As considerações que nos vêm occupando sobre a natureza do methodo se completam com o estudo da natureza do objecto do ensino: a materia. Em principio, a materia do ensino consiste nos factos observados, recordados lidos e nas idéas colhidas no curso do desenvolvimento das experiências do individuo. Todo o material da institucção escolar contido nos programmas e nos cursos de estudo deve, em ultima analyse, representar, tão somente, a systematização daquelles factos e idéas reputados uteis ou necessarios para promover a participação da criança na sociedade. Si recordarmos os pontos iniciaes da doutrina de Dewey, percebemos mais facilmente essa asserção.
   O trabalho, como vimos, se processa atravez de um meio ou ambiente adequado ao desenvolvimento do discipulo. Esse meio é, em grande parte, o proprio ambiente social. Nos grupos de primitiva civilização toda a educação é fornecida por esse unico meio. O material da instrucção é, nesses casos, communicado á criança na propria matriz social, em seu pleno sentido. Quando o grupo social se desenvolve em riqueza e em complexidade de conhecimentos e relações, surge a necessidade da agencia especial educativa, - a escola; o material da instrucção, isto é, o stock de ideas e de resultados das previas experiencias da vida social, soffre uma indispensavel systematização para o fim de servir mais adequadamente aos fins escolares.
   Essa systematização, porem, assumiu um tão alto gráo de organização formal, em nossos dias, que se tornou quasi imperceptivel o laço que liga o material de estudo ao habitos, ideaes e sentimentos da sociedade. A materia de estudo parece, assim, qualquer cousa isolada que tem de ser assimilada, independentemente dos seus valores sociaes.
   Dewey procura avivar essa conexão perdida de vista e mostrar em detalhe, o conteúdo e a funcção social dos principaes elementos do curso de estudos.
   Para isto, em primeiro logar, distingue os pontos de vista do educador e do discipulo em relação ao material de ensino. Para o primeiro, tem immediata utilidade a materia systematizada, coordenada e formulada em sua final disposição scientifica. São standards que o guiam e dirigem e lhe evitam esforços inuteis ou desordenados. Quanto mais consimmado fôr o seu conhecimento dessa materia, mais facil, mais intelligente será a sia acção educativa.
   Para o alumno, porem, a materia na adulta organização logica e scientifica não representa o seu actual material de experiencias. Representa, apenas, o seu alvo, a sua promettida conquista. A materia de ensino para a criança é concreta, parcial, limitada e coordenada atravez de suas actuaes occupações. O problema do professor é guiar essas occupações e essas experiencias, num sentido scientifico, de forma que torne possivel, pela criança, a reconstrucção do processo acquisitivo da verdade. Tres passos se podem notar na marcha desse processo:
   1) a criança adquire o saber resultante de sua experiência;
   2) esse saber é enriquecido e aprofundado pela informação recebida do professor e do livro;
   3) o saber consumma-se na sua formulação scientifica.
   No primeiro passo a criança apprende como fazer determinada cousa. Esse saber é completamente apprehendido. Assim ella apprende a andar, a fallar, a lêr, a dirigir a sua bicycleta. É essa a primeira materia do ensino. E é esse o saber que, na philosophia popular, sempre representa habilidade para fazer alguma cousa. Quando o programma ou o curso de estudos falha em reconhecer essa verdade, elle se torna simplesmente qualquer cousa isolada das necessidades e propositos das crianças, preparado para ser tão somente memorizado e reproduzido mechanicamente.
   Com esse contacto com as cousas, então as crianças tambem em contacto com as pessôas. O que ella apprende com sua actividade ropria é completado com o que apprende das pessoas. A esse novo material se pode chamar informação. Essa informação que tem o adulto hoje a transmittir á criança tornou-se tão vasta, tão complexa, que o educador corre o risco de não perceber que o valôr do conhecimento que elle transmitte está estrictamente em relação com as questões e os problemas do alumno. O saber de segunda mão deve ser apenas o complemento do saber originario e pessoalmente adquirido pelo discipulo.
   Por ultimo, o educador deve guiar e orientar o alimno na coordenação do seu conhecimento em formula scientifica.
   Sciencia consiste nas applicações e methodos especiaes que o homem lentamente organizou para levar a reflexão, o raciocinio e as suas conquistas a altos processos de rigôr e verificação. É indispensavel armar e apparelhar o alumno com esse espirito de sciencia que o habilita a usar a intelligencia com segurança e efficiencia.
   Mas, si essa é a parte da organização intellectual da materia do ensino, outra não menos importante na doutrina americana de educação, é a sua parte social. Todo o curso de estudos deve estar dominado pela idéia de que, em ultima analyse, elle se destina a detalhar o processo por meio do qual a criança virá a participar plenamente e efficientemente na presente vida social.
   E não só a isto, mas a apparelhal-a a ser, possivelmente, um factor para o seu progresso e seu aperfeiçoamento.
   A socialização do programma e do curso de estudos constitue hoje um problema em que os educadores americanos estão intensivamente empenhados. Discutiremos em outro capitulo essa reorganização do curriculum escolar para adaptal-o ás presentes condições sociaes.
   A educação, na América, ganhou um novo sentido humano atravez dessa concepção social. O antigo dualismo de educação utilitaria para as massas e de humanidades para uma classe, especial e refinada, já não existe. Toda educação deve ser humana, isto é, deve prover aos problemas geraes da vida collectiva e desenvolver, atravez da observação, informação e estudo, um intelligente e generoso interesse social.


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