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COLUMBIA UNIVERSITY
Jefferson foi, em nossos tempos, o fundador inicial da fé democrática. John Dewey é o seu consolidador para os difíceis tempos de hoje.
ANÍSIO TEIXEIRA
Vencidas as revoluções de 1922 e 1924, o País continuara insatisfeito e inquieto. De volta da Bolívia, onde se internara por algum tempo, a Coluna Prestes cruzava o interior do Brasil com a sua marcha e as suas lendas, quando, inesperadamente, indo a Caetité nos fins de maio de 1925, Anísio encontrou os revolucionários. Era um período de chuvas, e as águas alegravam o coração sertanejo. "Pequenos ribeirões, descreveu ele em conferências no Instituto Histórico da Bahia, ganhavam vulto inesperado, lagoas ressurgiram do solo imprevistas, estradas ontem transitáveis desfaziam-se em tremedais terríveis, enfim, todo um ímpeto efêmero da natureza imprimia ao cenário essa fisionomia transitória de forças em ensaio. Tudo isto, porém, emprestava ao panorama uma sedução quase dramática." E concluía embevecido: "Tinha-se a impressão de uma terra em festa."
Mas, contrastando com a festiva paisagem, mal ele pousara em Caetité noticiou-se a aproximação dos rebeldes. Trouxera a inquietante nova um vendedor ambulante, vindo de Livramento, distante 18 léguas. Anísio narrou as horas que se seguiram: "Foi o sinal de alarme e de pânico. Por toda a noite, a população, em grande sobressalto, abalou desenganadamente para fora da cidade. Admiravelmente identificadas com a caatinga, quando clareou o dia quatro mil pessoas haviam desaparecido não se sabia para onde... Carros de boi surgiam, como por encanto, nas ruas, mas para assumirem proporções de veículos de luxo, que poucos poderiam pagar. A debanda se fazia a pé, pela noite adentro, debaixo da inclemência de um inverno sem precedente que ainda perdurava. As poucas famílias que tentaram conservar-se na cidade retiravam-se um dia depois, pela falta absoluta de subsistência no perímetro urbano. Toda a vida se paralisara." Durou dias a dramática expectativa. Depois, Prestes passou ao lado da cidade, acompanhando a linha divisória das águas, para atravessar com segurança pelas cabeceiras dos rios. "O sertão vivia uma página da Idade Média, diria. A sua organização social e legal precária sofria o abalo profundo e desorientador que costumava afligir a sociedade medieval quando as guerrilhas entre senhores a assolavam. Apenas o contato rubro com o exército foi ainda mais terrível." Involuntariamente, o educador testemunhara um episódio da história das revoluções. De fato, um mundo medieval...
As notícias desagradáveis não conhecem distância: Caetité se enchera dos rumores da próxima iniciação de Anísio na Companhia de Jesus. Coincidentemente, em junho de 1925, obtido o apoio do Governador Góes Calmon, ele acompanhou D. Augusto, que partia para as comemorações, em Roma, do Ano Santo. Viagem de recreio e estudo, dizia. Contudo, à boca pequena continuara a falar-se sobre a Companhia de Jesus, e a versão tanto inquietou Caetité que o Governador Góes Calmon mandou ao velho Deocleciano palavras tranqüilizadoras, informando-o que "o nosso Anísio vai viajar hoje com destino à Europa por conselho meu e era mui necessário e conveniente completar a capacidade que tem revelado e de que o meu mestre e amigo deve ufanar-se". Voltaria em três meses para "continuar ainda com mais brilho". É grande, porém, a força dos boatos, e dificilmente acreditariam na viagem como de passeio e estudos. Sabia-o o próprio Anísio que, na comunicação ao pai, acrescentou uma palavra para a mãe, inconformada ante a hipótese de perder o filho: "Não consinta mamãe alimente receios infundados." E, como se nada bastasse, um dos irmãos de Anísio, Oscar, foi mais explícito em telegrama ao pai: "Asseguro infundado qualquer receio. Cabral desconheceu viagem sugerida e instada unicamente Dr. Calmon, inspirado grande estima Anísio que não admite siga ele vida religiosa."
Apegado à mãe, desejoso de não a afligir, Anísio escreveu-lhe sobre a viagem. A carta: "Seguirei pelo Sierra Morena até Bilbao (Espanha), depois a Lourdes, Paris, Roma... Palestina e voltarei depois a Paris para retornar à Bahia em outubro. É um passeio e um pouco de estudo... Para a sossegar, repito-lhe e dou a minha palavra que vou a passeio e aqui voltarei breve. Por amor de Deus não vá encher o coração de sobressaltos." Exorcizava os fantasmas.
Embora sem apagar as interrogações provocadas pela viagem, o peregrino partiu para o Ano Santo, em busca dos caminhos de Deus. Seguiu diretamente para a Espanha, onde, em Manresa, orou no Santuário de Santo Inácio. Depois, hóspede do Colégio Pio Latino-Americano, honraria concedida a poucos, receberão Pio XI levado por D. Augusto. Em Paris, abrigara-se num convento, testemunho de estar mais voltado para Deus do que para o mundo. Por fim, Anísio voltou como partira, sonhando com o hábito da Companhia de Jesus.
Preocupado em tranqüilizar o coração materno, Anísio, ao aproximar-se da Bahia, ainda de bordo, voltou a escrever à mãe: "Creio que agora lhe passarão todos os receios. Escrevo a dois dias da Bahia, com uma viagem de mar tão magnífica quanto a minha estada na Europa."
A viagem à Europa foi um intervalo. Anísio continuava convicto que somente Roma salvaria a civilização ocidental. Ao retornar à Bahia concedeu entrevista ao jornal A Tarde, em 30 de novembro de 1925. Era franco, nítido, como costumava ser - não escondendo o entusiasmo pelas idéias da Action Française, de Maurras. Admirava o "fascio", que despontava na Itália, e o "faiceau", réplica francesa de Mussolini. Seria o caminho do mundo, liberto das velhas idéias da Revolução Francesa, para reencontrar-se com as verdades eternas, cujas bases eram os princípios da Igreja Católica. Seria a reconquista das "verdades essenciais", que, imprescindíveis para a vida de toda e qualquer sociedade, "de autoridade, de ordem, de equilíbrio e de hierarquia, se prendem indissoluvelmente, dizia, às verdades religiosas e às verdades católicas, e acolhem a lgreja como a mais benéfica das forças sociais". Não afastava sequer a idéia monárquica de Maurras.
Em abril de 1927, comissionado pelo Governo da Bahia para observar a vida educacional nos Estados Unidos, Anísio conheceu o mundo que lhe mudou as convicções. Em entrevista a Odorico Tavares, em 1952, ele diria com simplicidade: "Um incidente, porém, frustrou a minha aventura religiosa..." O incidente fora a protelação por um ano, após a formatura, do ingresso no noviciado, conseqüência da oposição dos pais, e também da prudência dos padres, inclinados a que lhe amadurecesse a vocação. lnterregno durante o qual lhe chegara o convite para a Diretoria Geral da Instrução. Tudo mudaria na vida de Anísio - à vocação religiosa sobrepunha-se a vocação do educador, que não mais o abandonou, pondo raízes mais fundas, e sobre as quais se levantaria uma nova personalidade. Para muitos dos seus amigos e companheiros, entre os quais Hermes Lima, Nestor Duarte e Jaime Ayres, todos agnósticos e liberais, era uma ventura vê-lo libertando-se das peias ultramontanas. Anísio libertava-se. Libertava-se graças às leituras de Dewey, filósofo que na América revolucionava a educação. Tendo freqüentado a Columbia University mais ou menos na mesma época, Gilberto Freyre recordou as aulas do filósofo dizendo-as "verdadeiros acontecimentos". Ao que acrescentou ter por duas vezes tentado sem êxito ajudar Dewey a visitar o Brasil, como desejava. As portas somente se abriam para a direita.
Mais tarde, Alceu Amoroso Lima lembrou esses passos de Anísio: "O jovem baiano, discípulo do padre Cabral e dos jesuítas do Colégio Antônio Vieira, cansado da disciplina escolástica e dos argumentos de autoridade, descrente do próprio molinismo, descobria a liberdade e trocava a Religião pela Educação."
Fruto dos novos caminhos é o pequeno volume Aspectos Americanos de Educação, no qual Anísio sintetizou "o filósofo que mais agudamente traçou as teorias fundamentais da educação americana". "Tornar a criança membro da sociedade e membro com plenos direitos e plena eficiência, é tudo o que busca realizar a educação." Aos poucos a educação o empolgara - seria o seu sonho de toda a vida.
Ao voltar à Bahia, Anísio trazia convite da Columbia University para um ano de estudos às custas da Universidade. Contudo, preferiu silenciar. Tantos os rumores de que viajaria para o noviciado na Companhia de Jesus, e tal o desejo do velho Deocleciano em vê-lo encaminhado para a carreira política, que esperou meses até transmiti-Ia ao pai: "Quando deixei, dizia-lhe, no ano passado, a Universidade de Columbia, em Nova lorque, tive uma oferta dos seus diretores, de um ano de estudos em Nova lorque às custas da Universidade. É o que eles chamam uma bolsa de estudos para estrangeiros." E obtida a autorização do Governador Vital Soares, que sucedera a Góes Calmon, Anísio acrescentava: "O que mais me leva a voltar à América é o desejo de completar os meus estudos..." Apaixonara-se pela educação.
Reiterando a vocação do educador, a carta continuava: "Não será um preparo perdido, porque ainda que eu deixe a instrução, ele sempre me servirá para o magistério e mesmo para a política." Era a maneira de tranqüilizar Deocleciano. Respeitoso, Anísio concluía: "Mande dizer o que Vmecê pensa a respeito."
Em 27 de setembro de 1928, Anísio escreveu ao pai, já de Nova lorque: "Desembarquei no dia 26, estou nos primeiros passos de instalação. Hoje já comecei o meu curso. O meu endereço é: Furmald Hall. Columbia University. West 116th St. New York." Vencera a custosa batalha. Em breve ele receberia o diploma de Master of Arts da Universidade de Columbia, em Nova lorque.* E também perderia a fé.
Antes de retornar, Anísio, agradecido, escreveu ao professor G. S. Counts, Diretor Assistente do Instituto Internacional do Teacher's College: "Meu caro Dr. Counts: nas vésperas da minha partida para a Bahia, Brasil, desejo exprimir-lhe os meus cordiais agradecimentos pela assistência e numerosas atenções que me dispensou durante o meu último ano de estudo no Teacher's College. Esse ano de estudo foi para mim um ano que jamais poderei esquecer. O contato consigo e outros educadores do Teacher's College foi, no mínimo, uma real inspiração e um rumo para o meu estudo e para o meu trabalho. Voltando para o meu País, quero dizer-lhe que levo o propósito de preservar esses contatos e ser um traço de união entre o meu País e a sua grande Instituição. Na Bahia ter-me-á inteiramente à sua disposição, e creio que uma ocasião se apresentará no futuro quando eu estiver apto para prestar-lhe algum serviço." Calorosa, a carta não era mera amabilidade. Anísio e Counts continuariam a se corresponder, preservando a camaradagem do Teacher's College.
A Universidade deslumbrou o novo aluno. Nunca mais a esqueceria. Anos mais tarde, em 1970, ele escreveu ao prof. Freeman Butts, do Teacher's College, lembrando os tempos aí vividos. "Seu artigo sobre o invisible college tocou-me profundamente, dizia. Senti-me novamente um grato companheiro no Teacher's College, recebendo de Kandel, Counts, Duggam, Thomas, Alexander os benefícios de seu conhecimento, sob a inspiração de Dewey, Kilpatrick e Harold Rugg. Teacher's College foi para mim, no final dos anos vinte (1928/1929), alguma coisa como a Academia de Platão. Eu vivi num mundo de idéias e sabedoria exatamente como eu imaginava que deveria ser uma Universidade." Sentira-se na Grécia, no Jardim de Academo, e novo destino o tomava nos braços.
Quanto à filosofia educacional, os grandes acontecimentos desse período na América foram a familiaridade com o pensamento de John Dewey e o contato com Kilpatrick, certamente o mais renomado mestre da Universidade. Principalmente Dewey conquistou-o inteiramente. Era como se encontrasse o que buscava inconscientemente. Anos mais tarde ele diria a Monteiro Lobato: "A verdade é que em Dewey encontrei alguém que põe na busca mais alguma cousa que o puro buscar. Não é a busca pela busca. Mas um buscar consciente da felicidade que produz esse esforço por encontrar..." Dewey era um ponto de partida "para todas as direções do quadrante do futuro". Em resumo, ele construíra uma "esplêndida morada", dizia Anísio, dessas de que a gente não quer mais sair. Contudo, para Anísio nada era perfeito e definitivo. Tudo devia ser revisto e aprimorado. Certa feita, observou o prof. Newton Sucupira, no Conselho Federal de Educação, que Anísio não se limitara a aplicar as categorias já feitas de Dewey, mas procurara repensá-las "continuamente, em função de uma nova experiência, que é a experiência brasileira". A inquietação nunca lhe permitia parar.
Na ocasião, no círculo das relações pessoais, o relevante foi o encontro com Lobato. Ainda não se conheciam e este se apaixonou pela personalidade de Anísio. Pela cultura, pela simplicidade, pela inquieta vivacidade, pelas maneiras afáveis e modestas, tudo nele cativava. Anísio não foi menos sensível à nova amizade, que evocou em carta a Fernando de Azevedo: "Fomos, cerca de dois meses, dois companheiros inseparáveis que buscaram entender e interpretar juntos o laborioso triunfo americano. Ele, mais voltado para as coisas econômicas; eu, para os aspectos da educação, ambos, entretanto, norteados por um sadio idealismo comum de humanidade melhor e mais feliz. E de um lado e de outro trazíamos para as palestras intermináveis que mantínhamos aos domingos uma cópia inaudita de fatos e observações com que alimentávamos e saciávamos o nosso idealismo. Foi uma esplêndida temporada de entusiasmo." O idealismo borbulhava: a educação e a confiança no Brasil uniu-os definitivamente. Anísio chegara a Nova lorque tateante e inseguro, atônito diante da grandeza da América. Lobato abrira-lhe os braços e desvendara-lhe caminhos. Ele nunca mais o esqueceria. "Você me acolheu um dia, diria Anísio a Lobato, quando quebrava a cabeça, inquieto, diante da revelação americana, para me dar o presente magnífico de sua convivência e de sua amizade." E profunda admiração cimentaria a gratidão. Quando Lobato morreu, em 1948, Anísio dedicou-lhe uma frase lapidar - "A arte não era o seu trabalho, mas o seu repouso."
Ambos amavam Nova lorque. "Um dia de Nova lorque - escreveu Lobato - vale uma vida no Brasil - pelo menos ensina mais que ela." Para Lobato, Anísio era "a Inteligência Pura", e a ele dirigiu esta expansão de amizade: "Ninguém te substituiu, Anísio. Não há no mundo uma personalidade e uma mentalidade mais viva, mais penetrante e iluminadora que a sua. A vida sem o Anísio é uma porcaria - saiba disso." E, inconformado com a ausência do companheiro, escreveu-lhe: "A tua saída desfalcou a sério esta imensa cidade e a vítima maior do desfalque fui eu." Sem o saber, falava por todos nós, amigos de Anísio.
Em verdade, Anísio partira um e retornava outro. "A crise religiosa conheceu ali o seu epílogo", escreveu Hermes Lima. lniciada em 1927, completava-se a libertação de Anísio do fantasma das verdades reveladas, e a sua reconciliação com a filosofia que primeiro o influenciara, a do espírito naturalista e científico. Ele regressava "lapidado pela América", escreveu Lobato.
Mais do que lapidado, Anísio retornaria empolgado pela América. Em carta de 6 de janeiro de 1929, ele diria à mãe: "Amanhã recomeço as aulas. Continuo a gostar imensamente da América e, apesar das saudades, tenho pena de voltar tão cedo." Tudo o seduzia. Em artigo na Revista de Cultura Jurídica, "O espírito democrático da civilização americana", escrito pouco depois, diria: "Será preciso vir à América, conviver com o seu povo, freqüentar as suas universidades, para se descer um pouco mais ao fundo dessa civilização e lobrigar o espírito que a anima. E a primeira surpresa que aguarda esse visitante despreconcebido e sincero será a de perceber o lugar secundário que ocupa na mentalidade americana a imprevista prosperidade econômica que o país desfruta." E acrescentava: "Para o americano, porém, a sua obra tem sentido mais dilatado e vivaz. A sua Nação foi concebida em liberdade, na frase de Lincoln, e nela todos os homens haviam de ter direito à vida, à liberdade e à felicidade." Anísio transbordava de admiração. "Um dia que se passe em uma cidade dos Estados Unidos - escreveu - um dia em contato com a sua população no seu trabalho, nas suas refeições, nos seus prazeres - é bastante para fazer ver ao visitante que a riqueza da América é um estímulo para o seu otimismo e para o seu progresso e não uma condição para a sua próxima decadência." Nunca mais se afastaria da América.
Hermes Lima sintetizou os novos ideais de Anísio: "O ciclo americano de estudos fez história na carreira e na filosofia de Anísio Teixeira. A cena social dos Estados Unidos, sobretudo vista da Universidade, que foi o campo onde ele pensou e trabalhou, reforçou-lhe a fé democrática e republicana, ampliou-lhe as perspectivas futuras da obra educacional, ofereceu-lhe a motivação de um pensamento organizador que se arrematava por uma concepção do mundo naturalista e científico. A ambiência respirada na América, os contatos intelectuais e pessoais, a atmosfera antidogmática do ensino, as aberturas da pesquisa e da especulação filosófica, tudo isto conduziu-o a conceber e interpretar o mundo fora das quatro linhas da mística jesuítica em que se enleara. Sentiu-se realmente libertado, não porque houvesse adquirido, em lugar das velhas certezas definitivas, novas certezas definitivas, mas porque aprendera um processo, um método diferente de pensar e colocar problemas. " Daí por diante a verdade não mais será revelada, mas procurada e incessantemente renovada. "Só a busca - escreveu Anísio a Lobato - é interessante. O achado, sempre pobre, incompleto e infeliz."
Para não ter o monopólio da grata amizade, Lobato fez Anísio portador de uma carta para Fernando de Azevedo, então em plena celebridade como educador. A carta era derramada: "Fernando. Ao receberes esta, pára! Bota para fora qualquer Senador que te esteja aporrinhando. Solta o pessoal da sala e atende o apresentado, pois ele é o nosso grande Anísio Teixeira, a inteligência mais brilhante e o maior coração que já encontrei nestes últimos anos de minha vida. O Anísio viu, sentiu e compreendeu a América e aí te dirá o que realmente significa esse fenômeno novo no mundo. Ouve-o, adora-o como todos os que o conhecemos o adoramos e torna-te amigo dele como me tornei, como nos tornamos eu e você. Bem sabes que há uma certa irmandade no mundo e que é desses irmãos, quando se encontram, reconhecerem-se. Adeus. Estou escrevendo a galope, a bordo do navio que vai levando uma grande coisa para o Brasil: o Anísio lapidado pela América." Acima de tudo, levava um Anísio desejoso de poder melhorar o Brasil pela educação. E a América não lhe sairia do espírito. Mais tarde, escrevendo a Afrânio Peixoto, recém-chegado da América afogado em admiração, Anísio referia-se à "nossa América". Sim, a América com as suas Universidades, a sua liberdade, a sua democracia, numa palavra, a sua nova civilização, o conquistara. A Arquimedes Guimarães, confidente de muitos anos, ele escreveu de Nova lorque, em abril de 1929: "Da América levarei, sobretudo, a independência e liberdade de inteligência que os meus últimos estudos me deram. Mais do que da educação foi dessa viril e humana filosofia moderna que me ocupei nesses meses tão rápidos e tão intensos que aqui vou passando. A definitiva aceitação de uma atitude científica na explicação de todos os fenômenos da vida não só me deu uma rara tranqüilidade intelectual, como ainda um programa de ação."
Fernando de Azevedo não demorou em se render ao novo amigo. Uniu-os recíproca admiração. Pouco depois ele escreveria a Anísio: "Às vezes, transportando-me em pensamento aos dias de minha infância, tenho a impressão de encontrar entre os meus companheiros de idade o meu caro Anísio, que há três anos trouxe à minha presença a mão generosa de Monteiro Lobato. Ele sabia - e o declarou em sua carta - que nos tornaríamos grandes amigos. O interesse pela educação e a comunidade de idéias completaram a obra que a simpatia recíproca iniciou, tornando indissolúvel, pela mais profunda solidariedade intelectual, os laços apertados pela força de comunhão de sentimentos." Amigo de ambos, Lobato acertara em cheio. O ideal dos educadores os uniria definitivamente.
Num pequeno volume de memórias, Figuras do meu convívio, Fernando de Azevedo recordou o encontro: "Numa tarde de junho de 1929 (não poderia precisar a data), apareceu-me em meu gabinete de trabalho, no Rio de Janeiro, um jovem educador que havia pouco chegara da América, onde estivera em viagem de observação. Vinha acompanhado de um amigo comum, Eduardo Agostini, e trazia-me carta de Monteiro Lobato, então nos Estados Unidos... Fechei a carta que acabara de ler, e voltei-me novamente para Anísio: uma série interminável de conversações teve, nesse primeiro encontro, o começo mais feliz a que podia aspirar. Monteiro Lobato viu Anísio Teixeira com olhos de ver e externou, por palavras calorosas, um julgamento definitivo. Tudo o que ele me disse foi tomando forma e vida na palestra que tivemos naquela tarde inesquecível. Ganhei o dia ao ter a fortuna de conhecer de perto, o que só de nome conhecia, a figura admirável que tão profundamente o impressionara. Aquele homem, ainda moço, de constituição franzina e de aparente fragilidade física, bastou falar para se impor a todos os que o ouviam... Confesso haver tido logo o pressentimento de seu destino e do papel que lhe estava reservado na história da educação no País."
Para Anísio o encontro foi providencial - ele voltara esmagado pela América. Havendo observado o vulto do trabalho e dos gastos na educação, assaltara-o certo desânimo quanto à possibilidade de qualquer realização em meio à nossa pobreza. Salvou-o Fernando de Azevedo, a quem ele próprio confessaria numa carta: "Eu já lhe disse aí o bem que me fez esse contato com o seu espírito e com a sua obra. Saíra da Bahia direto para Nova lorque. Lá estive dez meses. O exame diário do trabalho gigantesco dos Estados Unidos em matéria de educação, a visão do que ela envolvia de complexidade, de conhecimento especializado e dinheiro, a compreensão mais viva desse exasperante determinismo econômico do progresso moderno, me haviam feito, deixe que lhe diga, meio cético a respeito da possibilidade de uma obra educativa séria em nosso meio. Mesmo que nos sobrasse dinheiro, faltava-nos conhecimento técnico e especializado para realizar uma obra de cooperação e de grupo. Cheguei mesmo a pensar que era cedo para um trabalho de renovação propriamente da escola."
O depoimento dá a medida das dúvidas do educador. A carta, contudo, continuava agradecida: "Foi esse viajante meio descrente que desejou, antes de chegar ao seu Norte atrasado e lento, conhecer um pouco do que V. estava fazendo nesse Sul, onde as coisas parece que já despertaram. Vi muito pouco e vi às carreiras, mas o que vi fez-me bem." Até ao fim a carta é confissão de surpresa e entusiasmo. "Li na viagem - dizia ele ao destinatário - o seu Regulamento e ele confirma o paradoxo de Dewey, de que as nações novas e menos adiantadas têm hoje melhores oportunidades educativas que os países de progresso amadurecido e isso porque naqueles a renovação não tem os empecilhos que encontra nas tradições e nos interesses das velhas correntes e velhas máquinas de educação desses outros países que começaram mais cedo. Ajunte a isto o contato pessoal com V. e com os seus auxiliares e compreenderá a razão por que a minha ligeira passagem pelo Rio valeu por uma renovação do meu entusiasmo."
Jamais esqueceria o encontro providencial. Bem mais tarde, em fevereiro de 1960, Anísio voltaria ao assunto, evocando-o agradecido: "Telefonei ao Agostini - dizia ele a Azevedo - para me valer da sua memória, a fim de recordar o dia do nosso primeiro encontro - recém-vindo eu dos Estados Unidos e da Columbia University e V. em pleno vôo da reforma educacional do D.F. - para, como diz, e eu confirmo de todo o coração, o 'começo de uma amizade que não teve nem sofrerá desfalecimento'. Não conseguimos localizar o dia - mas quanto ao mês, deve ter sido em fins de junho, começo de julho e o ano foi o de 1929 e não 1928, como V. julgava. Fiz no T.C. da Columbia University o ano regular de 28/29, graduando-me nos últimos dias de maio. Viajei para o Rio pouco depois." E, dando conta da importância que tiveram para ele os anos de 28 e 29, a carta continuava: "Esse foi um período extraordinariamente significativo em minha vida, que eu iniciei com o conhecimento de Lobato e se encerra com o encontro com V. no Rio, entre junho de 28 e junho de 29. Tenho a impressão que foi nesse ano que me encontrei comigo mesmo. O ano de estudos na Columbia University, a descoberta de J. Dewey, a revisão (ou conversão?) filosófica, e as grandes amizades intelectuais - Lobato, Fernando, Lourenço, Afrânio e quantos e quantos outros..." Sem dúvida nascera um novo Anísio, livre da sombra jesuíta. A educação era agora o seu Credo.
Ainda na América, Anísio foi convidado, em fins de 1928, para paraninfo das professorandas do Colégio dos Perdões, na Bahia. Impossibilitado de comparecer, ele enviou o discurso: leu-o Arquimedes Guimarães. "Foi um esforço - escreveu - para fazer um pouco de idealismo. Não sucedi, porém. Em grande parte está utópico e pouco prático. Talvez, porém, outros entendam melhor do que eu mesmo."
Uma nota de idealismo seria dele inseparável.
Pouco conhecida, a oração é o primeiro documento do qual saltam nítidas as dúvidas do idealista lapidado pela América. Para os que o lerem nas entrelinhas, o discurso tem muito de autobiográfico. Dele sobressai uma quase confissão: "A grande aventura - diria ele às jovens professoras - desse longo período de tateamento, de adivinhação, de dúvida, de esplendor de nossa adolescência, é a descoberta de nós mesmos." Era Anísio falando de Anísio. E o discurso continuava: "Debalde tentamos nos iludir no ardor de nosso entusiasmo. Não são as filosofias que nos fascinam. Nem as afeições. Nem os jogos e os esportes. Nessa época turbulenta e formosa dos dezoito anos, nós somos o nosso fim. É o romance de nossa adolescência que nos arrebata. Fala alto, dentro de nós, esse sentimento fundamental de que nós preexistimos a tudo que existe. Reinterpretamos toda a vida em função de nós mesmos. E à verdade que extrairmos dessa análise sincera e longa, é que tudo há de obedecer."
Para ele, o essencial era cada qual permanecer fiel a si mesmo. "Só a infidelidade, dizia, porém, uma continuada e consciente infidelidade a nós mesmos, à nossa lei, à nossa natureza, à nossa vocação, é que pode quebrar o quadro do nosso destino e fazê-lo banal e triste. A grandeza da vida dos heróis e dos santos não tem outro segredo senão o dessa intrépida fidelidade a si mesmos."
Pouco restava do dileto aluno do padre Cabral. E, como se voltando para dentro dele próprio, Anísio continuava: "Que me importa que a vida semeie de insídias o meu caminho ou que os homens espalhem surpresas venenosas na minha marcha, se eu levo e ouço em mim o meu sonho, a minha revelação, as minhas 'vozes', como dizia Santa Joana d'Arc e se a elas só obedeço e sigo, como a regra permanente de minha vida? ... Podem as contingências semear de tempestades a minha estrada ou a fazer monótona e vazia como um deserto, eu não vivo na companhia das contingências, mas na companhia de mim mesmo. E onde eu estiver 'arte e natureza, esperanças e sonhos, amigos e anjos e o próprio Deus não hão de estar nunca ausentes'." Era a invocação de Emerson, e dizia em seguida: "Aos que assim fizerem não esperam decepções e a realidade há de ser mais formosa do que os sonhos de adolescência, porque há de participar dos segredos que fazem os santos e fazem os heróis." Que seria ele - santo ou herói?
Por toda a oração perpassa o idealista, um pouco do missionário, que ele trazia na alma. E acrescentava: "Ter ideal importa, pois, em entender seriamente a vida, vivê-Ia com uma nobre sinceridade, sem ilusões e sem embustes, praticando os nossos talentos com esforço e com entusiasmo, como se praticássemos os nossos deveres." No final, Anísio levantava o véu sobre as transformações do nosso tempo: "Tal transformação, dizia, se vê acompanhada de uma irreprimível e generalizada aspiração de liberdade, de exame e de revisão da própria filosofia da vida. Inegavelmente, nunca nos sentimos tão corajosamente dispostos à revisão de nossas idéias, tão escrupulosos na aceitação de princípios, tão ansiosos por uma filosofia esclarecida e consciente para a nossa orientação na viagem inquieta da vida. Estamos envolvidos em uma atmosfera de livre exame, com a qual buscamos um novo e mais íntimo ajustamento às nossas concepções da vida e uma nova e mais íntima sinceridade com nós mesmos." Não precisava dizer mais.
Na bagagem do Master of Arts da Universidade de Columbia não retornaria uma verdade revelada e eterna. Em seu lugar vinha o livre exame e a inquebrantável vontade de pesquisar e rever na procura de uma verdade, que sabia transitória, e por isso mesmo incessantemente buscada e abandonada. Como natural, não omitiu as crianças e a nova escola que lhes abriria os caminhos da vida. Tendo observado detidamente a Escola Americana, ele a via como "a mais feliz escola do mundo". E desejava trazê-la e desenvolvê-la no mundo do qual partira. Preocupado com o profundo respeito pela sensível alma infantil, ele dizia às novas professoras: "Estudai constantemente essa alma tão fugidia e tão obscura, por vezes. Não julgueis nunca que a conheceis demais. As injustiças de incompreensão são as que mais doem. E quase nunca compreendemos as crianças. Queremos medi-las pelos nossos critérios. Queremos forçá-las aos nossos motivos. Mas, nós estamos muito adiante na vida. E a criança se debate sozinha no caminho enquanto nós punimos a sua ignorância com a nossa irritação. Que as crianças que vos forem entregues nunca se sintam aterradas por esse isolamento, nem castigadas por não serem compreendidas." Embora simples, hoje tão claros e fáceis aos nossos olhos, tais conselhos significavam a profunda transformação da escola. Era a escola nova e progressiva, na qual as crianças viveriam livres de qualquer incompreensão, e a disciplina aceita e compreendida por todos. E o paraninfo concluía:
"Desejaria que levásseis a vossa benevolência, o vosso tato, a vossa inteligência e a vossa simpatia a um tal extremo de delicadeza, que nunca se pudesse apagar nos olhos de uma criança a chama de confiança que, um dia, lhe soubestes incutir." Despretensioso, franco, espontâneo, o discurso, reflexo de quanto andava no espírito do educador, não era utópico nem pouco prático, como ele dissera. Se pensava que outros talvez o entendessem melhor do que ele próprio, Anísio não se enganara - o idealismo sobrenadava, visível, na palavra do paraninfo, e o educador tomava o seu caminho - nunca mais o deixaria.
Anísio costumava proclamar a marcante importância dos anos decorridos entre a segunda viagem aos Estados Unidos e os primeiros vividos em seguida no Brasil, como afirmara no trecho de sua conta a Fernando Azevedo sobre a descoberta de Dewey, o conhecimento do Lobato e o período passado no Rio: "Tenho a impressão que foi nesse ano que me encontrei comigo mesmo." O encontro com um Anísio do qual desaparecerá a crença numa fé revelada.
São muitos os testemunhos sobre a evolução religiosa e as convicções filosóficas de Anísio. Ele próprio, por vezes, abordou o tema, embora o fizesse com o pudor de quem preferia não fossem assuntos tão íntimos trazidos a público. Na verdade a Bahia ainda não perdoara inteiramente aquela inteligência superior. Não perdoara, e por isso não o esquecera. Fizera-se até circular que, aproveitando a estada na América, ele se ordenara como jesuíta. Esses alfinetes o irritavam e ele extravasava. De uma carta de Nova lorque a Arquimedes Guimarães, em novembro de 1928, são estes comentários: "A notícia da minha ordenação apenas mostra que a Bahia custa a esquecer a legenda que uma vez lhe ensinaram. Creio que hei de ser sempre, na Bahia, uma vocação que falhou. Isso seria simplesmente cômico se não houvesse a pequenina tragédia ou coisa que o valha, no fato de realmente, mais do que essa pretensa vocação, eu estou a reconstituir toda a minha filosofia, dirigindo-a para caminhos que me afastarão provavelmente até do próprio catolicismo. O trabalho que vem passando a minha inteligência, desde a minha primeira viagem à América e o seu pragmatismo, ainda não está terminado."
Fora sem dúvida longo e árduo o caminho até alcançar inteiramente a filosofia pragmática de Dewey. Custara apagar a marca jesuíta. E a carta continuava: "E sinceramente não sei até onde me levará, no sentido de abandono de algumas e aquisição de outras concepções sobre a vida. Quem sabe se não encontrei motivos para uma reorganização mental, conservando as verdades que me pareciam absolutas?" Ele respondia: "Estou com a minha filosofia em franco período reconstrutivo. Escrevo-lhe isto e não será necessário insistir que é assunto que não desejo ver discutido na Bahia. Estou a estudar, estou a aprender, estou a renovar alguns juízos, mas é desagradável a gente se ver discutido nesses assuntos. Sirva-lhe tudo apenas para lhe autorizar a continuar a desmentir o boato." O boato de que se ordenara, e que lhe faria dizer pouco depois: "A Bahia me parece hoje como um dos lugares mais atrasados que presentemente existem na face da terra." Dificilmente ele seria algum dia compreendido.
Poucas vezes Anísio discorria sobre problemas de religião. Fazia-o, porém, de modo tímido, impessoal como se debatesse assunto que não lhe era pertinente. De quanto dele ouvi ou li sobre as indagações da fé, nada mais espontâneo do que a carta à irmã Sinsinha, em agosto de 1939, a propósito de um livro de Adolf Adler, que ele traduzira, e chocara o espírito religioso da irmã. Pela espontaneidade, simplicidade e nitidez, que imprimia a quanto escreveu ou debateu, o documento revela-o inteiramente. Longa, meditada, ela é essencial.
Anísio à irmã Sinsinha, Bahia, 5 de agosto de 1939: Vi a sua carta e notei a sua preocupação em afirmar que toda a verdade, com todos os seus desenvolvimentos, acha-se contida na palavra de Jesus. Isso hoje é até heresia. Se assim fosse, a religião paralisaria até a inteligência humana. Nada mais havia a buscar, tudo estava sabido e sabido definitivamente e para sempre. Você bem sabe que não é assim. A busca humana da verdade continuará, essa sim, para sempre. A verdade religiosa quando não é pura verdade sobrenatural, mas toca o mundo natural, representa as grandes intuições do espírito humano, os seus momentos de inspiração divina. Que prazer, porém, ver-se que essas intuições acabam por se provar verdadeiras diante da experiência e da ciência experimental! Esse é o caso da natureza humana. Os nossos começos de ciência psicológica estão a coincidir admiravelmente com os mais altos ensinamentos religiosos. O que a psicologia diz hoje é que não poderá haver paz de alma, serenidade de coração e felicidade, enfim, enquanto não tivermos suprimido os pequenos desejos, os vãos egoísmos, o grosseiro espírito de dominação, as mesquinhas invejas do nosso insignificante "eu", para plantar em seu lugar o grande e amplo amor aos nossos semelhantes, o espírito de serviço, a prontidão em dar e compreender.
Generosa, franca, a carta revela um espírito voltado para a solidariedade diante das fraquezas e dos sofrimentos da humanidade. Sobretudo, nenhum egoísmo. E a carta prosseguia no mesmo tom:
A personalidade humana para se realizar precisa de se esquecer a si mesma e se entregar a algo maior do que ela própria... Fora daí, ela não se constituirá, fragmentar-se-á, será miserável e infeliz. Longe de estar a psicologia fazendo mal à religião, ela talvez a renove, e, mostrando a sua verdade profunda, obrigue os espíritos religiosos a voltarem à essência da religião e abandonarem as pequenezas e as mistificações de sua forma. Porque a religião é aquilo que diz a psicologia e não o processo de auto-ilusão em que se transformou hoje, substituindo por fórmulas, convenções e cerimônias as grandes virtudes essenciais da humanidade. Não. Não basta para ser feliz, para conquistar o reino do céu, o gesto do amor do próximo, o gesto do espírito de sacrifício; precisa-se da coisa, precisa-se do sentimento, precisa-se ser humilde, ser altruísta, ser serviçal, ser franco, gostar realmente mais dos outros do que de si mesmo... E isso que é a natureza humana no seu mais perfeito desenvolvimento. Adler não é contra Jesus. Adler é uma esplêndida confirmação de Jesus. Perdoe-me a tirada. Queria era mandar-lhe o meu abraço para você e mamãe e Tilinha e Didi e Deoclecianinho e todos desse Caetité e desse sobrado que não esquecemos."
Aí estava o Anísio racional e afetivo. O Anísio no qual o coração equivalia à inteligência, e do qual já se apagara a fé. Substituíra-a a razão. No fundo, era a volta ao pensamento do velho Deocleciano.
Ainda uma vez Anísio reviu as próprias idéias. Corridos quatro anos sobre a reforma, período no qual estivera na Europa e nos Estados Unidos, entendera oportuno reformar-se a reforma, cujas deficiências pudera observar. "A revisão de Anísio Teixeira foi total, escreveu Luís Henrique Dias Tavares. Mostrou que existiam apenas vinte crianças nas escolas elementares; que só funcionavam três escolas complementares; que só existia uma escola primária superior; que o único Ginásio do Estado, o da Bahia, tinha apenas oitocentos alunos matriculados." Humilde, pondo a verdade acima de tudo, não ocultou as falhas observadas na reforma de que fora o responsável. Chegara a hora de aperfeiçoá-la. Havendo Góes Calmon deixado o Governo, substituído por Vital Soares, este evitou agitar novamente as águas, repetindo os inevitáveis debates sobre as inovações de Anísio, que sentiu chegada a hora de recolher as velas. Foi o que fez, demitindo-se.
Graças ao apoio de Góes Calmon, Anísio lograra a multiplicação dos pães.
As matrículas, no ensino primário, ascenderam de 47 mil, em 1924, para 79 mil, em 1927. As despesas com o ensino subiram de 4% para 12% da receita do Estado. E com visível satisfação pelo realizado, ele escreveu, em 1928:
O interesse pela instrução é uma realidade à vista de todos. As menores localidades estão aprendendo a ter orgulho pelas suas coisas de ensino e a se porfiar nas conquistas de educação. A construção dos prédios escolares pelos municípios com auxílio do Estado, a solicitação de localização de escolas, o interesse local pelo bom mestre, a fiscalização exercida por patriotismo, o estímulo do professor para se aperfeiçoar e progredir; são alguns exemplos demonstrativos desse largo, verdadeiro interesse que está a percorrer todo o Estado nas coisas de educação.
Nada impediu os ataques ao jovem Diretor da Instrução. Anselmo da Fonseca, antigo abolicionista, respeitado catedrático da Faculdade de Medicina, classificou-o como "o verdoso diretor da Instrução do Estado". Falava pelo passado. E nesse mundo de críticas acusavam-no de ignorar as decantadas realidades baianas, principalmente a vitaliciedade do magistério, que Anísio eliminara, ferindo interesses pessoais. Este seria um dos motes da oposição. Contudo, tal como um missionário, embora sempre pronto a mudar de idéias, ele não faria concessões ao que não lhe parecia o melhor. E, lembrando as decepções, escreveu mais tarde: "De regresso da Europa, continuei a amizade e a colaboração com o Arcebispo. Recordo-me de duas medidas ensaiadas nessa colaboração e que dão tão bem a medida de quanto representava de inconformismo ao espírito dominante, na década de 20, o chamado apostolado leigo. Tendo dois projetos de lei: um desapropriando terreno da cidade para a construção do colégio dos jesuítas, e outro de ensino religioso facultativo nas escolas. Os projetos foram fragorosamente derrotados, liderando a campanha contra os mesmos jornalistas, deputados e senadores da melhor cepa católica." E concluía com amargura: "O jovem líder da 'religião nova' tomava deles tais severas lições de republicanismo, sem maior proveito aparente."
No íntimo, magoava-o não concluir a obra ambicionada. No momento, entretanto, devia calar. É dele esta observação: "O fato de encerrar uma fase de minha vida - não foi outra coisa esse período de mais de cinco anos de dedicação e estudo dos problemas de educação da Bahia - sem as consolações de ter realizado alguma coisa, deixou-me broken-hearted. Faz hoje todo um mês que eu dei com uma demissão pretextada o último traço nessa obra, cujo fracasso eu insistia, por amor, em não aceitar e ainda não estou curado do mal que isso me fez... Era preciso deixar que renascesse dentro de mim o estímulo para continuar a marolar." E dizia em seguida: "Outros situam os seus sofrimentos nos pequeninos dramas pessoais. A mim a natureza fez-me igualmente sensível a esses dramas - também pequeninos, provavelmente - de nosso trabalho e nossa missão." A missão... Quando deixaria ele de ser o missionário?
Ciente da exoneração, Lobato escreveu-lhe com bom humor: "Já não és o Diretor de Instrução. Curioso. Justamente quando te preparaste para ser um grande Diretor de Instrução, quando ficaste em ponto de bala, fora... Vai para o teu lugar um, o quê? um leigo, pois, acho que é leigo todo homem que não conhece a América." E, admitindo viesse Anísio a ser Deputado, dizia-lhe: "Deputado. Bravo. Como situação pessoal, como comodidade, nada melhor. Mas, com a tua mentalidade renovada e toda brotos, como vais sofrer com a disciplina partidária, que é a mesma disciplina mental católica em outro campo... Tua viagem à América foi um erro, como foi a minha." Lobato acreditava-se desenraizado.
A América fora o sonho - Caetité a realidade. Ao regressar à Bahia, Anísio não retomava apenas a Diretoria da Instrução - mas também a política, que o aguardara como possível candidato à Câmara Federal. Contudo, muitas coisas haviam mudado, a começar pela eleição de Vital Soares, sucessor de Góes Calmon, e Anísio sentira-se sem apoio para realizar as reformas. Iam distantes os tempos em que ele escrevera ao pai: "No Governo atual conforta-me o exemplo do Dr. Góes Calmon, cuja orientação, se não lhe faltar o auxílio do patriotismo desta terra, levará a Bahia ao definitivo ressurgimento moral e administrativo. É um exemplo de sinceridade e de dedicação que poucos encontrarão semelhantes." Agora, atormentavam-no mesquinhos obstáculos da política, insatisfeita com as inovações do educador. O vento era outro.
As idéias que Anísio tentara pôr em prática representavam uma agressão àquela sociedade agrícola e oligárquica. Maria Lúcia Schaeffer, num estudo sobre aquele educador, escreveu ser "inegável que, especialmente na Bahia da década de 20, a atuação de Anísio Teixeira, visando a implantar ali uma educação em moldes progressista e dinâmico ao invés de sanar, na realidade instaurava uma profunda dicotomia entre a vida e a educação baianas". O conflito foi inevitável, e Anísio pareceu surpreso.
Na ocasião, instado por Fernando de Azevedo, Anísio admitiu concorrer à cátedra de Pedagogia, na Escola Normal do Rio de Janeiro. Seria a oportunidade para emigrar. Detiveram-no alguns problemas de família e ele comunicou àquele amigo haver desistido do concurso: "É com muita pena que lhe venho dizer que as circunstâncias não me foram favoráveis, no meu empenho de ir fazer o concurso de Pedagogia para a grande Escola Normal que o meu eminente e querido amigo vai instalar, este ano, no Rio. Na minha volta daí, em meados de fevereiro, quando contava poder sossegar para o trabalho mais meditado de minha tese, interesses de família escalaram-me, de novo, para uma viagem ao sertão, que se prolongou por 25 dias." Professor de Filosofia e História da Educação, Anísio encontrara já iniciado o curso, e, num meio que dizia hostil, precisava mostrar que "esses estudos têm lugar e produzem resultados em uma Escola Normal".
A conseqüência: "Tive, assim, que abandonar o projeto do concurso. Com muita pena, porque fechava assim, para mim, uma oportunidade de emigrar - desejo que por mais que abafemos sempre acorda no fundo de todo baiano idealista, e, mais que isso, porque com esse abandono fugia-me a possibilidade de colaborar -juntar mais uma pedrinha - à sua grande obra de educação."
Certamente, fazia-lhe falta a presença de Hermes Lima, amigo dileto, e sempre um ponto de apoio. Anísio por muitos anos oscilara a um passo do ingresso na Ordem dos Jesuítas, enquanto Hermes jamais deixara de ser ostensivamente um livre-pensador. Boêmio, inclinado às noites alegres, Hermes era vivo contraste com aquele jovem austero, metido entre livros, acatado pela pureza reconhecida. "Era puro, sem afetação", escreveu Hermes. Outro talvez não fosse compreendido. Anísio era a imagem que ninguém se animaria a ferir. lrreverentes, distantes da sua crença, seus amigos e companheiros tudo esqueciam para admirá-lo na sua modesta integridade.
Hermes se desgarrara da Bahia, resolvido a concorrer à cátedra de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de São Paulo, da qual seria livre-docente. "Verdadeira consagração", comunicou ele a Anísio, após o concurso. Contudo, pretendia reeleger-se Deputado Estadual, e contava com o apoio do amigo. Desejo impossível, pois havia algum tempo ele se afastara gradativamente do Governador Góes Calmon, sendo evidente a sua retirada da chapa. Agastado, Anísio escreveu ao pai: "O Dr. Calmon obedeceu a motivos injustificáveis para excluí-lo." Era o previsível e Hermes, para desgosto dos amigos, não mais retornaria à política da Bahia. De São Paulo ele se mudaria para o Rio.
Aí voaria alto. Na Bahia, deixara o vazio num largo círculo de amigos, que se iniciavam na vida pública.
Para Tilinha, irmã de Anísio, os duros trabalhos da Ordem foram insuportáveis. Por fim, incapaz de carregar o fardo, as próprias freiras pediram-lhe que as deixasse - faltava-lhe saúde para servir ao Convento. Doente, fraca, seria ela um peso morto. Era doloroso. Anísio, que tanto se debatera enleado pela idéia de se tornar jesuíta, estava na Columbia University, em dezembro de 1929, quando soube da aflição da irmã. Escreveu-lhe então carinhosa carta, modelo de afeto fraterno, mas na qual havia muito do que ele sofrera. Estava-se próximo do Advento e Anísio tentava confortá-la: " Minha boa Tilinha: Embora a gente pense que está preparado para todas as surpresas, a vida sempre nos prepara cousas que ultrapassam as nossas expectativas." Era como se falasse dele próprio. E a carta continuava:
Já me tinha de tal sorte habituado a pensar em você como religiosa, que não posso imaginar com facilidade você, de novo, entre os nossos. Pela sua carta vejo que essa é também a sua atitude. Mas, dois dias já passaram sobre a chegada dessa notícia, várias vezes li as duas folhas tristes que você me escreveu, e agora já estou inteiramente com outra atitude. Se há cousas que vêm de Deus, esta é bem uma delas. Nós nos acostumamos, Tilinha, devido a uma interpretação extrema de algumas passagens do Evangelho, a encarar a vida como um sacrifício continuado e incessante. Nesse caminho não receamos nem sequer considerar que o sacrifício vale por si mesmo, independente dos resultados que produz. E nessa "loucura" pela cruz, como alguns a chamaram, não só não nos poupamos sacrifícios, como os impomos aos outros. Ora, essa teoria é perfeitamente monstruosa e contrária aos mais elementares ensinamentos de Cristo. O sacrifício se explica quando produz resultados superiores aos males que faz nascer. Ora, você o que fez? Você abandonou Caetité e todos os seus, causando os mais vivos sofrimentos, como qualquer de nós pôde presenciar. Fez isto porque estava convencida que o sacrifício valia a pena e que iria prestar relevantes serviços noutra esfera. Nessa nova vida você trabalhou como só os heróis trabalham. Trabalhou como quem está persuadida que é a própria vontade de Deus que está executando, uma ordem direta de Jesus para agir. Quatro longos anos lutou você com sacrifícios que todos nós imaginamos mas que só Deus conhece.
Depois, o reverso da medalha. A decepção. Talvez a revolta. Anísio buscou mitigar os sofrimentos da irmã: "No fim desses quatro anos, escreveu-lhe, as mesmas pessoas que lhe diziam: 'É a vontade de Deus que você seja religiosa. Sofra a sua mãe, desgoste-se seu pai, nada disso é bastante para lhe impedir de partir. Custe o que custar, se você não se fizer religiosa será uma desgraçada.' No fim de quatro anos, essas mesmas pessoas que, sabe Deus que responsabilidade não têm em seu estado de saúde, lhe dizem: 'Tenha paciência, volte para casa; você não nos serve porque os resultados que V. nos pode trazer não são suficientes para compensar a comida que lhe damos e a roupa com que lhe vestimos'." Conclusão excessivamente pragmática. Para Anísio, entretanto, não seria surpresa, mas apenas a revelação do mundo na sua realidade. Ele continuava: "Tilinha, você não se choque. Mas veja que isto foi o que se deu. E isto é apenas natural. Nunca existiu aquele mundo que nós imaginávamos onde reina a vontade de Deus. Mesmo nas congregações é a pequenina e prática vontade dos homens que existe, sujeita aos mesmos erros e às mesmas leis. Sinceramente, devido à elevação dos trabalhos de uma Ordem religiosa, os seus fundadores exigiram um critério de seleção rigorosa dos seus servidores. O critério é rigoroso mas os princípios são os mesmos que dirigem as instituições humanas. Você era uma empregada que não lhes convinha. Ora, empregados quando não servem, despedem-se." Era tudo, e não havia como fugir à realidade.
Tilinha retornou a Caetité, enquanto Anísio se afastara gradativamente da Igreja.
Por algum tempo, impossibilitado de realizar o que imaginara no campo da educação, Anísio pareceu não saber o que fazer. Por fim, aceitou ser nomeado professor de Filosofia da Educação, na Escola Normal de Salvador. De fato, uma derrota, e acreditou-se que ele se encaminharia para a política, à qual não se podia dizer infenso. Pouco antes de encerrar-se o Governo Calmon, ele escrevera ao velho Deocleciano: "Quanto a mim, as promessas são sempre grandes... Dizem que a minha candidatura era justíssima. Papai precisa não esquecer de que nestas ocasiões Vmcê. volta a ser 'corrente política' e a 'mais verdadeira e tradicional do Estado'... Entretanto, para os direitos da política, nem sempre contam conosco. Enfim, dizem que me reservam a Secretaria do Interior no Governo Vital, em que dirigirei a política do sertão, serei o sucessor político de Vmcê., etc., etc., etc. " Infelizmente, para decepção do velho Deocleciano, a realidade não correspondera às promessas. O tempo passara e Anísio não fora nem Secretário, nem Deputado. Em 1930, eleito sucessor de Vital Soares, o Senador Pedro Lago insistiu com Anísio para novamente aceitar a diretoria da Instrução. Informado, o velho Deocleciano, em agosto, respondeu categórico: "É melhor a deputação federal, pela qual deve insistir." Era velha aspiração. Não havia muito que, ao deixar a diretoria da Instrução, Anísio comunicara a Lobato: "Já não sou Diretor de Instrução; anda a política cogitando - tranqüilize-se! sem grandes probabilidades - de fazer-me Deputado..." Lobato logo respondera: "Leia Maquiavel e condene-o em público. Use da palavra para esconder o pensamento..."
De qualquer modo a deputação não passaria de um sonho; soterrou-a a Revolução de 1930. Como faria nas horas de incerteza, Anísio retornou a Caetité, onde se sentia em segurança. Por ocasião da última viagem ao torrão natal, ele escrevera a Lobato: "Um mês no mato, pelo menos. Caçando, espojando-me, animalizando-me." Na verdade, porém, cada vez mais ele era o homo sapiens.
Vitoriosa a Revolução, Anísio se tornou um "decaído", homiziando-se em Caetité, onde se dizia um exilado na velha e nobre casa paterna. O exílio não seria, porém, o pior. "Além da perseguição oficial, escreveu ele a um amigo, também entrou um grande e irremediável luto." É que morrera o velho Deocleciano - encerrava-se austero ciclo político no sertão da Bahia. O que significou o doloroso acontecimento, podemos avaliar pelo que escreveu a Fernando de Azevedo, quando este perdeu o pai: "Em fins de 1930, sofri o mesmo golpe, à distância e com a mesma surpresa, com que V. foi ferido agora, e sei bem avaliar o que isso significa para um de nós. Parece que se corta uma das mais fortes amarras, que nos equilibravam e retinham na continuidade dos nossos e da nossa terra. Com efeito, a cultura, a universalidade de interesses, a amplitude dos laços intelectuais que procuramos cultivar, são uma constante possibilidade de desenraizamento, de exorbitação, digamos assim, não fossem certos outros laços mais profundos, de inteligência e de coração, que nos situam e nos prendem ao nosso meio. Os nossos pais, quando ajuntam às qualidades naturais, de pais, as de padrão e exemplo de inteligência e de caráter, realizam esse ponto central de referência que precisamos para nos sentirmos - nós mesmos." E o velho Deocleciano jamais fora outra coisa.
Sem a presença do pai, Anísio partiu para a capital do País. "Voltei ao Rio, diria a Odorico Tavares, sem trabalho nem emprego. " Levava, porém, uma grande paz espiritual e "um programa de luta pela educação do Brasil". Um programa para toda a vida. Na ocasião, também eu sem grandes trabalhos, mantivemos regular correspondência, refletindo incertezas e esperanças. A ocasião era propícia para que os que se julgavam prejudicados pelas reformas de Anísio no Governo Calmon buscassem feri-lo. Também amigos e colaboradores seus não foram poupados, e ele sofria por eles. Aos poucos, porém, habituara-se ao que chamava "a gente antropófaga da Bahia", e, de longe, acompanhava mesquinhas perseguições. Parecia saturado. "Não acredito, escreveu, que a Bahia me possa surpreender nesse assunto. Tenho sobre essa pobre terra juízo formado." lnquietava-o a idéia de retornar, tanto a experiência fora má. A Arquimedes Guimarães, também por algum tempo na Diretoria Geral da Instrução, Anísio mandou palavras de solidariedade: "Temos, hoje, ambos, uma experiência amarga desse terrível serviço público, que é, apesar de tudo, a nossa vocação. São com esses olhos experimentados que encaro a lua-de-mel desses meus primeiros dias de batalha na Capital da República." Anísio não fugia à vocação.
O essencial era a volta do País à ordem legal. Comuniquei então a Anísio: "Lancei, aqui, a fundação do Centro de Propaganda Constitucional, que vai tendo a melhor acolhida entre a mentalidade moça." E, enunciados alguns apoios, acrescentava: "Pretendo obter o apoio dos Centros Acadêmicos das Três Escolas, da 'A Imprensa', e de quantos mais queiram concorrer para essa obra tão útil ao País - a Constituinte." Estava-se em 1931, e Anísio colocava em primeiro plano a educação. Convidado pelo Ministro Francisco Campos para trabalhar no recém-criado Ministério da Educação, não teve dúvida em retomar os caminhos do educador. Na ocasião, ele enviou ao Ministro as notas escritas sobre a chamada "Reforma Francisco Campos", depois publicadas por Hugo Lovisolo. Se as leu, o Ministro aquilatou quem era o seu novo auxiliar.