Uma concepção do processo educativo que deve merecer um exame menos summario pela larga influencia entre nós, é a chamada "disciplina formal".
Essa theoria considera educação como o processo de apparelhamento do individuo em poderes especificos de realização e de adaptação á vida. Inegavelmente, é este o resultado procurado pela educação.
Mas, a theoria que nos occupa actualmente suppõe que existe em nós certos e determinados poderes ou faculdades - de perceber, lembrar, querer, sentir, etc. e que em treinar essas faculdades, por meio de intelligentes e repetidos exercicios, consiste a educação.
Aquelle poder com que a educação nos enriquece não é um simples resultado do nosso desenvolvimento adequado, mas o directo e consciente fim de toda instrucção. Educação é ahi constantemente identificada com o treino do gymnasta para adquirir certa e determinada habilidade. Treinavam-se então as faculdades mentaes como se treina um musculo.
Taes faculdades mentaes, suppostamente originaes, são, porem um mytho.
O que existe é um sem numero de tendencias originaes, de modo instinctivos de acção baseados em ligações originaes de neuronios do systema nervoso central.
É essa uma conquista definitiva da psychologia experimental.
Taes tendencias, em vez de em pequeno numero e marcadamente distinctas, são de uma indefinida variedade, entrelaçando-se umas com as outras por mil formas de processos subtis; em vez de faculdades intellectuaes latentes, á espera somente de exercicio para serem apefeiçoadas - são tendencias para responder de certo modo a certas mudanças do ambiente produzindo outras mudanças progressivamente mais convenientes para o organismo.
Assim, o treino de nossas actividades originaes e impulsivas não consiste num refinamento e aperfeiçoamento conseguido ou realizado por exercicio, como se fortalece ou se aperfeiçôa um musculo; mas consiste antes, primeiramente, em uma seleção das respostas mais especialmente adaptadas, dente todas as diffusas e variadas que o nosso organismo suggere e, segundo, na coordenação dessas respostas de geito que as torne adequadas ao resultado almejado.
Essa theoria do treino das faculdades mentaes coloca-nos em face do velho problema da transferencia de treino na educação.
A theoria é baseda na supposta possibilidade de transferencia de treino e dahi toda sua predilecção por educação geral, por educação cultural e classica e todas essas desastrosas concepções de preeminencia de cultura sobre pratica e profissão.
Todo exercicio educativo que provê a um ajustamento específico é um exercício de resultados limitados. Quanto mais esecializada fôr a adaptação, menos transferivel é a habilidade adquirida.
Pela theoria da disciplina formal, o alumno que apprende orthographia, adquire além da habilidade orthographica, um augmento do seu poder de observação, attenção e memória que pode ser empregado onde quer que taes poderes sejam requeridos.
Mas, de facto, quanto mais elle se confine na sua lição de orthographia, quando mais se limite elle á observação da forma das palavras independentes de outras connexões, tanto mais provavel é que adquira exclusivamente uma habilidade orthographica que não pode ser transferida para nenhuma outra cousa.
Elle pode alargar, generalizar o seu exercicio orthographico, estudando ao mesmo tempo o sentido das palavras. Então a serie de estimulos recebidos será muito maior, a seleção e coordenação das respostas do seu organismo muito mais vasta e as habilidades adquiridas, de diversa ordem. Não, porém, porque houvesse transferencia de treino mas, porque o exercicio foi menos confinado e menos limitado.
O erro fundamental dessa theoria consiste em uma distincção arbitraria entre actividade e capacidade e os seus respectivos objectos. Não existe capacidade de vêr, ou de ouvir, ou de lembrar, em geral, mas capacidade de ver, ouvir e lembrar alguma cousa.
Fallar de treino de faculdade mental ou physica independe do objecto para que se treine, é absurdo. Nesse sentido todo treino ou educação é específica.
Educação geral tem sentido, somente, si por isso comprehendemos uma ampliação, uma socialização do nosso exercicio, como no caso de nossa illustração com o exercicio orthographico.
Os nossos poderes de observação, memoria, julgamento, gôsto esthetico, etc., representam somente resultados organizados consequentes dos variados exercicios a que submetemos os nossos isntinctos nativos com certos objectos. A escolha desses objectos pode permitir-nos actividades largas e flexiveis, com vasto campo para variadas coordenações dos nossos movimentos e então podemos dizer que recebemos educação geral. Fóra dahi, toda idea de educação como um treino subjectivo, cujo resultado seja applicavel de modo geral ás nossas futuras necessidades, é mythologica e erronea.
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