Continuando a nossa discussão, devemos estudar as condições que tornam possivel esse progressivo movimento de participação do individuo em uma vida social mais e mais complexa e suppostamente mais e mais perfeita, movimento a que se chama educação.
   Nesse sentido educação é crescimento. E a primeira condição para crescimento é a immaturidade. Parece uma tautologia.
   Dewey, entretanto, attribue á immaturidade sentido de alguma cousa positiva e não de uma simples ausencia. Immaturidade é a capacidade de desenvolvimento, a capacidade de crescimento. O habito de considerar a criança comparativamente, em relação ao adulto, é que leva á concepção de immaturidade como uma simples privação, e de crescimento, como qualquer cousa que enche o intervallo entre o immaturo e o adulto.
   A gravidade desse erro está em que essa concepção puramente negativa de immaturidade fixa, como ideal e standard, um resultado determinado e estatico. Entretanto, todo adulto resente-se da imputação de já não ter possibilidades de crescimento, de mudança ou de progresso.
   Immaturidade, considerada intrinsecamente, corresponde ao poder de crescer, de desenvolver. E nesse sentido educação é crescimento, crescimento que a criança opera e realiza por si mesma, e que ninguem pode preparar externamente para ella.
   Os caracteristicos da immaturidade são - dependencia e plasticidade. Novamente, parece que apontamos qualidades puramente negativas, quando insistimos em qualquer cousa constructiva e positiva.
   Mas, a dependencia, a absoluta dependencia physica, por exemplo, da criança apresenta um reverso innegavelmente positivo, que é a riqueza e a opulencia de seus dons sociaes. De sorte que sua dependencia depressa se torna uma fecunda inter-dependencia immensamente rica de lições e de aprendizagem.
   A prolongada infancia, a longa e demorada adaptação da criança á vida é, em realidade, um privilégio da sua natureza. Os seis meses que uma criança emprega em coordenar o seu gesto á sua vista, apenas revelam a complexidade e a perfeição de seu organismo e sobretudo a permanencia daquella plasticidade a que nos referimos e que é a capacidade de apprender.
   Podemos definir plasticidade como a capacidade de reter de uma experiencia alguma cousa que auxilie a luctar com difficuldades novas, tornando-se assim, praticamente, indefinido o poder de apprender.
   E esse poder de apprender é o poder de adquirir habitos.
   Habito é, antes de tudo uma habilidade de execução, um commando das condições naturaes do meio para certos determinados resultados.
   Educação é muitas vezes definida como a formação dos habitos que ajustam o individuo ao seu meio.
   Mas esse ajustamento e adaptação não é qualquer cousa passiva, mas, antes, eminentemente activa.
   Não somente se podem adaptar as nossas actividades ao meio, mas se adapta o meio ás nossas actividades.
   Habito, no sentido eductivo, não é o habito rigido ou fixo ou rotineiro. Habito significa facilidade, economia, efficiencia de acção, e ainda uma disposição intellectual a mudar, a progredir, a desenvolver.
   E isto é que communica ao habito a sua flexibilidade, o seu uso variado e extenso e o seu permanente poder de reajustamento.
   O habito fixo ou rigido é o habito que nos possue e não aquelle que nós possuimos. Dahi a sua identificação com maus habitos, que são habitos mechanicos e immutaveis, exactamente por que nossa intelligencia se acha desligada delles.
   Não ha duvida que ha uma tendencia de certo modo organica para diminuir essa nossa capacidade de mudar, de constantemente renovar os nossos habitos.
   Somente um ambiente que assegure o pleno e largo uso da intelligencia na formação dos nossos habitos, pode contrabalançar tal tendencia. Nunca estreitar ou fechar o horizonte do educando com methodos que procurem assegurar efficiencia de habito ou habilidade executiva sem o acompanhamento de efficiencia e habilidade de pensamento, é o processo de manter uma plasticidade constante e uma constante capacidade de progresso.
   Desta sorte, a capacidade de desenvolvimento, de crescimento, isto é, de educação pode ser indefinidamente mantida.
   Dahi a conclusão de que o processo educativo não tem fim alem de si mesmo, mas é o seu proprio fim; o processo de educação é o processo de continua transformação, reconstrução e reajustamento do homem ao seu ambiente social movel e progressivo.
   Desenvolvimento, quando considerado comparativamente, envolve a idéa de uma marcha para um resultado fixo.
   Mas, não é esse o último ponto de vista. Crianças e adultos têm poderes e forças especificas. A criança normal, como o adulto normal, estão ambos empenhados em desenvolvimento, em crescimento, em educação. A differença está entre modos de desenvolvimento. Como observa, com felicidade, Dewey, a criança deve crescer em virilidade, no ponto de vista do desenvolvimento das forças com que ella vae manejar os problemas scientificos e economicos da vida; e o homem deve crescer em infantilidade no ponto de vista de uma mais sympathica e mais fresca curiosidade, mais larga e aberta intelligencia e mais despreconcebida sensibilidade.
   A noção meramente privativa de immaturidade, a noção de educação como o ajustamento estatico a um ambiente fixo ou a noção de habito rigido e immutavel, todas ellas se filiam ao falso conceito de desenvolvimento e crescimento, como movimento para o alvo adulto fixo.
   Os equilaventes educativos dessas idéas são:
   a) não se levar em devida conta as tendencias e forças instinctivas ou nativas das crianças;
   b) não desenvolver a iniciativa para o trato de constantes situações novas;
   c) indevida saliencia em exercicio e outras praticas escolares que asseguram habilidade automatica á custa de uma percepção mais pessoal e mais rica das cousas.
   Em todos esses casos o meio adulto é considerado o standard a que a criança deve ser elevada. Conformidade, uniformidade, deprezo das fortes qualidades individuaes caracterizam essa educação, cujos processos são mechanicos, por isso mesmo que o criterio do desenvolvimento é posto fora do individuo e fora do seu processo individual de crescimento.
   Na realidade, desenvolvimento não está relacionado com o estado do adulto, porem com mais desenvolvimento e educação, com mais educação. Educar consiste em assegurar a continuação da educação por meio da organização das forças que garantem um permanente desenvolvimento individual. O habito de apprender da propria vida e de fazer com que as condições da vida sejam taes que todos apprendam do processo de viver, é o mais alto producto da escola.


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