interesses legitimos e verdadeiros de sua vida, usando constantemente a intelligencia e a razão no seu julgamento. Esse lucido typo moral que não procede na vida por uma obediencia subserviente a dictames cegos de moral, mas por uma nitida e exacta comprehensão de superioridade dos legitimos interesses e deveres da vida, deve ser uma das mais felizes conquistas da educação.
   A theoria do interesse em educação tem, entretanto, mais alguma cousa que nos ensinar. Primeiro, ella é uma extraordinaria auxiliar para o professor no descobrimento das "differenças individuaes" e o auxilia, assim, a um mais intelligente ajustamento da educação ao individuo.
   Em segundo logar, ella nos leva a uma concepção da mente e do seu treino, inteiramente differente da concepção escolastica que ainda predomina na maior parte das escolas. Esta concepção julga que a intelligencia tem uma faculdade de conhecimento isolada de qualquer outra actividade, com estudos mentaes e operações proprias e independentes. A mente reage sobre as cousas e as cousas reagem sobre a mente e dahi provem o conhecimento. A psychologia americana está convencida que tal processo não existe. Intelligencia é uma pura idéa formal sem uma perfeita realidade objectiva. Não ha intelligencia, mas acção intelligente, se poderia dizer. Intelligencia ou mente representa somente a habilidade de responder a certos estímulos presentes, com uma visão de suas futuras consequencias, que procuramos modificar ou controlar tanto quanto nos seja possivel. Não ha, pois, em todo o processo mental nenhuma cousa que se possa considerar puro acto de conhecimento. O que ha é acção em que nos empenhamos e em cujo decorrer apprendemos alguma cousa. Logo toda organização escolar, com programmas e "lições" é inteiramente artificial. O problema da instrucção não é o de organizar "lições", mas o de encontrar material apropriado que empenhe uma pessôa em especificas actividades com um fim ou objectivo de interesse para ella, e em que se utilizem as cousas, não como applicações gymnasticas, porem como condições para o alcance de certos fins. Descobrir modos typicos de actividade, sejam jogos ou ocupações uteis, em que os individuos estejam interessados e em cujos resultados reconheçam que empenham qualquer cousa e que não possam ser levados avante sem uso de raciocinio para escolher os meios e o material de observações e de memoria, - é o remedio para a solução dos nossos problemas de ensino.
   Essa perfeita connexão entre objecto ou topico do ensino e o desenvolvimento de uma actividade com sentido é, como diz Dewey, a primeira e ultima palavra da theoria de interesse.

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   Nenhuma instrucção verdadeira se processa sinão por intermedio do desenvolvimento de uma actividade, ou, para empregarmos uma palavra mais precisa, sinão por intermedio da experiencia.
   Nas escolas, porem, os alumnos não são considerados como pessôas empenhadas em experiencias fructiferas, mas espectadores theoricos, mentes que apropriam o conhecimento mediante oepração directa do intellecto. Separa-se a mente, - faculdade puramente intellectual e cognitiva, dos orgãos physicos de actividade do alumno.
   É a mesma philosophia dualistica nos ocupava linhas atraz e que volta o educador americano e discutir com mais detalhe, apontando os seus principaes resultados.
   Primeiro: - a actividade physica, a actividade do corpo torna-se intrusa, não tendo nada que vêr com a actividade mental; mas, como é uma fonte de energia e precisa de algum modo occupar-se, dispara nas explosões, violencias e "indisciplinas" que tanto "affligem" os mestres.
   Segundo: - quando, entretanto, alguma actividade physica tem que ser utilizada - os sentidos da vista e do ouvido, ou a actividade muscular, - essa actividade soffre uma deturpação no seu uso que é fácil explicar. Os sentidos são considerados mysteriosos conductos de informação entre o mundo esterno e a mente, avenidas do conhecimento. Para ler, escrever ou desenhar, em que se precisam desses movimentos physicos, treina-se o alumno na repetição systematica desses movimentos, até que elle ganhe uma certa habilidade. Mas, como se vê, as actividades physicas são utilizadas mechanicamente para a obtenção de conhecimentos. Antes da escola, a criança apprende com as mãos, os olhos, os ouvidos, ect., porque mão, olhos e ouvidos são orgãos do processo de fazer alguma cousa com sentido. Na escola, porem, o sentido é treinado isoladamente, sem conexão com um acto com objectivo, e isso é que o torna mechanico. A criança que apprende a ler, sem utilizar-se da intelligencia, é um exemplo frizante desse treino puramente mechanico.
   Terceiro: - na parte intellectual, a separação da mente de uma occupação directa com as cousas acarreta duas consequencias: a supposição de que a mente percebe as cousas em si, isoladamente, e que depois, o julgamento intervem para combinar os elementos separados e compôr a idéa, auctorizando assim uma apresentação dos objectos de estudo separados de suas connexões e relações com o uso e com a vida. Esse processo de conhecimento é inteiramente artificial. Nós não podemos perceber as cousas, sinão atravez da percepção do seu uso, das suas causas ou dos seus fructos.


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