PRADO, Ricardo. O guerreiro da sala de aula. Nova Escola. São Paulo, v.15, n.133, jun./jul. 2000. p.30-31.
O guerreiro da sala de aula
Ricardo PradoCentenário do nascimento de Anísio Teixeira é boa ocasião para lembrar que as falhas educacionais são velhas conhecidas.
O quadro negro da educação brasileira poderia ser pior, se não tivéssemos tido um Anísio Teixeira (1900-1971) de olho no que acontecia em nossas escolas. E certamente não seria negro se mais idéias do educador baiano tivessem sido adotadas. Vale a pena examinar algumas. elas parecem tão atuais que revelam duas constatações, uma sobre Anísio, outra sobre o país.
Sobre ele: pensava longe, e com uma rara alquimia capaz de unir talento administrativo a uma apurada capacidade de análise. "Foi um dos homens mais cultos deste país, mas ao mesmo tempo o menos exibicionista dos homens cultos deste país", declarou sobre ele o filólogo e escritor Antônio Houaiss. De fato, Anísio criava teses na trincheira acadêmica e, melhor, lutava para colocá-las em prática. Resultado dessa atuação em duas frentes, a do serviço público e da universidade, é que ele teve papel decisivo na obrigatoriedade do ensino, na formação de professores, no fortalecimento de instituições de pesquisa como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (presidiu ambos), além de participar criticamente da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases, promulgada em 1961. Mesmo identificando-a como "retrato das perplexidades e contradições do país", ele vibrava com pequenas vitórias, como a possibilidade de os Estados criarem sistemas educativos próprios.
A constatação que o centenário de seu nascimento suscita sobre o país é que faltou vontade política para reverter um sistema educacional que nasceu voltado para as elites econômicas. Anísio dissecou em seus livros o caráter excludente da educação brasileira e o gargalo representado pelo Ensino Médio. "Para ele, era ali que se formava a composição da elite intelectual pela base econômica e não por critérios de competência, evidenciando a fratura social do país", analisa o professor Carlos Jamil Cury, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. A atual explosão de matrículas neste ciclo e a própria reforma em curso parecem confirmar, décadas mais tarde, o acerto da análise original.
Máquina de democracia
Anísio defendia que a escola pública era a "máquina que prepara as democracias". Sendo assim, deveria centrar-se em três eixos para formar bons cidadãos: o jogo, o trabalho e o estudo. A tradução concreta de suas idéias foram as Escolas-Parque, criadas na Bahia em 1950, quando foi Secretário de Educação pela segunda vez (na primeira, aos 23 anos, foi chamado de "bebê" e "verdoso educador"). eram escolas de tempo integral, embrião dos Cieps criados por Darcy Ribeiro na década de 80 sob confessa influência do mestre baiano
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Muitos anos antes de experiências pioneiras como as que aconteceram nas Escolas-Parque, houve um momento histórico para a educação brasileira. E lá estava Anísio, como um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. No documento, fruto do panorama político representado pela ascensão da classe média a partir da Revolução de 30, são colocados princípios que, se hije parecem líquidos e certos, não o eram naqueles anos, logo após o enterro da República Velha. São eles: obrigatoriedade do Ensino Básico, gratuidade, educação para ambos os sexos e ensino laico. Foi a primeira vez em nossa história que a educação passou a ser vista como um problema social.
Para enfrentar tanto atraso, o educador defendia um nova postura na relação professor-aluno. Veja se sua opinião não parece saída dos Parâmetros Curriculares Nacionais: "O mestre deve confiar no aluno. Perca ele para sempre a idéia de que lhe cabe qualquer soberania sobre o pensamento do seu discípulo. Dê-lhe oportunidade para pensar e julgar por si".
Inspirado pelos princípios humanistas do filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952), de quem foi aluno, amigo e tradutor, Anísio Teixeira trouxe para o Brasil a nação de que era preciso usar métodos ativos que ensinassem o aluno a "aprender a aprender" em um ambiente escolar democrático. Ele dizia que "as inteligências que se ajustam ao ensino formal são as de certo tipo médio, excessivamente passivo. Os verdadeiramente capazes são desencorajados, e a grande maioria dos de outros tipos de inteligência - artística, plástica, prática - é destruída". Muito tempo antes do conceito de "múltiplas inteligências", Anísio já pensava dessa forma, com suas várias e lúcidas inteligências.
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