Considerações biográficas

   Qualquer ser humano tem sempre as mesmas características inerentes à sua espécie, apresentando normalmente uma similitude de evolução e desenvolvimento vital banstante comum. Nesse aspecto há uma semelhança de trajetória e de passos a serem seguidos que a história sempre segue e repete inexoravelmente: a pessoa nasce, alimenta-se, cresce, desenvolve-se, produz, reporduz-se, envelhece e morre. A todas estas fases, acrescente-se ainda a atividade pensante, presente a todas elas e sendo característica diferenciadora do ser.
Há homens, entretanto, que, mesmo passando pelas mesmas fases na existência, deixam marcas tão fortes da sua vida e da sua ação que continuam a merecer espaço e consideração na memória dos seus pósteros, sendo lembrados com respeito e admiração, mercê da força da sua personalidade, do brilho do seu talento e do valor inequívoco do seu trabalho. Entre estes, que a história brasileira recente nos traz à mente e reverencia, principalmente quando se faz uma incursão pelo universo da educação, está certamente Anísio Spínola Teixeira, que tantos títulos e adjetivos mereceu e recebeu em vida e após a sua morte, mas que pode ser lembrado por aquele tótulo que sintetiza todos os outros e que dá a dimensão humana e social do seu trabalho em prol do homem brasileiro: educador.
   O estudo sobre Anísio Teixeira pode ser iniciado pelos seus aspectos mais simples, elementares e óbvios, a partir da apresentação pessoal através de algumas considerações biográficas. No primeiro momento, pois, apresentar-se-ão dados sobre sua infância, juventude e escolaridade.

Infância e Juventude

   Anísio Spínola Teixeira é baiano, tendo nascido na cidade de Caitité a 12 de julho de 1900, sendo filho de Deocleciano Pires Teixeira e Ana Spínola Teixeira. As famílias Spínola e Teixeira eram latifundiárias e, além de detentoras de grandes extensões de terra, eram senhores de poder e prestígio na região. Mestre Afrânio Coutinho, ao relembrar a origem familiar nordestina de Anísio, em discurso proferido cinco dias após sua morte, afirma que, "Anísio veio do pleno sertão. Seu pai era um varão austero de grande envergadura moral, um chefe respeitado em sua Caitité, pai de grande prole. Anísio herdou-lhe a rijeza de caráter e a bravura mental".1
   Aos sete anos iniciou os seus estudos na própria cidade natal, sob a orientação dos padres jesuítas no Colégio São Luís. Em 1914, transfere-se para Salvador, capital do Estado, a fim de concluir os estudos secundários no Colégio Antônio Vieira, também dirigido por padres da Companhia de Jesus.
   Anísio era então um garoto simples do interior, recém-chegado à cidade grande, admirando-se com as novidades que se lhe afiguravam fantásticas compondo um número extraordinário à sua imaginação, a ponto de, segundo se conta, ter tomado um grande susto ao ouvir pela primeira vez o apito de uma locomotiva e correr embrenhando-se apavorado pelo mato a dentro, imaginando que sua visão era um monstro que vomitava fogo. Era um menino de comportamento pueril, mas de uma inteligência admirável e de uma capacidade de estudo reconhecida por todos os seus comtemporâneos, conseguindo conquistar todas as medalhas que àquela época eram ofertadas aos alunos que mais brilhantemente se destacavam nas atividades escolares. Observe-se que, na sociedade de então, esse destaque estudantil era muito valorizado e, por isso mesmo, muito disputado, o que dava um caráter de competição e legitimidade à sua conquista.
   Em sua infância e juventude foi muito importante e decisiva a influência dos sacerdotes jesuítas, seus primeiros educadores, principalmente a exercida pelo padre Luís Gonzaga Cabral, o famoso Padre Cabral que serviu de orientador a toda uma geração de intelectuais baianos, servindo-lhes de guia e mestre.
   Este jesuíta tomou Anísio sob seus cuidados desde a sua chegada à capital da Bahia, e através de sua orientação, acompanhamento e estimulação, Anísio desenvolveu o seu potencial não só intelectual, mas burilou também o seu espírito através de formação afetiva, moral e cristã, que depois pautaria toda a sua trajetória de homem íntegro, que lhe conquistou a elevada consideração de que sempre gozou entre os que o conheceram e com ele conviveram. Segundo depoimento de Junqueira Ayres, o próprio Padre Cabral, que viveu 22 anos no Brasil e testemunhou o desabrochar do seu discípulo, afirmaria depois a seus alunos em aula "que muitos haviam sido os sacrifícios para os jesuítas retornarem ao Brasil, mas considerava-os todos pagos pelo fato de haverem encontrado no Brasil um Anísio Teixeira".2
   Data desta fase o ardor apostólico que no primeiro momento manifestou-se na tendência para a vida religiosa. Cogitou seriamente em ingressar no Seminário da Companhia de Jesus e ordenar-se padre jesuíta. Preparava-se para isto. Mas, se a ordenação não chegou a acontecer, a formação intelectual, moral e religiosa já fincara raízes e, encontrando terra fértil, produzia seus frutos através da repercussão em todos os atos da sua vida pública e particular. Este aspecto de influência da educação religiosa é digno de nota, porque apesar de na idade adulta Anísio ser visto como ateu, o seu comportamento sempre foi coerente com a doutrina social cristã e com o respeito a um Ser Supremo. O que parece ter acontecido é um abandono das formas externas de manifestação religiosa. No íntimo, o cristão da adolescência perdurava e pautava o seu modo de ser.
   Iniciou os seus estudos superiores na Faculdade de Direito da Bahia, tendo aí granjeado a admiração dos seus colegas e professores. Entre estes, cita-se o professor Guerreiro de Castro, poderoso catedrático de Direito Público e Constitucional, cuja fama de severidade e rigor no julgamento dos seus alunos não o impediu de reconhecer e elogiar o desmpenho do seu jovem discípulo. Viajou então para o Rio de Janeiro, onde bacharelou-se com brilhantismo pela antiga Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais em 1922.
   Terminado o Curso de Direito, assumiu, ainda muito jovem, atividades profissionais que foram o início de uma laboriosa ação em prol da educação neste País.

Vida Adulta

   Bacharelando-se, a expectativa era de que voltasse ao seu Estado Natal e assumisse a promotoria de alguma comarca baiana. Mas, a clarividência de Goes Calmon, governador da Bahia, levou-o a nomeá-lo para o cargo de Inspetor Geral de Ensino no seu Estado. Foi este o início de sua vida pública e educacional. Cabe, assim, a Francisco Marques de Goes Calmon o mérito pela descoberta da aptidão de Anísio para educador e a responsabilidade pela mudança do seu rumo profissional, ao lhe confiar esta função que tinha o pomposo título de "Inspetor Geral de Ensino da Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública", que exerceu de 1924 a 1929. Anísio Teixeira passou assim do Direito para Educação. A este respeito, invoca-se ainda o testemunho de Junqueira Ayres que faz a seguinte afirmação: "Goes Calmon, 'professor de governo', como chamou o próprio Anísio, dera ao Brasil a figura que faltava à galeria dos seus estadistas: a do estadista educador".3
   É no exercício deste cargo, cuja denominação foi modificada a partir de 1925 para Diretor Geral da Instrução (Pública), que ele desenvolve o importante projeto de reforma educacional baiana, o qual se inscreve entre as grandes reformas estaduais de ensino ocorridas na década de 20, como a do Ceará, feita por Lourenço Filho, e que funcionaram como forças impulsoras de todo movimento de renovação educacional ocorrido no País logo a seguir.
   Ainda no exercício desta função, Anísio Teixeira viajou em 1927 aos Estados Unidos da América para observar e analisar a organização educacional naquele país. Logo após seu retorno, publica um trabalho estilo relatório sobre o assunto, a que intitula: "Aspectos Americanos da Educação".
   Em 1928, volta à América para freqüentar um curso de dez meses no Teachers College (Escola de Professores) da Universidade de Colúmbia, em New York, onde se gradua como "Master of Arts", com especialização em Educação. Foi nesta época que se aproximou, entre outros, de dois grandes educadores americanos que muito influenciaram as idéias educacionais no mundo na primeira metade do século XX: John Dewey4 e William Heard Kilpatrick5. Principalmente com o primeiro, a integração foi bastante significativa, tendo Anísio se tornado discípulo e amigo de Dewey e o propagador da sua obra e ideologia no Brasil.
   Em 1931 transfere-se para o Rio de Janeiro como funcionário do Ministério da Educação e Saúde, que fora criado no ano anterior, e participa da Comissão que tinha a tarefa de elaborar estudos sobre a reorganização do ensino secundário no Brasil. Pouco tempo depois é indicado para o cargo de Diretor-Geral do Departamento de Educação do Distrito Federal,6 exercendo-o até 1935.
   A 7 de maio de 1932, contrai matrimônio com Dona Emília Telles Ferreira, na cidade de Salvador-Bahia. Neste mesmo ano, publica o livro Educação progressiva - uma introdução à filosofia da educação.
   Dois anos depois, publica outra obra: Em marcha para democracia. Assume em 1934 o cargo de Secretário-Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal, e a sua ação então repercutiu muito, pois iniciou um conjunto de medidas organizacionais no sentido de dar uma estrutura ao ensino nos vários níveis, desde a escola primária aos estudos superiores. A este respeito Fernando de Azevedo afirma que Anísio "empreendeu de 1932 a 1935 uma série de reformas e iniciativas com que imprimiu um novo impulso ao sistema escolar do Distrito Federal, e que lhe deu, por um conjunto de medidas, uma latitude de ação que não lograra até então pelas reformas anteriores".7
   Em 1935 cria a Universidade do Distrito Federal, que se constituía das seguintes escolas: Faculdade de Filosofia e Letras, Faculdade de Ciências, ade Economia Política e de Direito, o Instituto de Artes e a Escola de Educação. Anísio foi o seu fundador e maior defensor, porém não assumiu a sua direção pois considerou mais oportuno e proveitoso a indicação de um outro nome de maior peso político para a reitoria, como nos afirma Chacon: "O grande animador da Universidade do Distrito Federal foi Anísio Teixeira, que convidou para Reitor o nome mais prestigioso de Afrânio Peixoto."8 Assumiu, porém, o cargo de Reitor na ausência do titular.
   Em 1936, apresenta ao público mais um livro, com o título Educação para a democracia - introdução à administração de um sistema escolar.
   O período que vai de 1936 a 1945, que corresponde historicamente à implantação do Estado Novo, representa uma fase difícil para o educador Anísio Teixeira. Sua ideologia e vivência democrática e democratizante assustam a cúpula do poder ditatorial que dominava a nação brasileira e ele vê-se obrigado a afastar-se das atividades administrativas e educacionais, passando à iniciativa privada, dedicando-se à vida empresarial no campo de exportação de manganês, na Bahia.
   Viaja a Londres em 1946, onde, a convite de Julian Huxley, exerce a função de Conselheiro para o Ensino Supeior da UNESCO, até 1947.
   Voltando à Bahia, recebe convite do Governador Otávio Mangabeira e assume a Secretaria e Saúde do Estado da Bahia, de 1947 a 1951, voltando ao cenário educacional do Brasil. Consegue então organizar os conselhos municipais de educação e funda o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que surgiu como alternativa inédita, objetivando oferecer aos jovens uma educação integral, e que posteriormente serviu de modelo educacional implantado em Brasília, o novo Distrito Federal.
   Recebe em 1950 o título de Oficial da Legião de Honra da França. É mais um reconhecimento na área internacional do valor deste educador brasileiro.
   Em 1951 retorna à ação no plano federal, assumindo o cargo de Secretário-Geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES), até 1964, onde impulsionou os cursos a nível de pós-graduação. Recebe também a direção do INEP - Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos9, de 1952 a 1964, incutindo-lhe dinamização e orientando-o para a pesquisa. Cria o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, subordinado ao INEP, e passa a enfatizar os valores regionais, desdobrando-o em Centros Regionais como os de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco. Foi importante que estes dois órgãos tenham ficado simultaneamente sob a direção de Anísio Teixeira, pois facilitou grandemente a articulação das ações, que se apresentaram de modo integrado num sistema de intercomplementaridade e conjugação, beneficiando a pesquisa educacional. Até mesmo no exterior este trabalho repercute, como no caso da criação da Casa Brasil na Cidade Universitária de Paris, em 1959, que contou com a colaboração decisiva do INEP.
   Em 1956 lança outro livro: A educação e a crise brasileira. Neste ano participa de vários eventos educacionais no País e no exterior, entre os quais se destaca: Conferência Regional sobre Educação Primária Gratuita e Obrigatória na América Latina; 2ª Reunião Interamericana de Ministros da Educação, em Lima, no Peru; 12ª Conferência Nacional de Educação, em Salvador, Bahia; 1ª Conferência de Pesquisa Educacional, realizada nos Estados Unidos, por iniciativa da UNESCO, e 1º Congresso Estadual de Educação Primária, em Ribeirão Preto, São Paulo. Neste último, proferiu a conferência A Escola Pública, Universal e Gratuita, um dos seus trabalhos mais brilhantes, e que se encontra resenhada e comentada na quarta parte deste estudo.
   No ano seguinte publica a obra Educação não é privilégio, e passa a lecionar Administração Escolar e Educação Comparada na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.
   Viaja aos Estados Unidos em 1958 para compor uma equipe de peritos em assuntos educacionais, formada para fazer uma análise crítica do programa de Educação da União Pan-Americana, a convite do SecretárioGeral da OEA.
Nos anos seguintes amplia o seu raio de influência na educação em outros países, principalemente a nível de ensino superior. Em 1969 visita vários países, contactando com universidades do Chile, Peru, Argentina, Colômbia e Estados Unidos. Em 1960 participa de reuniões internacionais como as da Associação Internacional de Universidades em Paris; Conferência sobre o Progresso da Ciência nos Novos Estados, em Israel; Conselho de Educação Superior das Repúblicas Americanas no Chile; Comitê dos Nove da Organização Pan-Americana, responsável pelo programa de formação de técnicos na América Latina. Em 1961, comparece à Reunião do Conselho de Educação Superior nas Repúblicas Americanas na Colômbia. Compõe, no Líbano, a Comissão de Peritos para o Estudo Internacional da Admissão à Universidade, é um dos membros do Comitê Internacional para o desenvolvimento da Educação de Adultos, em Paris, e se faz presente à Reunião Anual do Conselho de Educação Superior nas Repúblicas Americanas, nos Estados Unidos.
   A partir de 1962, integra como membro o Conselho Federal de Educação e, ainda neste ano, a Universidade da Bahia lhe confere o título de "Doutor Honoris Causa".
   Em 1963 e 1964 é convidado para ministrar cursos na Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos. Pelo seu brilhante desempenho e como reconhecimento pela sua obra de educador, foi homenageado com a outorga da "Medalha de Honra por Serviços Relevantes" do Teachers College desta Universidade. Também ministrou cursos na Universidade da Califórnia, Estados Unidos, na qualidade de professor visitante.
   Em 1963 é nomeado Reitor da Universidade de Brasília, de cuja criação participou juntamente com Darcy Ribeiro e outros, e nesta função permanece até 1964. Mais uma vez a alteração da vida política nacional interfere na atuação deste batalhador da democracia: o poder militar implantado no País em 1964 consegue afastá-lo da administração da UnB, e confirma a idéia de que os democratas não são figuras gratas nos regimes de exceção.
   Retorna em 1965 à Universidade da Califórnia para novo período como professor visitante.
   A partir de 1966 presta serviços como Consultor para Assuntos Educacionais da Fundação Getúlio Vargas e da Companhia Editora Nacional, atividades que exerce até o fim da vida.
   Lança, em 1967, mais dois livros: Pequena introdução à filosofia da educação e Educação é um direito; e no ano de 1969 publica os seus dois últimos trabalhos: Educação e o mundo moderno e Educação no Brasil.
   A Universidade do Rio de Janeiro lhe confere a última grande homenagem em vida, agraciando-o em 1970 com o título de Professor Emérito.
   Anísio faleceu aos setenta anos, em circunstâncias pouco esclarecidas, no fosso de um elevador num prédio do Rio de Janeiro. Estava em pleno vigor e capacidade de trabalho, produzindo, incentivando e indicando rumos para a solução dos problemas educacionais. Sua morte foi chocante não apenas pela forma enexplicável e brutal, mas por retirar do cenário desta nação um filho que tão decididamente contribuíra para o engrandecimento do seu povo, como também por interromper uma inteligência que muito ainda prometia e de que tanto o Brasil precisava.
   Estava às vésperas de entrar para a Academia Brasileira de Letras como candidato favorito dos imortais. Segundo Josué Montello, "a escolha já estava feita. A eleição apenas ratificaria".10 A imortalidade e a glória de entrar para a Casa de Machado de Assis seria o reconhecimento maior da ação e da obra deixada por este homem.
   Por toda esta brilhante trajetória de vida é que se pode afirmar que a 11 de março de 1971 faleceu aquele que, por todos os méritos, pode ser considerado o grande democrata da educação brasileira.

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Sumário