Mas, por que modo podemos organizar e controlar essa especial e formal agencia de educação que se tornou imprescindivel criar?
   A transmissão de crenças, habitos e maneiras se faz por intermedio da participação na vida do grupo social. Essa participação se processa atravez do meio ou ambiente social. Não se educa sinão atravez do meio. Meio é, porem, mais do que visinhança e arredores. Meio é tudo aquillo que dá continuidade específica á actividade de um individuo. O meio de um antiquario, como diz Dewey, se constitue daquellas cousas remotas e velhas que o apaixonam e atravez das quaes elle varia, elle muda.
   O facto da linguagem e a impressão de que se transmitte por palavras uma idea, é que parece contrariar essa observação de que se não educa sinão atravez do meio.
   Si examinarmos, porem, em detalhe o facto da lingua, vemos que não se dá nenhuma excepção.
   A palavra é uma simples emissão de sons e por si só incapaz de trasmittir outra sinão um ruido especial.
   A palavra ganha sentido quando se completa com a cousa e o seu uso, isto é, com o meio.
   O som chapeu só começa a ter sentido para a criança quando ella comprehende o seu uso e associa aquelle especial objecto com a sua opportunidade de sair e de passeiar.
   É uma illusão julgar que se pode transmittir alguma cousa directamente. É atravez do uso da cousa, atravez do seu sentido, atravez do meio, que se pode agir e que se pode educar. A linguagem constitue um instrumental que abrevia e resume e, às vezes, amplia a experiencia, mas o seu uso só não será esteril, remoto ou artificial quando fôr enriquecido e sustentado pela experiencia, que é o intercurso entre o individuo e o ambiente.
   Assim pois o unico processo do adulto para controlar a educação da infancia é o de controlar o meio. E assim, de facto, elle procede. Uma familia preocupada com a educação dos filhos tem um constante cuidado em offerecer ã criança um meio propicio a um desenvolvimento harmonioso de suas tendencias.
   E a sociedade governa e orienta as suas forças educativas, controlando o ambiente especial de educação, a escola.
   Esta se proõe offerecer à criança um ambiente social que se distingue do ambiente adulto, praticamente inacessivel à infancia, por caracteristicos determinados.
   A escola deve offerecer um ambiente social - simplificado - desde que a complexidade contemporanea é inassimilavel em seu todo pela criança; um ambiente social purificado, isto é, expurgado dos seus máus elementos e especialmente propicio ao desenvolvimento dos aspectos sãos da vida moderna; e por ultimo, um ambiente equilibrado, no sentido de harmonia e amplidão. Uma sociedade moderna é composta dos mais diversos grupos, e em rigor mais heterogenea do que uma nação primitiva. Entregue a si, a criança poderia participar somente de um desses grupos e a sua incomprehensão dos demais facilitaria possiveis conflictos sociaes. A escola deve prover a um meio em que a experiencia infantil se realize no circulo mais amplo possivel, afim de cooperar para um progressivo equilibrio e harmonia sociaes.
   A experiencia que a criança recebe na familia, na rua, na officina, no grupo religioso a que pertence, deve ser coordenada, consolidada e integrada na escola, em um todo harmonioso.
   Educar é, assim, uma funcção social que controla, guia e dirige a actividade infantil. Mas, sendo uma funcção perfeitamente vital e natural, ella se deve exercer em perfeita accordancia com as tendencias das crianças a que apenas offerece as adequadas condições de desenvolvimento e crescimento.
   Por este motivo, Dewey prefere definir a funcção educativa como uma funcção de direcção, mais do que de controle e governo, que de certo modo implicam idéa de coerção. Alguns systemas educativos baseados falsamente no principio de que as tendencias naturaes são egoisticas ou anti-sociaes se subordinam a essa idéa de educação compulsória.
   Mas, educação, pelo contrario, deve significar uma libertação e não uma compulsão. O acto educativo liberta e dirige forças que o individuo possue para o seu adequado exercicio.
   A vida consiste em uma serie de estimulos e reacções, da parte do homem. A limitação de nossas palavras é que nos leva a suppôr que os nossos constantes ajustamentos à vida são constantes reacções ou protestos quando muitas vezes são simples correspondencias. Educar consiste em dirigir essa correspondencia, essa resposta ao estimulo. É guiar a actividade para o seu fim adequado, para o seu correcto resultado. Geralmente o estimulo traz em si uma indeterminada e imprecisa orientação; não somente excita ou provoca, mas encaminha a actividade.
   Assim a luz para os olhos, não somente os estimula mas offerece-lhes as condições para a visão. A educação da vista se faz pela direcção adequada de todos os movimentos musculares e nervosos que a luz provoca para uma visão corecta.
   Os primeiros movimentos são incertos, imprecisos, desordenados. Ha desperdicio de energia e ha imprecisão de alvo.
   Educar é definir, focalizar e coordenar os movimentos para uma resposta justa e apropriada.
   A doutrina de Dewey se coordena e se monta com as verdades velhas que todos conhecemos. O philosopho americano apenas as vê com mais agudeza e exactidão.
   Assim, esclarece-nos elle, essa idéa de direção na funcção educativa é muitas vezes deturpada, porque os homens a julgam mais efficiente quando a exercem expressamente, obtendo um resultado visivel pelo emprego de uma força superior, physica ou moral.
   A ameaça, o castigo, produzindo um resultado immediato, criam a illusão de um esforço educativo efficiente e, o que é peior, às vezes, do único resultado educativo concreto.
   Ora, pelo menos um perigo provem dessa educação coercitiva: o de ser incompleta. Pela ameaça obtemos o resultado desejado, mas vamos, talvez, despertar a idéa de astucia ou fingimento com que a criança frustará os beneficios suppostamente ganhos.
   Cabe aqui uma ligeira explanação que nos levará um pouco mais ao fundo da theoria de Dewey.
   Vimos que educar é a funcção pela qual o individuo vem a participar da plena vida do grupo. E vimos, depois, que o instrumento desse processo educativo é o meio que envolve o educando. Mas ha dois passos nesse processo educacional que, de logo, devemos esclarecer.
   O convivio com os homens é sempre educativo, até para os animaes.Um cão, um cavallo podem ter pela convivencia com o homem, seus habitos instinctivos modificados. O homem obtem isso por uma intelligente modificação do meio. Os motivos do acto do cavallo adextrado são, porem, os mesmos dos não adextrados. Evitar uma pena, ganhar a ração fresca de capim, são os moveis de sua habilidade modificada e educada. Elle não participa do sentido do seu novo acto.
   A essa educação obtida por motivos puramente externos, chama Dewey treino. A verdadeira educação se processa com o segundo passo, quando o educando não somente apprende uma nova cousa, mas a comprehende e participa do seu sentido social.
   Então, a pratica desse novo acto lhe trará prazer ou pena, conforme seja bem succedido ou mal succedido em sua nova experiencia.
   Educar, pois, importa em dirigir o educando, com o seu pleno assentimento e a sua plena participação mental, para o exercício adequado de suas proprias tendencias e actividades.
   Apparece-nos, ahi, claro o erro de toda educação compulsoria seja ella de que ordem fôr, e a nossa illusão em julgar que só educamos quando procedemos expressamente, por um expresso exercicio, para esse fim.
   Pelo contrario, o meio mais importante e mais permanente de educação e de governo da actividade da criança consiste no modo por que as pessôas com que ella está associada, se utilizam das cousas para os seus indefinidos e diversos intentos.
   Essa permanente associação em communs emprehendimentos quotidianos, envolvendo o uso das cousas como meios e medidas para resultados, constitue a estrada real para a formação de conhecimentos e disposições, para a educação.
   Certa concepção abstracta nos ensina que a formação de nossas idéias se opera por um processo de impressão na mente das differentes qualidades das cousas. Depois, por um mysterioso poder de synthese mental, reunimos essas diversas impressões sensoriaes em uma idéa, isto é, em cousas com sentido. Mas, de facto, diz Dewey, o uso característico da alludida cousa, o uso justificado pelas suas qualidades especificas, é que nos fornece o especial significado com que a identificamos.
   Ter idéa de uma cousa consiste em estar habilitado a responder à referida cousa em vista de sua posição em um schema de acção; consiste em prevêr o alcance e a provavel consequencia da cousa sobre nós e da nossa acção sobre ella.
   Somente quando nos habituamos ao uso commum das cousas, quando lhe damos o mesmo sentido commum, quando estamos habilitados a participar na actividade social com uma identica intelligencia, é que estamos sendo socialmente dirigidos ou socialmente educados.
   Educação não pode provir, nem do simples contacto com as cousas, nem do simples contacto com as pessôas, mas de uma participação nas actividades communs, participação que nos faz comprehender cousas, acontecimentos e actos à luz do seu actual sentido social.
   A educação formal ou propriamente dita é fornecida, como vimos, num ambiente especial, onde se collocam os materiaes especiaes e se utilizam os methodos especiaes que melhor podem promover os resultados educativos. Por isso mesmo que essas agencias especiaes de educação se formaram quando grande parte da secular experiencia da humanidade se achava escripta, a linguagem tornou-se o material fundamental dessa educação escolar.
   O relevo que imprescindivelmente se tem que dar a esse instrumento de educação que é a linguagem, é uma fonte de varios perigos. Por mais que saibamos que educação não é uma questão de dizer e ouvir, mas um processo activo e constructivo, as escolas estão, a toda hora, violando esse principio.
   O unico recurso de fugir a esse communissimo escolho educacional está em buscar repetir na escola as condições de fóra-da-escola.
   As crianças vão para a escola apprender, diz Dewey, mas ainda está por se provar que o acto de apprender se realiza mais adequadamente quando é transformado em uma occupação distincta e especial. Toda vez que este modo de agir tende a tornar abstracto e remoto o exercicio e a impedir o sentido social que provem da participação em uma actividade decommum interesse e valôr, - o esforço para o acto de conhecimento intellectual isolado, contradiz o seu proprio fim, - não é educativo.


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