O pensamento - força impulsionadora da ação

   O pensamento de Anísio Teixeira está documentado através de uma vasta obra escrita que representa não apenas a sua ideologia educacional, mas reflete todo um período da história brasileira. Apresenta-se, ainda, não apenas como um corpo teórico-doutrinário, mas como fruto da experiência de quem vivenciou a prática educacional, sofreu os seus problemas e tentou minimizá-los. Soa como a voz do conhecimento real adquirido no trabalho contínuo e constante, aprofundado na reflexão inteligente e metódica.
   Em 1971, o INEP divulgou um levantamento da sua produção bibliográfica, feito por uma equipe de quatro pessoas. O resultado indicou um total de 241 itens, entre livros, folhetos e artigos de periódicos (revistas e jornais), sem incluir os trabalhos publicados no exterior. Note-se que, às vezes, artigos já veiculados em periódicos passavam depois a compor livros, e alguns livros mais recentes apresentaram reedições de revistas e reorganizações de outros livros puvlicados anteriormente. Deve-se salientar que grande parte dos seus escritos foram divulgados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, de responsabilidade do INEP. Esta revista tem prestado significativa contribuição à educação veiculando trabalhos de valor, e completa, neste ano, 40 anos de atividades "incentivando e divulgando os progressos da educação".
   Anísio foi um dos responsáveis pela reconstrução da educação num momento de profundas transformações na sociedade brasileira, que mudava sua feição econômica passando de um modelo agrário de monocultura exportadora para um modelo de capitalismo industrial urbano; que modificava o seu panorama social, através da adaptação da estrutura de classe, para abrigar uma classe média emergente bastante numerosa; e que, enfim, vivia a migração do homem do campo para a cidade, invertendo a sua situação de país com população predominante rural e agrícola para uma maioria populacional urbana, que busca trabalho nos setores secundário e terciário da economia.
   Vários autores se referiram a Anísio a respeito das novas solicitações feitas à educação pela nova realidade social; Inforzato22 e Cury23 são exemplos disso.
   Toda essa realidade social se retrata na sua literatura educacional. Mesmo escrevendo sobre educação, ele espelha o universo social em que este processo educacional se insere, e, ao leitor atento de suas páginas, configura-se claramente o caminhar da própria nação brasileira.
   Sua obra é básica e fundamental para estudos na área da educação. Gadotti24 o indica como fonte bibliográfica básica para o Curso de Pedagogia e vários outros educadores contemporâneos buscaram embasamento na fonte dos seus escritos. Entre outros, pode-se citar Saviani25, que numa única obra indicou como referência bibliográfica dois livros e nove artigos do Mestre de Caitité, Walter Garcia, discorrendo sobre inovação educacional no Brasil, baseando-se em Anísio, afirma que "o panorama cultural e educacional da Independência até a República, praticamente não se modifica"26; Cunha27, discorrendo sobre educação e desenvolvimento social no Brasil, utiliza as críticas feitas por Anísio às teses fundamentadas na corrente conhecida por "entusiasmo pela educação"; mais recentemente, Mascaro28, em periódico especializado em administração educacional, ao escrever sobre Reforma Universitária, Gratuidade do Ensino e Outros Problemas, cita Anísio Teixeira como "o educador sempre lembrado" ao dissertar sobre tipos negativos de administração universitária, e transcreve os tipos catalogados por ele em Educação e mundo moderno.
   A presença de Anísio e a repercussão do que escreveu foi tão forte e polêmica que toda a fase que antecedeu e preparou a Lei no 4.024 de Diretrizes e Bases da Educação foi marcada pela sua atuação, como demonstra o célebre epsódio do conflito escola pública X escola particular, tão bem analisado por Buffa, que, em seu livro, intitulou uma seção do capítulo que trata do assunto de "Episódio Anísio Teixeira"29. Trata-se este caso de uma verdadeira polêmica desencadeada pelo levantamento da bandeira de defesa da escola pública por Anísio Teixeira, com ataques feitos a ele e a suas idéias. A autora mencionada fundamenta-se nas publicações sobre o assunto em jornais, revistas e livros surgidos no período que vai de 1956, quando foi feita a apresentação na Câmara Federal do parecer da Comissão de Educação e Cultura sobre o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, até 1961, quando esta foi aprovada.
   O cerne do problema, realmente, era a subvenção governamental às escolas particulares. Os defensores da escola pública achavam que este tipo de escola deveria merecer a prioridade do Estado, visando dar condições de acesso às camadas menos favorecidas da sociedade, e propunham que as escolas particulares continuassem a existir livremente, mas deixassem de ser subvencionadas e passassem a ser fiscalizadas pelo Estado. Alegavam os partidários da escola pública que, da maneira como vinha acontencendo, as famílias pagariam duplamente o ensino particular para seus filhos: através das anuidades escolares e das subvenções governamentais. Os defensores do ensino particular atacavam, então, desviando a atenção do aspecto financeiro e concentrando as suas acusações na filosofia educacional de Anísio Teixeira, chamando-a de materialista, antidemocrática e antinacionalista. Jayme Abreu, analisando os ataques à idéia da escola pública, afirma que esta campanha contrária era "desencadeada por interesses de grupos, os mais conservadores do País".30
   Muitas vozes se levantaram em favor de Anísio. Entre as iniciativas dos que lhe apresentaram apoio e solidariedade destacam-se:
- Manifesto dos professores da Faculdade de Filosofia da USP, dirigido ao Presidente da República;
- Manifesto dos educadores e intelectuais de Pernambuco;
- Moção de homens de letras do País;
- Participantes do I Congresso de Arte, realizado em Porto Alegre;
- Faculdade de Filosofia da Universidade de Porto Alegre;
- Professores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto;
- Congregação da Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio de Janeiro.
   Até um novo Manifesto dos Educadores31 foi lançado, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por vários nomes de expressão nacional, incluindo-se alguns dos pioneiros de 1932, em que defendem a escola pública e denunciam os interesses "ideológicos e econômicos" dos que a combatiam.
   O resultado final da luta é que a Lei no 4.024 foi conseqüência de uma junção das duas tendências - liberal e conservadora - representadas na prática pelos projetos Clemente Mariani e Carlos Lacerda. A este respeito, o próprio Anísio afirma que, ao final, houve apenas "meia vitória, mas vitória".
   A Lei realmente avançou em alguns pontos, mas a própria realidade social já se modificara, tal a defasagem de tempo entre o primeiro projeto de lei, em 1948, e a sua aprovação, em 1961.
   Infelizmente, o fato da Lei no 4.024 assegurar que a educação é direito de todos e a vigência deste artigo continuar até o presente, após a promulgação da Lei no 5.692, não teve força suficiente para que este direito se concretizasse na realidade. Todos sabem que o contingente de crianças e jovens fora da escola e sem acesso a ela é bastante significativo. A respeito da realidade educacional gerada pela L.D.B. no 4.024, Freitag32 apresenta interessante estudo mostrando a dicotomia entre os direitos previstos em lei e o exercício destes direitos. A voz de Anísio, lutando pelo direito de todos à educação, ainda é necessária e pertinente nos dias atuais e precisa continuar ressoando nos ouvidos do povo e dos governantes desta Nação.
   Acredita-se que nada melhor para oferecer uma visão honesta e global da obra de Anísio do que apresentar com fidelidade o seu pensamento. É impossível, contudo, num estudo como este, comentar todo este acervo, dada a sua extensão. Mas, é impulsionado pela necessidade de ser fiel ao seu pensamento que a autora destas páginas apresenta a seguir, em forma de resenhas, alguns dos seus livros e artigos que considera significativos para uma amostragem desta produção literária. Maiores dados sobre os textos aqui apresentados constam da bibliografia final.

Texto 1 - A Pedagogia de Dewey
   Este texto é introdutório ao livro de Jonh Dewey, Vida e Educação, e apresenta-se como um esboço da teoria deste estudioso.
   Na primeira parte, introduz educação como reconstrução da experiência. Cataloga três tipos de experiência: a que se tem, aquela que se conhece e sobre a qual se reflete e a que atinge o próprio anseio pessoal. Os dois últimos tipos formam a experiência humana. Analisa a natureza da experiência e demonstra que, como a vida é uma seqüência ininterrupta de experiência e a educação é a experiência inteligente, não se pode dissociá-las. "Vida, experiência e aprendizagem não se podem separar. Simultaneamente vivemos, experimentamos e aprendemos".
   A educação, como processo de reconstrução e reorganização da experiência, é uma necessidade da vida social e o meio social é que direciona o processo educativo. A escola, como meio social, deve ser: simples e não complexa para facilitar a integração da criança; meio purificado de onde se devem excluir os aspectos maléficos do ambiente social e meio de integração à sociedade como um todo.
   Aborda o inter-relacionamento indivíduo-sociedade e coloca o processo educativo como processo de crescimento.
   Na 2a parte, aprofunda o estudo sobre escola e reconstrução de experiência, afirmando a nessecidade da sociedade democrática para a prática desta teoria. Para dirigir o processo educativo é preciso saber: o que se aprende, como o que se aprende refaz e reorganiza a vida de cada um, e em que consiste uma vida melhor. Neste ponto, Anísio faz alusão a Kilpatrick, dizendo que a teoria de Dewey só é bem entendida analisando também o que diz Kilpatrick, e vice-versa. Dewey diz o que se deve fazer e Kilpatrick como se pode fazer. Só se aprende o que se pratica. Educação é vida, não é apenas preparação para a vida. Para dizer em que consiste, sintetiza-se com a afirmação seguinte do próprio Anísio: "Para Dewey o fim da educaçào não é vida completa, mas vida progressiva, vida em constante ampliação, em constante ascensão... Nesta civilização em perpétua mudança, só uma teoria dinâmica da vida e da educação pode oferecer solução adequada aos problemas novos que surgem e que surgirão. É tal teoria, adaptada às duas grandes forças que estão moldando o mundo moderno - democracia e ciência - que a filosofia de John Dewey buscou traçar."

Texto 2 - Educação Progressiva, uma introdução à Filosofia da Educação.
   Trata-se de um livro, publicado inicialmente em 1934, formado por um conjunto de estudos e palestras, unidos, segundo o autor, "por uma idéia central - a mesma que dirige o movimento de reconstrução educacional que nos anima neste momento".
   No primeiro capítulo, discorre sobre a posição de reacionários e renovadores, demonstrando que, apesar de divergirem em alguns aspectos, estão unidos no essencial, no mesmo ideal - que é o homem educado, "aquele que sabe ir e vir com segurança, pensar com clareza, querer com firmeza e executar com tenacidade". No segundo capítulo apresenta os fundamentos sociológicos e psicológicos da Educação Progressiva com as leis da aprendizagem e as influências do meio. Na terceira parte coloca as diretrizes desta educação e os elementos necessários à sua aplicação. Faz esta colocação em três níveis: o do educador, da programação escolar e da organização das matérias, levando em conta os conhecimentos psicológicos.
   Num quarto momento enfatiza o inter-relacionamento entre educação e sociedade, apresentando o processo educacional como fenômeno individual com função social. Educação e sociedade são vistas aí como processos fundamentais da vida humana. Volta-se para o problema da conduta humana face ao movimento de educação progressiva, referindo-se à moral científica e à moral tradicional. No último capítulo trata da filosofia, com base em Dewey, fazendo uma retrospectiva da evolução filosófica. Finalmente, demonstra a necessidade da fundamentação filosófica na prática educacional, afirmando que o educador, "ao lado da informação e da técnica, deve possuir uma clara filosofia da vida humana, e uma visão delicada e aguda da natureza do homem".

Texto 3 - Educação não é Privilégio
   Este livro representa talvez a obra que inclui o conteúdo que mais polêmica suscitou.
   Mais uma vez considera o sistema de peneiramento social no acesso à educação e a rigorosa seletividade da escola, denunciando a exixtência de dois tipos paralelos de ensino destinados a classes sociais distintas. Acena com a necessidade de uma nova política e indica aspectos administrativos desta nova política.
   No segundo momento faz a defesa da escola pública universal e gratuita, que no presente estudo está resenhada à parte, tal a importância da sua proposta.
   No último capítulo lembra a importância da formaçào do povo brasileiro, apresentando relato de experiência vivida anteriormente na Bahia, e coloca o Centro Educacional Carneiro Ribeiro como modelo para o tipo de escola proposta.
   Em anexo, está um pronunciamento da Associação Brasileira de Educação, defendendo Anísio na polêmica provocada por sua teoria sobre a escola pública universal e gratuita, e assumindo como seus os postulados desta campanha.

Texto 4 - Educação no Brasil
   Nesta obra se inclui, com exceção de dois capítulos, o livro A educação e a crise brasileira, já esgotado. É uma coletânea de documentos, artigos, palestras e conferências, dentro de um debate geral sobre a educação no Brasil.
   A dedicatória a Monteiro Lobato merece especial menção, pois Anísio afirma que deveu a ele o ânimo para voltar à educação em 1946. Em seguida, reproduz páginas cheias de saudade e admiração que escrevera sobre o amigo dois dias após sua morte.
O livro está organizado em três partes:
1- Educação no Brasil - estudos anteriores à Lei de Diretrizes e Bases de 1961;
2- Educação e Sociedade - inter-relacionamento educação e sociedade;
3- Reflexões - sobre a época em que o livro foi editado, e assuntos ligados ao tema geral do livro.
   Na primeira parte, Anísio aborda a crise educacional brasileira e apresenta padrões brasileiros de educação e cultura, analisando os modelos históricos e os vigentes. Sobre escola e estabilidade social, demonstra a influência da estratificação social como determinante das oportunidades educaçionais dos indivíduos. Considera, ainda, o problema da administração da educação e da transformação por que passa a escola secundária e propõe, mais uma vez, a reconstrução educacional do País. Faz a historiografia do projeto de Lei de Diretrizes e Bases.
   Ainda nesta parte estuda a Universidade, sua missão e a inquietação gerada pelo processo de reforma universitária e analisa a situação educacional em 1967, seis anos após a LDB, observando as tendências e perspectivas nos vários setores atingidos pela Lei.
   Na segunda parte, apresenta página brilhante em que demonstra a transplantação dos modelos de sistemas escolares europeus para o Brasil e a influência da duplicidade de valores proclamados e reais na educação. Enfoca a educação como o problema central da sociedade e propõe a educação como meio para a unidade nacional.
   Na terceira parte, faz reflexões sobre a década de 1960, de modo autorizado e convincente.

Texto 5 - Educação: Suas Fases e Seus Problemas
   Neste escrito, o autor analisa a situação da realidade educacional brasileira, a partir do sentido político da educação. No seu entender, a educação é necessária para a própria evolução humana, pois, simultaneamente à evolução biológica, também se deu o desenvolvimento cultural e científico do homem. Entretanto, sabe-se que ao longo da história o projeto consciente da conquista do saber sempre esteve condicionado à estratificação social presente nas organizações humanas. A educação era considerada privilégio das classes dominantes. É interessante ressaltar a atualidade do seu ponto de vista sobre a relação inerente e intrínseca entre educação e política.
   No século XVIII, alguns países, a partir de uma filosofia da educação para todos, passaram a generalizar a oferta educacional com oportunidades também às camadas menos favorecidas. O problema então passou a ser quantidade e não mais a qualidade. No início do século XX, com a influência dos estudos psicológicos, o ensino deixa de se centrar no conteúdo e passa a concentrar-se no educando. Ele afirma: "Já agora, o importante é o estudo da criança e de seus problemas e a descoberta do melhor método de acompanhar-lhe o crescimento e a aquisição da cultura de seu tempo e de seu presente e futuro."
   A fase referente à época em que foi escrito o artigo seria a da ênfase aos particulares de cada educando, de uma educação individualizada que levaria em conta as capacidades, aptidões e tendências pessoais de cada indivíduo. Valoriza, também, os condicionantes culturais: é a consideração do homem e a sua circunstância. Pelo fato da situação sócio-cultural ser bastante fluida, sujeita às mudanças, a escola apresenta-se de certo modo perturbada ante estas mudanças e tenta a elas se ajustar.
   O Brasil, como outras nações subdesenvolvidas, estaria vivendo então o estágio inicial desta evolução, tentando ainda superar o problema da quantidade: oferecer escola para todos. A situação é difícil e confusa, mas, segundo Anísio, a existência de muitos erros na efetivação desta política culminou com a bandeira da educaçào para o desenvolvimento, numa visão simplista que resume tudo ao treino para a atividade produtiva.
   O estabelecimento de rumos e metas, a formação do professorado (observa-se mais uma vez a preocupação de Anísio com a formação do professor) e atuações experimentais capazes de implementar os planos são absolutamente necessários à condução do processo educativo brasileiro.
   Adverte, ao final, que este é um trabalho difícil e que deve ser conduzido com perseverança e paciência.

Texto 6 - O Problema de Formação do Magistério
   Trata-se de um estudo especial apresentado ao Conselho Federal da Educação. É uma reflexão sobre a dualidade da realidade social brasileira por força da tradição histórica - senhores e escravos, depois senhores e povo - assumindo neste século uma certa caracterização de classe média. Este dualismo na ordem social reflete-se por extensão ao aspecto educacional que se apresenta também de modo dual e que nos últimos 50 anos tenderia para uma certa fusão.33
   Desde a Independência, os sistemas escolares foram caracterizados distintamente: um para a elite, fiscalizado e sob a responsabilidade direta do governo federal, outro para o povo e a emergente classe média, sob o controle do governo das províncias.34
   À elite era oferecida a escola secundária acadêmica e escolas superiores, enquanto o sistema popular era composto pelas escolas primárias e escolas médias vocacionais. Além de serem sistemas independentes, subordinados a esferas diferentes, obedeciam também a filosofias diferentes.
   A separação rígida entre os dois sistemas foi paulatinamente cessando. Na verdade, o povo não tinha acesso à escola; o sistema popular era cursado pelos alunos da classe média e a expansão da quantidade foi uma imperiosa necessidade.
   Toda essa situação refletia-se diretamente na formação do professorado, fazendo deste setor um ponto crucial dentro da organizaçào educacional brasileira. "Nesta situação, sobremodo confusa, o problema da formação do magistério faz-se o problema máximo da educação brasileira".
   Ora, se o sistema educacional se modifica, necessariamente a formação daqueles que têm a responsabilidade de viabilizá-lo - os professores - terá que sofrer uma transformação que os capacite a exercer bem a sua função.
   Este artigo, escrito em 1966, mostra-nos que a necessidade da modificação e valorização destes cursos é ainda bastante atual, e os projetos de revitalização das Escolas Normais e os estudos sobre a formação do educador que estão sendo feitos atualmente a nível nacional são elementos comprobatórios tanto da importância da formação do pessoal da educação como da necessidade da melhoria desta formação.
   Acrescente-se que o momento atual continua a detectar na educação brasileira uma dualidade, apesar de determinada por outro critério, o da qualidade do ensino ministrado, que caracteriza-se pelo binômio: escola pública x escola particular.

Texto 7 - Aspectos da Reconstrução da Universidade Latino-Americana
   Neste texto, Anísio faz uma análise da situação sócio-política da universidade pela América Latina. Trata-se de considerações apresentadas à comissão designada pela administração superior da Universidade do Chile para elaborar o seu plano de desenvolvimento. Anísio estava então na qualidade de consultor desta comissão, e as suas ponderações tiveram bastante peso e inspiraram as linhas gerais do relatório final da referida comissão.
   Segundo ele, o fato das universidades latino-americanas insistirem em falar de autonomia só atesta a situação de dependência em que vivem e, de resto, toda a educação.35 No caso da universidade, esta relação de dependência se caracteriza pela eterna sujeição aos recursos governamentais, bem como à legislação do Estado que lhe restringe a autosugestão e intervém nos seus quadros administrativos e docentes. Esta insistência é, portanto, dirigida no sentido da busca da aquisição da autonomia e não na sua real efetivação, apesar de ser indispensável para o exercício de suas funções. O próprio Anísio afirma que: "A autonomia da Universidade não é, portanto, uma concessão do Estado, mas decorrência lógica da natureza de suas funções."
   A necessidade desta liberdade de ação e autonomia da Universidade tem sido ainda hoje bastante defendida pelos que fazem educação. Recentemente houve quem, criticando a pressão exercida pelo controle dos organismos de informação e repressão sobre a atividade universitária, afirmasse que "ela deve estar inserida no contexto próprio da sua sociedade, mas deve, até certo ponto, estar transcendente a este contexto, deve ter uma certa liberdade, pois, para que haja competência e criatividade, precisa-se, também, de liberdade de pensamento".36
   Entretanto, a instabilidade política das sociedades latino-americanas dificulta esta liberdade de ação às suas Universidades.
   Caracterizando assim a situação das instituições universitárias latino-americanas, passa a estudar particularmente a situação da Universidade do Chile, fazendo comentários sobre a sua feição própria, de Universidade que não seguiu o mesmo modelo das demais instituições de ensino superior fundadas no tempo das colônias, fazendo alusões à sua expansão e às inovações determinadas pelo seu crescimento, enfocando a análise dos níveis do ensino superior chileno.
   Finalmente, acena com a necessidade de uma política de admissão dos candidatos que se propõem a ingressar no ensino superior. Nesse aspecto, é admirável como o autor consegue conciliar a sua filosofia de educação democrática com uma política que consiga selecionar os mais capazes, aqueles que, ao longo do seu processo escolar, tenham demonstrado talento que os credencie a atingir a universidade, que é, por sua própria natureza, resultado de um processo de seletividade.
   Ressalte-se aqui o reconhecimento fora das fronteiras nacionais do valor do educador brasileiro que foi Anísio Teixeira.
   Chega a afirmar que a Universidade do Chile estaria, à época, em condições de poder ajustar-se à definição de Universidade de Flexner e à "multiversidade" de Clark Kerr.

Texto 8 - A Escola Pública, Universal e Gratuita
   Este documento resultou de conferência proferida no Congresso Estadual de Educação do Estado de São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto, em setembro de 1956, e foi posteriormente publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
   Anísio inicia a sua fala chamando a atenção para a coincidência de realização, num mesmo ano, de uma reunião dos ministros da Educação dos países americanos convocada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em Lima no Peru, e do Congresso Estadual de Ensino Primário de São Paulo. Os dois eventos trataram sobre educação primária. Para Anísio, esta coincidência é sinal dos tempos, de amadurecimento da consciência pública do País. Um dos princípios do documento final da primeira reunião - a Declaração de Lima - defendia para o continente a "escola primária de seis anos de curso e dias letivos completos".
   Apesar de muitas vozes, como Horace Mann nos Estados Unidos e Sarmiento na Argentina, defenderam desde o século passado, em todo o continente americano, a manutenção da escola pública gratuita de boa qualidade capaz de fornecer uma sólida educação de base, o que se observa é a improvisação de escolas e a redução de horários, aumentando para até quatro turnos cada escola, como se a oportunidade educacional fosse um mero formalismo que o Estado cumpre de qualquer maneira, sem o compromisso da qualidade.
   Para o autor, a própria sobrevivência do capitalismo dependeria dois fatores: a escola pública, universal, gratuita e eficiente, e sindicatos livres e autônomos; mas, no Brasil, o que estava acontecendo era a "simulação educacional de escolas de faz-de-conta e sindicatos de cabrestos".
   Anísio volta ao passado buscando outros defensores da escola pública, e indica a contribuição de brasileiros como Caetanos de Campos, Cesário Motta, Gabriel Prestes e Bueno dos Reis Júnior.
   Mostra a necessidade de se aliar qualidade e quantidade em educação, apontando esta como condição necessária para uma real democracia. Faz uma série de proposições sobre como efetivar esta oferta de educação.
   Toda a conferência é uma proclamação da educação primária como prioridade absoluta, porque "dela é que depende o destino ulterior de toda a cultura de um povo moderno. Se de outras se pode prescindir e a algumas nem sempre se pode atingir, ninguém dela deve ser excluído, sob qualquer pretexto, sendo para todos imprescindível. Façamo-la já de todos e para todos".

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Sumário