ANÍSIO TEIXEIRA, PENSADOR E HOMEM
DE AÇÃO
DARCY RIBEIRO
I - Anísio, Líder da Inteligência Brasileira
IVEMOS UM TEMPO DE complacência e de acomodação. Mesmo os princípios democráticos mais elementares em que se assenta o republicano são esquecidos e negados exatamente por aquêles que mais deviam cuidar de sua inteireza. Difundiu-se em tôdas as esferas influentes do país, aquelas que mais pesam na tomada de decisões administrativas, legislativas e mesmo judiciárias, uma verdadeira ojeriza às questões de princípio.
Assim, quem quer que se disponha a exigir coerência doutrinária nos atos públicos ou o exame das questões públicas à luz de princípios meridianamente expressos na Constituição, depara com um círculo fechado de estranheza e até de perplexidade. É como se tudo devesse ser decidido, por uma questão de bom gôsto e de bom tom, nos têrmos aparentemente mais ingênuos, só atentos às exigências formais de procedimento.
Neste ambiente amaciado, medram vigorosamente a inépcia, a incúria, o favoritismo e a corrupção, alimentados por decisões diàriamente tomadas, com a maior desenvoltura, em tôdas as esferas do poder público.
Como a ninguém cabe a defesa do que é de todos, os interêsses de grupos defendidos por vozes eloqüentes junto ao pequeno burocrata que informa processos ou junto ao alto funcionário que gere uma província administrativa, levam sempre a fatia maior do bôlo público, repartido e doado em comandita. Não se exige de ninguém critérios explícitos de atuação ou obediência a princípios, exacerbando-se cada dia mais a afoiteza com que os setores privados espoliam o que é público.
A miserabilidade das nossas escolas, a falta de assistência social, a carência dos serviços de saúde destinados a todos, são pacìficamente pela pobreza nacional, pelo vulto das despesas militares, pela sonegação. Mas ninguém indaga, nem se exalta com as enormes parcelas da verba destinada ao custeio dos serviços educacionais, doadas a particulares, das próprias bôlsas de estudo, devidas à juventude inteira, distribuídas a uma clientela de eleitos. Vultosíssimos recursos dos serviços de previdência, pertencentes, de direito, aos trabalhadores brasileiros, são aplicados sem escândalo na especulação imobiliária e para construir apartamentos destinados às classes mais abonadas. Os serviços de saúde constroem hospitais suntuosos que a medicina nativa compara, orgulhosa, com o "precaríssimo" sistema hospitalar de países adiantados, esquecida de que é com o dinheiro de todos que cuida tão miraculosamente da saúde de pouquíssimos, abandonando os mais aos curandeiros.
Os próprios intelectuais afinam freqüentemente a sua voz pelo diapasão da tibieza e muitos dêles caem na fatuidade da crônica social, ainda quando pretendem escrever obra séria. Assim, afora as camadas populares, para as quais se confunde o interêsse social com o próprio, só na juventude, principalmente estudantil, encontra-se uma disposição generosa de tomar partido, de assumir responsabilidade em causas públicas. Uma vez diplomados, porém, quase todos caem no bom-tom, incorporam-se à clientela e passam a comportar-se conforme a expectativa da gente de siso.
De onde vem tamanha pusilanimidade e tamanho conformismo? Que fôrças minam a fé tão vívida no jovem, logo esmaecida? Acaso estamos tão seguros dos nossos caminhos, tão certos de que liquidaremos em tempo breve e previsível a ignorância e a miséria em que vive a imensa maioria dos brasileiros, para tão cedo e tão completamente se acomodarem tantos?
Neste ambiente amortecido ressaltam, pelo contraste, alguns intelectuais inconformados e dentre todos êles destaca-se uma figura de pensador e de homem de ação, que nos seus sessenta anos, agora completados, permanece jovem pelo vigor com que combate, com que estuda, com que trabalha pela causa da Educação.
* * *
Anísio Teixeira é o pensador mais discutido, mais apoiado e mais combatido do Brasil. Ninguém como êle provoca a admiração de tantos. Ninguém é, também, tão negado e tem tantas vêzes o seu pensamento deformado.
É ilustrativo o último episódio de sua vida pública, conhecido de todos: a mais recente tentativa de arrancar do Govêrno sua demissão do cargo de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e a reação pronta e enérgica da opinião pública que lá o manteve.
Quando se divulgou a notícia da demissão iminente, por exigência de um grupo de bispos, surgiu espontâneamente em todo o país o maior movimento de solidariedade jamais ocorrido entre nós. Manifestos assinados por centenas de professôres (529), noções firmadas por dezenas de instituições das mais prestigiosas, abaixo-assinados dos cientistas de maior renome, dos principais escritores nacionais, inclusive de intelectuais católicos, foram dirigidos à imprensa e às autoridades capazes de influir nas decisões do Govêrno.
Contaram-se por centenas os atos públicos de solidariedade realizados por órgãos como o Conselho Universitário da Universidade do Brasil e da Universidade da Bahia; pelas Congregações de mais de uma dezena de estabelecimentos de ensino superior, e pelos órgãos dirigentes de diversos institutos nacionais e regionais de ensino e de pesquisa; por Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas Estaduais; por diversas federações como a Associação Brasileira de Educação, a Associação Brasileira de Escritores, a União Brasileira de Bibliotecários e a União Nacional de Estudantes; por quatro Congressos Nacionais reunidos naquele período. Deputados e senadores, falando por si próprios e por secretários estaduais de educação, diretores de associações de professôres, manifestaram-se, também, na tribuna parlamentar contra a medida intolerante, exigindo que Anísio Teixeira permanecesse no cargo em que servia à educação brasileira.
Nos dois meses que durou a campanha foram publicados 47 artigos assinados pelos principais nomes do jornalismo brasileiro, além de 14 editoriais nos mais importantes órgãos de imprensa do país, bem como dezenas de entrevistas em que foram ouvidos educadores, políticos e até populares, unidos todos na solidariedade ao educador.
Êste movimento de defesa do educador e da cultura só se encerrou quando o Ministro da Educação declarou pùblicamente que Anísio Teixeira não seria demitido. E encerrou-se com um saldo positivo porque evidenciou aos olhos de todos que nenhum outro brasileiro suscitaria tão ampla e calorosa solidariedade, e proporcionou uma medida do quanto a opinião pública esclarecida do país se identifica com Anísio Teixeira e vê nêle o seu líder na defesa de uma educação democrática para o Brasil.
Vejamos, agora, a outra face: por que provoca tanta reação, num país em que os incapazes e os corruptos são tão raramente atingidos, êste educador que devota tôdas as horas de sua vida a convencer o país do vulto enorme de suas tarefas educacionais, a procurar por todos os meios da persuasão, conduzir os podêres públicos a conceder prioridade mais alta às tarefas da educação popular?
Suas teses educacionais se identificam tanto com os interêsses nacionais e com a luta pela democratização de nossa sociedade que difìcilmente se admitiria pudessem provocar tamanha reação num país republicano. As tentativas raivosas de calar Anísio Teixeira, periòdicamente renovadas, apenas demonstram o quanto pesam no Brasil as fôrças retrógradas, quantos aliados poderosos têm o atraso e a miséria e como são ainda revolucionários para nós, os ideais de educação universal que serviram de base à edificação da democracia norte-americana e que constituíram uma das principais bandeiras da Revolução Francesa.
O vigor com que Anísio Teixeira vem lutando, nos últimos trinta anos, pela expansão e aprimoramento da rêde educacional brasileira e a oposição que tem provocado nos setores mais retrógrados, fêz com que se aglutinassem em dois grupos opostos, os que o apoiam os que o combatem. O primeiro, formado por todos os que se empenham para que o Brasil realize prontamente suas potencialidades de nação democrática, reúne pessoas de tôdas as correntes políticas e de tôdas as orientações religiosas, principalmente católicos progressistas porque êstes formam a maioria dos educadores da intelectualidade brasileira. No segundo se aliam os que procuram perpetuar esta nossa estrutura social arcaica que tem por base uma massa miserável e ignorante de milhões de deserdados e, por cúpula, uma camada de dissipadores como só o são, no mundo moderno, os ricos dos países mais pobres.
A oposição a Anísio Teixeira não pode ser caracterizada como uma corrente de pensamento que preconize soluções diferentes para os mesmos problemas. Se assim fôsse, teríamos êste país empenhado num vívido debate e à obra de Anísio Teixeira e dos educadores que formam com êle, se estaria opondo uma produção igualmente copiosa, a defender teses opostas. Tal não se dá, lamentàvelmente.
Na verdade, a maioria dêstes opositores ignora alvarmente o seu pensamento ou mesmo quaisquer programas educacionais. É formada principalmente por sequazes ingênuos de interêsses identificados com o sistema educacional e que se sentem ameaçados por qualquer esfôrço de renovação e mesmo por simples tentativas de estabelecer critérios democráticos para o desenvolvimento dos serviços públicos de educação. Tais interêsses não procuram se realizar através do estudo e do debate dos problemas de educação. Atuam, sim, através da influência palaciana, da exploração do eleitoralismo parlamentar, da pressão sôbre os agentes executivos e ocasionalmente, através de pregações e pronunciamentos cujo prestígio decorre da posição hierárquica daquêles de que emanam.
Esta é, digamos assim, a oposição institucionalizada. Há outras, de diferentes fontes. É o caso do revolucionário ortodoxo que se exaspera com o educador sempre disposto a procurar soluções dentro do regime, confiante em que muito há por fazer aqui e agora e de que a longa jornada da educação se fará melhor por etapas realizáveis nas condições atuais.
O reacionário perenialista não perdoa a lucidez com que Anísio Teixeira distingue nas condições presentes da vida brasileira, o que está condenado a perecer, do que é novo, destinado a vicejar. A tais olhos nada é mais ofensivo do que a agudeza dos juízos com que Anísio aponta e escalpela as idéias obsoletas, os valores ultrapassados e mortos que tantos conduzem cheios de unção.
O saudosista aristocrático, orgulhoso de si, do número de gerações em que seus antepassados só se ocuparam em mandar, não se consola com a luta de Anísio Teixeira pela educação de todos os brasileiros e não apenas de uma elite destinada a governar uma massa de ignorantes.
O dogmático, com sua trouxa de certezas, alcança, às vêzes, o desespêro diante da paz com que Anísio indaga dos fundamentos de cada juízo, da idade e da veracidade de cada asserção.
O oportunista, pronto a defender qualquer idéia e, logo, a dela transigir porque só está interessado no que ganhará com a posição assumida, ofende-se com a correção de atitudes dêste educador que, por contraste, o deixa irremediàvelmente desmascarado.
O corrupto que, montado em cargos públicos, rouba o explora o país, tem por inimigo natural êste servidor austero que se opõe a qualquer forma de iniqüidade e cobra mesmo dos que tiveram o só privilégio de educar-se num país de analfabetos, uma dívida específica para com as tarefas da educação de todos os brasileiros.
Tais opositores não formam multidão. Mas procuram, por qualquer meio escuro e insidioso que os resguarde da responsabilidade das investidas, influir na opinião dos mais ignorantes ou mais crédulos e pressionar os governantes que julguem capazes de calar uma voz tão insistente e incômoda como a de Anísio Teixeira. Assim é que se explica porque, para honra sua e vergonha de todos nós, êsse educador tem sido tão atacado e tem vivido todos os anos de sua longa vida pública permanentemente ameaçado de demissão.
* * *
A obra escrita de Anísio Teixeira constitui o mais profundo esfôrço de compreensão das condições em que atuam as nossas instituições educacionais e das perspectivas de desenvolvimento cultural que se abrem ao país. É feita, porém, quase exclusivamente, de estudos circunstanciais, escritos ao calor das inúmeras campanhas em que se empenhou como peças de combate e tomadas de posição diante dos mais diversos problemas educacionais. Dedicado às tarefas práticas da educação, como pensador e como administrador, a um só tempo estudando e experimentando, planejando e pondo em execução, jamais contou com tempo necessário para formular num sistema unificado o seu pensamento educacional.
É, por tudo isto, difícil para uma pessoa pouco familiarizada com os problemas da educação, dominar as linhas mestras do pensamento de Anísio Teixeira. Quem se disponha a fazê-lo, depara com alguns milhares de páginas dispersas em livros, artigos, conferências e discursos, cada um dos quais de importância vital para compreender uma tese que êle não volta a tratar ou as condições em que certos programas foram elaborados e postos em prática. Acresce, ainda, que quase tôdas as suas obras estão esgotadas e muitas constituem raridades e, ainda, que, em nenhuma biblioteca se pode encontrar tôdas elas reunidas.
Por esta razão é que decidi reunir aqui numas poucas páginas, em estilo de digesto, uma breve autologia do pensamento educacional de Anísio Teixeira. Meu propósito é proporcionar ao leitor comum, interessado na educação enquanto problema nacional básico, o conhecimento das linhas essenciais do pensamento educacional de Anísio Teixeira.
Consciente da dificuldade de condensar, sem simplificações grosseiras e sem deformações graves, uma obra tão densa e copiosa, fugi às interpretações, trabalhando mais com a tesoura que com a veleidade de sintetizar. Ainda assim, devo reconhecer que um critério pessoal presidiu a seleção. Nem poderia ser de outro modo, pois colhendo livremente de seara tão rica e dentro dos limites do que poderia figurar num artigo, foi impossível fugir a critérios subjetivos.
Aceitei o desafio de emprêsa tão difícil, contando poder compensar os pecados em que incidiria com a possibilidade de contribuir para maior divulgação da obra de Anísio Teixeira, paradoxalmente tão debatida e tão pouco conhecida em seu conjunto. Tenho, também, a esperança de, através dos excertos que se seguem, atrair novos leitores para o contexto de onde foram tirados e no qual muitos quererão procurar o inteiro sentido das idéias de Anísio Teixeira.
II - Pensamento Educacional de Anísio Teixeira
1. A Revolução dos Nossos Tempos
Excertos do discurso pronunciado na solenidade da instalação do XII Congresso Nacional de Estudantes, na Faculdade de Medicina da Bahia, em 17/7/1949.
Estamos em plena revolução social e estamos nela desde, pelo menos, os fins da década anterior a trinta. Nosso problema não é, pois, o de fazer a revolução, mas o de dirigi-Ia e orientá-la para o maior bem do homem e o menor sofrimento possível da coletividade. A revolução social, como a revolução industrial de ontem, não se faz pela vontade dos homens, mas pela eclosão de fôrças acima do contrôle humano. (23 pág. 4).
Mas se a revolução é inevitável, não é inevitável a forma que pode ela assumir. Aí é que se abrem as alternativas que estão sob o contrôle da vontade humana. Pode a revolução assumir a forma totalitária ou democrática. A forma totalitária foi esmagada no último grande embate violento da guerra e todos esperamos que jamais ressurja e a forma democrática se dividiu em duas modalidades, a das democracias populares do Oriente e a das democracias socialistas ou pré-socialistas do Ocidente. O entendimento entre êstes dois estilos democráticos parece difícil mas não de todo impossível. (C 23 pág. 5.)
A base comum que deverá ou poderá permitir tal entendimento, está em que ambas as modalidades democráticas buscam os mesmos objetivos - o bem-estar de todos os indivíduos e a sua participação em uma coletividade socialmente integrada e ativa. O conflito está no modo e no método de conseguir tais objetivos comuns.
Tenhamos a honestidade de reconhecer que, em ambos os métodos, há virtudes e perigos. Entre as democracias populares, o perigo está em poder a determinação de apressar a revolução social levá-la ao ponto de trair os seus fins, tornando-se, assim, insensìvelmente totalitária, sob o pretexto de guardar a unidade de ação.
Nas democracias ocidentais o perigo é o oposto, levando a conseqüências idênticas. Aí, sob o pretexto de salvar a liberdade individual, pode-se levar a revolução a se perder em anarquia e confusão que poderão gerar a contrapartida da ditadura totalitária.
As virtudes seriam a da eficiência entre as democracias populares e a da cooperação e participação conscientes e voluntárias nas democracias ocidentais, além de julgarem estas poder dirigir a revolução com a preservação mais equilibrada dos valores acumulados do esfôrço humano.
O debate desta tese não é ocioso no campo internacional, antes sumamente urgente, mas não tem razão de ser no campo nacional, onde o povo brasileiro já fêz a sua escolha, no mais livre dos pleitos. Somos uma das democracias ocidentais pré-socialistas do mundo contemporâneo, conduzindo a nossa revolução pelos métodos moderados, brandos, pacíficos e livres do Ocidente. Êstes métodos podem ser velhos e clássicos no mundo anglo-saxônio, mas são novos, novíssimos em nossas plagas e constituem, só por si, um dos aspectos da revolução brasileira.
Por meio dêles, estamos realizando a nossa revolução política e se atentarmos em que temos de aprender a lidar com êstes novos métodos políticos, ao mesmo tempo em que também processamos a nossa revolução social, logo podemos ver quanto é difícil e árdua a missão que pesa sôbre os nossos ombros.
Uma cousa seria levar a efeito a revolução de métodos políticos, nos sossegos do século dezenove, com uma ordem econômica estável e uma sociedade que embora julgada, ao tempo, tumultuária, hoje nos parece acadêmica e requintada como uma edição popular do século dezoito. E outra, concretizar, como estamos concretizando, o govêrno representativo, o voto livre e verdadeiro, em plena efervescência social, com a transformação econômica, a súbita participação de todos nos benefícios da civilização e a eclosão de seções novas populares e inesperadas no conjunto de fôrças em operação na vida do país. (C 23 págs. 6 e 7.)
Esta é a contradição mais viva da cena contemporânea brasileira e que explica em parte, algumas decepções que o movimento de 1945 já registra em sua marcha. Estamos a fazer a nossa revolução política. Restabelecemos as instituições livres, elegemos um congresso constituinte, votamos uma constituição e fundamos governos livres em todos os Estados e todos os municípios. Criamos, em todo o país, a autoridade impessoal da lei, restabelecemos a igualdade jurídica, restauramos a república, fundamos os partidos políticos nacionais e conseguimos que tôda essa nova aparelhagem funcionasse com o mínimo de acidente e de atrito, sem lançar mão, nem uma só vez, de remédios excepcionais. Se tudo isto fôsse feito no século XIX, ou no princípio dêste século, a obra política do país seria, por todos os padrões, considerável. Mas, estamos a aprender e a iniciar a democracia política em pleno segundo quartel do século vinte, quando as fôrças econômicas e sociais deflagradas originàriamente, pela primeira guerra mundial e poderosamente fortalecidas pelo segundo cataclismo universal, exigem e impõem algo de mais profundo e radical que uma simples revolução política. (C 23 págs. 7 e 8.)
Estou convencido de que atuam, de um lado e de outro da chamada "cortina de ferro", as mesmas fôrças de reforma e revisão social. Estou convencido de que ambos os lados estão em transformação, não sendo estáticas as posições das ideologias contendoras, mas dinâmicas e fluidas. Creio numa possível convergência. Não perdi de todo a esperança nessa terceira fôrça, que seria a Europa socialista, entre o comunismo de leste e o capitalismo de oeste, equilibrando e talvez dirigindo o mundo para um regime de reforma social e de justiça.
Podemos ser capitalistas por contingência de evolução histórica, mas ninguém mais o é por convicção. A própria igreja católica, com seu inalterável senso de adaptação, já se diz socialista. Sabemos que a liberdade ou melhor o individualismo econômico do século XIX logrou-nos melancòlicamente. Prometeu-nos a liberdade, mas a liberdade dependia da propriedade, de recursos e de educação. Como nenhum dêstes elementos existia em quantidade sufficiente, a liberdade ficou para os que chegaram primeiro e o resto, o grande resto, o imenso resto ficou mergulhado na miséria e na ignorância, que são as formas supremas da escravidão.
Daí nasceu o nosso novo conceito de liberdade que não é o irresponsável "faz o que quiseres", mas o sério, o denso, o duro e justo "faz o que deves". Liberdade, hoje, significa igualdade nas restrições. Se a riqueza e a produção são poucas, fôrça é que cada um viva dentro de restrições, para que reine a justiça e possamos dormir em paz.
A feliz América do Norte, mercê de um conjunto de circunstâncias, pôde construir um regime capitalista que é, no mundo, cousa única. Graças ao seu puritanismo e incrível espírito de competição e de trabalho, resolveu magnìficamente o problema da produção e pôde chegar a tamanha riqueza que, a despeito da iniqüidade do seu regime distributivo, deu a cada cidadão um nível de vida invejável. Pôde a América dar-se ao luxo de manter o regime de liberdade econômica. Até quando o poderá manter, não sei eu. As suas circunstâncias não se repetiram, porém, nesta nossa América do Sul, nem na Europa, nem na Ásia, nem na África. E o relógio do Tempo não permitirá mais que criemos, artificialmente, nestas extensas áreas do mundo, o clima necessário à expansão capitalista.
Se fôsse possível criá-lo, talvez não fôsse eu quem o iria combater. Entre a dureza da reforma social planejada e o áspero mas saudável espírito de competição, talvez também eu me inclinasse para êste regime de estímulos grosseiros mas eficazes. Mas já não possuímos nem os corajosos pioneiros de outro tempo, nem muito menos, a esplêndida docilidade das massas. Nem capitães de indústria, nem suaves rebanhos de operários para as jornadas de doze e catorze horas de salários de fome. Hoje, os capitães de indústrias são fragílimas criaturas a rogar e pedir proteção nas antesalas ministeriais. E os operários, fôrças jovens e vivas, cheias de inquietações e de perigo. Em rigor, estamos todos, todos nós das classes dominantes, demitidos. Ocupamos, por favor, os nossos lugares, que já foram dados a outros. Somos reis que já não governam.
A situação de países, como o nosso, em que um pseudo-pré-capitalismo está em desagregação e as fôrças operárias renascentes começam a ascender, é uma situação que nos deixa transidos de apreensões.
A falta de uma teoria de reforma que nos guie no tumulto das mutações econômicas e sociais e a ausência de sentimento de responsabilidade nas classes dominantes estão nos conduzindo, de concessão em concessão, a uma posição insustentável para o povo que está pagando as concessões. Não somos capitalistas, nem temos livre iniciativa. Também não somos socialistas. Corrompemos ambos os regimes, criando, no que resta de capitalismo, a irresponsabilidade, e no que se faz de socialista, a impressão de dádiva e de subôrno. As repressões sem sentido ao patrão desestimulam e geram o cinismo e a especulação, e as concessões ao trabalho longe de erguê-lo como o faria a conquista dessas vantagens, desmoralizam-no. (C 23 págs. 13 a 16.)
A mobilização de vontades, de inteligências e de consciências, cuja necessidade proclamo, deve ser para nos erguermos à altura do desafio que nos lança o Brasil. Temos de resolver os seus problemas sob pena de não o merecermos. Os meus votos são para que os resolvamos dentro da ordem democrática do Ocidente. Mas, se não os resolvermos, não sei para onde iremos!... (C 23 pág. 17.)
2. Educação e Nacionalismo
Nacionalismo é, fundamentalmente, a tomada de consciência pela nação de sua existência, de sua personalidade e dos interêsses dos seus filhos. Pelo nacionalismo, os indivíduos da nação se fazem verdadeiramente irmãos e tudo que atinja a cada um passa a atingir a todos. Por isto mesmo, antes de mais nada, o nacionalismo aguça em cada um o sentimento de justiça para com os demais habitantes do país, impondo a participação de todos na vida nacional e fazendo crescer a coesão e a consciência de igualdade entre êles. Passam todos, efetivamente, a se sentirem cidadãos da mesma pátria, com direito à mútua solidariedade e a certa igualmente fundamental.
Não é, assim, o nacionalismo, senão e apenas indiretamente, um movimento de defesa do país contra inimigos externos. Muito mais do que isto, é um movimento da consciência da nação contra a divisão, o parcelamento dos seus filhos entre "favorecidos" e "desfavorecidos" e contra a alienação de sua cultura e de seus gostos, voltados antes para a imitação e a admiração do estrangeiro do que para o amor esclarecido de suas próprias cousas; e a favor da integração de todos na pátria comum, com um mínimo de justiça social, a favor do desenvolvimento de sua cultura como cultura própria e autônoma e a favor da solução de suas contradições econômicas e sociais e da correção gradual de seus defeitos maiores, que passam a ser reconhecidos sem desprêzo, analisados com denôdo e vigorosamente combatidos.
Êsse movimento é, pois, acima de tudo uma mudança de mentalidade, um novo estado de espírito, uma emancipação, uma chegada à maioridade, uma afirmação de vontade afinal madura e superior: a plena consciência de um desígnio coletivo capaz de dar à nação coerência e de lhe dirigir a vida.
Nacionalismo e Escola - Mas, bastará isto? Tão importante, senão mais importante, terá de ser a transformação da escola brasileira, do nível primário ao superior, para fazê-la volver ao próprio país, ao estudo do Brasil, de sua língua, de sua história, de sua cultura e de seus problemas e das soluções que lhes estamos dando ou não lhes estamos dando. E isto é o que não vimos fazendo.
Com efeito. Da escola primária nem se pode falar, pois, reduzida a quatro anos de curso, ministrado em turnos de meio e um têrço de dia, mal chega a ensinar as técnicas fundamentais da cultura escrita. Na escola secundária, entretanto, já se afirmam gritantes os aspectos desnacionalizantes. A língua portuguêsa é ensinada no mesmo pé de igualdade de várias línguas estrangeiras e de uma língua morta. A importância da história do passado e do estrangeiro é infinitamente maior que o da história nacional. Na geografia, o mesmo. A cultura nacional, o desenvolvimento nacional, a história contemporânea do Brasil, ninguém poderá dizer que sejam estudadas na escola secundária brasileira. E não o são também na Universidade. Na Faculdade de Filosofia, a língua portuguêsa e a literatura brasileira são uma fração do departamento de línguas neolatinas. Um jovem pode formar-se sem tomar contacto com nenhum dos livros da imensa brasiliana, que já possui o país. Sem conhecer um só dos seus autores, pois não se pode considerar conhecê-los saber-lhes os nomes e um ou outro excerto antológico.
Com uma escola assim desnacionalizada e desnacionalizante, como esperar que a juventude se sinta esclarecida para conduzir, como vanguarda que é, o movimento nacionalista? Que admirar limite ela seu nacionalismo ao petróleo, que por mais importante que seja, não constitui senão simbòlicamente a emancipação nacional?
Esta emancipação não nos virá pelo petróleo, mas pelo homem brasileiro, infinitamente mais importante que o petróleo. Êste homem brasileiro é que será o construtor do Brasil. E quem o tem de formar será a escola brasileira.
A escola brasileira é que lhe irá ensinar a compreender o Brasil, mostrar-lhe a sua estrutura social em transformação, indicando-lhe os defeitos arcaicos e as qualidades novas em surgimento, dar-lhe consciência dos seus triunfos e dos seus característicos, com exaltação dos aspectos originais - a sua democracia racial, por exemplo - e crítica aos defeitos maiores: a insensibilidade, por exemplo, para com a imensa parcela ainda des-integrada da nação - os analfabetos, os miseráveis, a população rural que vegeta por êsse imenso país afora: o espírito de aproveitamento, que o estado de pobreza gera em todos que sobem à tona e escapam à desgraça de ser no país apenas povo, a corrupção generalizada que é, mais do que tudo, manifestação de alienação, de que o Brasil não é um bem comum, mas algo antes apropriado por privilegiados e hoje assaltado pelos que conseguem tomar um pouco das mãos de tais privilegiados e ganhar, dêste modo, o direito de também explorá-lo em seu próprio benefício.
Se o nacionalismo, concebido em seus aspectos negativos fôr a tomada de consciência dos que prejudicam o crescimento da nação, dos inimigos dêsse desenvolvimento, não há como não descobri-los tanto no interior quanto no exterior. E os inimigos do interior serão todos que explorem e roubam o Brasil, seja pelo ato francamente espoliativo, seja por dificultarem que os seus recursos públicos se apliquem com as prioridades, a eficiência e a justiça indispensáveis, a fim de que se integrem na pátria todos os seus filhos, dentro de um mínimo de igualdade e decência.
A primeira tomada de consciência, pois, será a tomada de consciência de nossa atual pobreza e a austeridade com que nos teremos de conduzir, para apressar essa integração.
Nacionalismo será assim antes de tudo uma aguda consciência de tôda e qualquer situação de privilégio, acompanhada do desejo real e profundo de reparar essa situação de privilégio com os sacrifícios necessários para para a correção da injustiça.
Como o entendo, o nacionalismo não corresponderá a nenhuma obsessão petrolífera, a nenhuma busca de bodes expiatórios no estrangeiro, mas a uma tomada de consciência do nosso atraso, à lúcida percepção de suas causas e à corajosa correção de tôdas as nossas atitudes, de todos os nossos comportamentos, que, de um ou outro modo, constituem as raízes dêsse subdesenvolvimento econômico, político, social e cultural.
Só a escola e uma escola verdadeiramente de estudo e de conhecimento do Brasil poderá mostrar-nos o caminho para êsse imenso esfôrço de emancipação nacional. Tal escola não poderá ser a escola privada mas a escola pública, pois só esta poderá vir a inspirar-se nessa suprema missão pública, a de nacionalizar o Brasil.
3. A Missão do Educador
Trechos do discurso de paraninfo da turma de 1959 da Faculdade Nacional de Filosofia, pronunciado em 19/12/1959.
O característico de uma verdadeira cultura "tradicional" é um estado de aceitação e integração social tão completo e perfeito que, de certo modo, dela não se pode ter consciência. "Culturas", nesse estado, transmitem-se espontâneamente, pelo exemplo, pela convivência, pior irradiação direta do contacto social.
Há muito em nossa cultura de hoje que se transmite ainda assim. Por essa transmissão cultural é que somos de nosso país, de nosso tempo, de nossa gente, de nossa classe. Não são necessárias escolas para que o indígena reproduza culturalmente o indígena, o francês, o brasileiro, o brasileiro e assim por diante.
A escola, e com ela o magistério, sòmente surgem quando a "cultura" passa a carecer de cuidados especiais para se reproduzir, ou seja, para guardar e conservar seus aspectos determinados e conscientes. Em rigor, a escola surge quando a cultura se faz assim intencional e voluntária e necessita de meios ou instrumentos artificiais cujo uso tem de ser "aprendido", para se reproduzir e se conservar sem alteração.
Vem daí que as primeiras formas conscientes de transmissão de cultura, ou seja, de escola, - vamos encontrá-las em cerimônias de iniciação ou rituais destinados a gravar e fixar, com a necessária incandescência, certas atitudes e comportamentos, reputados importantes senão indispensáveis à sobrevivência cultural.
Em contraste com a educação espontânea, a educação escolar, a escola, por mais rudimentar que seja, importa sempre em esfôrço consciente para conservar, para manter a identidade da cultura. O fato de assim buscar conservar-se revela já estar a cultura cônscia da possibilidade de ser modificada.
Que busca a escola conservar? As invenções mais caras ao espírito humano: imagens, visões, esboços de formulação consciente da própria cultura, encarnados nas simbolizações mais significativas, nos ritos, cerimônias, histórias, lendas e sagas; e, em período muito posterior, os próprios meios materiais de registro dessas experiências humanas, meios que culminaram, finalmente, na escrita.
De posse dêsses valores, em rigor espirituais, integrantes de sua cultura, um povo percebe quanto está aberta a possibilidade de sua modificação, seja pela perda dêsses valores conscientes, seja pela sua alteração ou renovação. A escola, criada para impedir a sua perda ou modificação, não pode deixar de sentir-se, ao mesmo tempo, instrumento de sua possível modificação. Contra isto é que atua o propósito consciente de inércia, que domina tôda sociedade, forçando a escola a se manter a mais conservadora das instituições, a instituição por excelência, de defesa do statu quo, (C 53 págs. 4/5.)
Conservantismo e Mudança - Nos últimos séculos, entretanto, por entre mil obstáculos e vicissitudes e vencendo o secular conservadorismo humano, vem medrando um novo tipo de civilização, a civilização industrial, fundada na ciência. Esporádica e acidentalmente, essa ciência sempre existiu entre os homens e outra não foi a fonte de seus instrumentos de trabalho, de ação e de fantasia. Criados porém tais instrumentos, esqueceram os homens o segrêdo de sua descoberta, quase sempre aliás acidental, e se fecharam num tradicionalismo inerte e cego. Só recentemente logrou o homem reformular êsse método milenar da descoberta pela experiência, dar-lhe a sistematização necessária e nêle fundar a própria sociedade.
Ao contrário da civilização anterior, que institucionalizara a não-modificação, a nova civilização institucionalizou a modificação. Somos, agora, uma civilização que muda de dia para dia e que se orgulha de mudar. Criou-se a "tradição" de mudar.
Não nos apressemos, contudo. Há mudança e mudança. lndagando-se dos guardiães de nossa sociedade se está ela mudando, responderão que mais do que nunca se fundam suas estruturas em "verdades eternas e imutáveis", tão sagradas que nada menos do que traidores serão os que pretenderem modificá-las.
Para conciliar com o espírito tradicional da velha estabilidade, as terríveis mudanças ocorrentes, costumam os homens admitir como área suscetível de mudar a que chamariam do "material", nada podendo ser mudado no campo do "espiritual". Em outras palavras, tudo pode mudar no campo da "natureza" e nada no campo do "homem" erguido êste a nível acima e fora da "natureza".
A realidade, entretanto, é que a chamada "ciência" nada mais é que a formulação, sistematização e extremo refinamento do processo imemorial e inconsciente do aprender por conhecimento e do saber e à sua luz modificar o comportamento humano. Modificações outrora puramente acidentais e depois conservadas religiosamente e mesmo à fôrça, primeiro pelo receio de perdê-Ias e, mais tarde, pelo receio de que se alterassem, passaram agora a ser promovidas sistemàticamente e com tal ímpeto, que o maior episódio de nosso tempo é o da competição entre as grandes nações da Terra na corrida de progressos e inovações.
Êste é o fato novo que lhes desejaria trazer hoje à lembrança. O método imemorial do conhecimento experimental atinge, enfim, a sua formulação definitiva e, pela primeira vez na história, é considerado suficientemente importante para dominar a atenção de todos os homens e sobretudo daqueles a quem a sociedade confiou a sua defesa e guarda.
Desde o comêço da história tiveram importância, sem dúvida, as invenções, mas já inventores não tinham tamanha importância e o "processo de inventar", nenhuma importância. A novidade dos dias de hoje é que o "processo de inventar" tem importância máxima. Aonde nos poderá levar isto, não está em nosso poder dizê-lo.
Qui custodiet custodes - Até hoje, com efeito, o ato de pensar - matriz, sem dúvida, de tôdas as invenções - foi, entre os homens, o mais vigiado de todos os atos. Os grandes violadores do pensamento convencional, todos os grandes inovadores foram sacrificados pelos "guardiães" do rebanho. E sobretudo eram mortos os que julgassem possível um novo pensamento religioso, moral ou político. Sócrates morreu porque julgou possível a dúvida, o problema, a questão, a pergunta. Jesus morre porque deseja substituir a "resposta" convencional por outra mais generosa. No sentido religioso e político até hoje não se escreveram documentos mais revolucionários do que os evangelhos, que nos dão conta de sua vida, sua mensagem, sua morte. A própria igreja católica, fundada, é verdade, mais na morte de Jesus do que em sua vida e mensagem, vê-se abalada nos seus alicerces quando um dos seus fiéis resolve iniciar um movimento pela leitura e interpretação independente dos evangelhos. Desencadeia o fato longo período de guerra civil na cristandade. Mas afinal as facções se recuperam e, de um lado e de outro, protestantes e católicos, restabelecem a tradição e passam a guardá-la com o mesmo zêlo antigo, protegidos pelo "braço secular" agora mais do Estado, ou seja do império, do que da própria Igreja.
Não me irei estender aqui na história antiga mas sempre comovente da repressão do impulso humano de rebeldia. Realmente é extraordinário que não tenha ainda morrido tal espírito. Costuma certa malícia muito velha da história, respondendo à sugestão do govêrno de Platão, indagar: "Qui custodiet custodes?" para significar que jamais poderá a humanidade confiar nos seus guardiães, ainda que filósofos, conforme a lembrança platônica, pois, quem os haveria de guardar? Bem sei que os guardiães podem corromper-se e tirar proveito de sua posição. Mas se interpretarmos a frase como dúvida sôbre a fidelidade de princípios dos guardiães, tôda a história humana a negaria, pois, nunca partiu deles a fagulha revolucionária e quando algum, dentre êles, a quis lançar foi prontamente destruído. Quem guardaria os guardiães? Êles próprios e seus interêsses na conservação do statu quo. De modo que a pergunta certa seria não quem guardaria os guardiães mas quem os despertaria, quem os impediria de guardar demais o que lhes tivesse sido confiado. Seja o sacerdote, seja o erudito, para indicar os dois mais significativos "guardiães" da história, nenhum dos dois precisa de ser guardado, pois guardarem-se guardam-se êles e com tal empenho e tamanho zêlo, que o difícil será arrancá-los da sua apaixonada complacência pelo que existir. (C 53 págs. 5 a 8.)
Um como intermezzo de liberdade marcou o período entre o século XVIII e o século XIX, mas, sobretudo o da segunda metade dêste último.
Nesse período, viveu, com efeito, a humanidade uma extraordinária experiência de liberdade de pensamento, talvez a maior da história. Quase se admitira a possibilidade de a liberdade vir a ser definitivamente institucionalizada. Grande número de constituições inscreveram o princípio em seus textos. Separaram-se as Igrejas dos Estados, proclamando-se que as crenças religiosas eram assuntos privados, em relação às quais o Estado apenas influiria no sentido de mantê-las livres. (C 53 pág. 8.)
As intolerâncias sòmente vieram a ressurgir já em nosso século, depois da primeira guerra mundial, anunciada pelos profetas que, tão significativamente, passaram a chamar de estúpido o século XIX. Até hoje persistem elas, agora dramatizadas nesse conflito entre duas teorias econômicas ou talvez apenas entre duas políticas hegemônicas, conflito a que se quer dar caráter religioso, senão teológico, como que para melhor lembrar o conflito que dividiu protestantes e católicos, nos primeiros séculos de nossa era.
De qualquer modo, vem êste conflito suprimindo o espírito de liberdade, que a humanidade prelibou no interlúdio do século XIX.
Será que estamos próximos a encerrar êsse ciclo de paixão e estreiteza? Há indícios de que sim. Talvez possamos esperar que a guerra civil, em que se acha mergulhada a espécie, venha, pelo menos, a perder a intensidade. Assim que tal se der, o espírito de liberdade voltará a florescer entre os homens. E a nossa tarefa, de mestres e professôres, poderá vir a ser a nova tarefa de transmitir não a tradição mas a revisão da tradição. Com os progressos efetivados, malgrado tudo, na arte de pensar - é certo que muito mais no chamado "mundo da natureza" do que no chamado "mundo do homem" - temos motivo de afirmar que nenhum de nós estará em condições de prever até onde poderá ir o pensamento humano.
Por menos que valham as analogias, é difícil evitar a comparação. Não será que estamos, neste fim do século XX, como outrora no século dezesseis, divididos entre conquistas incomensuráveis no campo do universo físico e uma melancólica luta político-religiosa? No século XVI, a contradição era entre as descobertas dos novos continentes, pelas quais ingressamos nós na história, e as guerras de religião; hoje seria entre as descobertas científicas, que definitivamente inauguram o processo pelo qual a miséria e a pobreza se tornarão tão obsoletas como os sacrifícios humanos do início da era neolítica e, do outro lado, a querela político-econômica entre dois processos de desenvolvimento social, que se desejam erguer ao nível de duas religiões. (C 53 págs. 9-10.)
Total liberdade de pensamento jamais houve na história. A liberdade que se registrou foi no pensamento escrito, e publicado em livros, pela simples razão, que os "guardiães" acabaram por aprender, de que os livros eram lidos por muito poucos, não constituindo assim perigo maior. Até hoje, no Brasil, por exemplo, goza-se de muito mais liberdade intelectual no livro do que na imprensa, no discurso ou na aula. (C 53 pág. 10. )
Temos uma grande tradição de mêdo e de conformidade e uma pequena e sempre viva tradição de rebeldia e de inconformidade.
Se a paz intelectual se restabelecer, a segunda tradição ganhará ascendência e, com os novos métodos, a nova disciplina e a nova segurança da arte de pensar poderemos marchar com ousadia e coragem, sem nos assustarmos nem assustar os demais. A velha timidez o os velhos receios já não terão de ser. Conheceremos melhor a arte, poderemos exercê-la com mais equilíbrio e os nossos semelhantes continuarão a vigiar-nos, não para nos punir mas para nos estimular. São êles que nos perguntarão pelas nossas descobertas. Já estamos assim no campo das ciências físicas. No campo do econômico, marchamos para estádio semelhante. Os novos métodos de pensar depressa chegarão aos demais setores. E serviremos, então, à sociedade na medida em que colaborarmos na marca dêsse pensamento humano, fôrça que afinal estamos aprendendo a usar e, que, por isso mesmo, haveremos de conquistar a liberdade de usar. Seremos, então, não apenas os guardiães do passado, mas os profetas, os videntes, os antecipadores do futuro e, no final de contas, os seus promotores. (C 53 pág. 11.)
Os educadores do Futuro - Estamos em marcha para nos organizarmos e produzir, no ritmo e com os métodos da civilização industrial, a fim de vencermos a miséria e o subdesenvolvimento. A nova civilização tem exigências educativas. A transformação é a mais radical que se pode conceber, até agora sòmente se encontrando em seus estádios avançados alguns poucos países globalmente industrializados.
Um dos mais profundos resultados dessa nova civilização é a menor importância da riqueza individual, porquanto passarão a ser acessíveis a todos as cousas que a riqueza costumava trazer aos ricos e que delas faziam um privilégio. É evidente que a riqueza perde, com isto, a sua motivação natural e, em rigor, está a caminho de se tornar obsoleta. Já imaginastes o que será uma sociedade em que a riqueza individual seja um mal a evitar? Ouso dizer que talvez não estejamos assim tão longe dêsse estádio.
E se isto vier a acontecer, pode-se bem prever o alargamento da tarefa educacional, da tarefa que afinal nos cabe de transmissores da cultura, de uma cultura, dia a dia, menos espontânea e mais artificial, especializada e complexa.
Cêrca de dois terços, se não mais, da humanidade, ainda vivem da mão para a bôca, no esfôrço duro e cruel da sobrevivência física. Se conseguirmos o contrôle dos nascimentos como já vamos conseguindo o contrôle da morte prematura e se a todos fôr dado o necessário para a vida material, as perspectivas que se abrem para o homem, serão não já as de cuidar da morte, mas as de tornar a vida interessante e significativa.
Até hoje o conseguimos, por mais paradoxal que isto possa ser, graças ao mêdo e a uma sombria economia da pobreza. Se conseguirmos a economia da abundância, que já se anuncia nos países desenvolvidos, teremos perdido aquelas fôrças, truculentas mas eficazes, que não deixam ao homem outra saída senão a educação e a disciplina. As necessidades da educação consciente e formal passarão daí por diante a ser muito maiores.
Êste é o desafio aos professôres de amanhã. Êste é o desafio que nos trazem os tempos presentes. Além do desenvolvimento econômico, em que estamos todos imersos, há uma extraordinária necessidade de desenvolvimento educacional. Sem desconhecer que essa educação, sob muitos aspectos, será uma educação que nos habilite a tomar sôbre os ombros a tarefa dos novos métodos e processos da produção material, cabe-nos não esquecer que êsse desenvolvimento traz consigo a necessidade de uma nova disciplina e um novo interêsse para o homem assim liberto dos mestres - trágicos, por certo, mas sem iguais - que eram, para êle, a necessidade e o mêdo.
A tarefa do educador, do mestre, do professor, longe de estar, como tantas outras, em declínio, é tarefa e missão que estão apenas a surgir. Não é só complexidade da cultura a transmitir que nos enche de temor e respeito, mas, sobretudo, o sentido de missão do nosso trabalho, pois, cabe-nos transmitir o gôsto e o hábito por uma cultura dominantemente consciente e mutável, em oposição à fácil cultura anterior, tôda ela inconsciente e uniforme.
Aliás êste é todo o perigo do nosso tempo.
A nova civilização, ora em vias de substituir a antiga civilização agrícola poderá, mais ainda do que esta, ser puramente mecânica e lançar o homem em estados jamais vistos de passividade, ou sua contrapartida, a excitação vazia. Sòmente educação e cultura poderão salvá-lo. A batalha educacional será a grande batalha do dia de amanhã.
Vencida a tarefa econômica, redimido o homem do seu invencível mêdo da pobreza e da necessidade, teremos a educação e a escola como o maior, o mais amplo, o mais crucial problema humano. (C 53 págs. 11 a 13.)
4. Lei e Tradição
Artigo publicado no Boletim informativo da CAPES, (54), maio de 1957.
A educação se faz no Brasil em obediência a prescrições legais minuciosas, que determinam a organização da escola, os seus currículos e, de certo modo, até os métodos de ensino. Não há uma tradição escolar, no sentido real da palavra, isto é, algo que seja um produto da cultura brasileira e que se imponha e resista à mudança. A tradição, se tradição há, é a tradição da lei. E como as leis vigentes, em sua grande maioria, foram produtos cerebrinos de determinadas pessoas, que detiveram, no período do Estado Novo, o poder legislativo, a tradição escolar brasileira é a tradição da legislação discricionária dêsse período.
Essa "tradição" legislativa se encarnou em uma burocracia, dominantemente federal, e se fêz, em virtude disto, uma "tradição" difícil de mudar, por estar sendo defendida, por assim dizer, pessoalmente, pelos seus detentores.
Agita-se o país em um grande debate, todos se inquietam e afligem com a imensa simulação educacional em que se transformou o sistema educacional da nação, mas nada se consegue mudar, porque a burocracia, que não participa do debate, diga-se de passagem, está vigilante e pronta para impedir qualquer mudança, em nome de uma tradição, que é, na realidade, a lei discricionária do Estado Novo, e de um poder, que é o de que essa lei a investiu e que não deseja perder.
Sociològicamente, essas leis do Estado Novo foram leis restauradoras das condições de poder pessoal, que os doutrinadores do Estado Novo julgavam mais conformes com as estruturas arcaicas da sociedade brasileira e, nesse sentido, seriam tradicionais e conservadoras.
Tôdas as ditaduras e todos os ditadores são profundamente imbuídos da idéia de salvação. Estão sempre a salvar alguma cousa. Na realidade, estão a salvar os seus preconceitos, os seus apriorismos, as peculiaridades de sua visão particular da vida nacional.
Polìticamente, entretanto, tôda essa legislação foi senão uma revolução, uma contra-revolução. O país, com efeito, estava, nas alturas da década de 30, em um grande processo de transformação. A experiência republicana e democrática deflagrava em 30 em uma revolução de nítido sentido político, visando à implantação definitiva de processos democráticos na sua vida política e, em conseqüência, em tôda a sua vida institucional. Foi uma revolução acima de tudo contra o poder pessoal, que, a despeito de nossas instituições republicanas, continuava a prevalecer na república.
Ao lado, pois, do arcaísmo da nossa estrutura semi-feudal, havia fôrças, no país, capazes de conduzir uma revolução vitoriosa e perfeitamente representativas de uma nova mentalidade, suscetível de inspirar não sòmente uma legislação democrática e republicana que, na realidade, já possuímos, mas o seu efetivo cumprimento. O Estado Novo foi a restauração contra-revolucionária do país arcaico. Tal restauração se fêz amplamente em todo o país, mascaradas até de revolução social, ajudada nisto pelo espírito da época, que considerava tôda intervenção estatal algo de revolucionário - mas foi sobretudo em educação que o espírito de restauração mais se afirmou, colorindo-se até de certo doutrinarismo filosófico, que se poupou a outros aspectos da restauração do poder pessoal.
Não se pode, assim, afirmar que a legislação do Estado Novo seja a legislação tradicional do país. Havia duas tradições em luta. A tradição republicana, com cêrca de 40 anos de experiência, cujas fôrças novas mas insistentes se fizeram vitoriosas em 30, e a tradição burocrático-personalista herdada da colônia e do império, vencida e destruída. A restauração desta última e mais velha tradição em 37 foi uma contra-revolução.
Essa contra-revolução resistiu tão-sòmente - e aqui cabe êsse tão-sòmente - oito anos, vencendo novamente o espírito da revolução de 30 em 45, quando se reimplantou a república democrática.
Tão vivaz, entretanto, é a fôrça da burocracia personalista, que ela hoje se faz a representante da tradição no país, em virtude da sua revivesvência por oito anos no período do Estado Novo. As dificuldades, como viemos a ver, da reconstrução educacional brasileira, partem sobretudo da burocracia ditatorial que se instalou na educação.
O que caracteriza o poder absoluto ou totalitário, como hoje se chama, máscara nova de algo de velhíssimo, não é a ausência da lei, mas amplitude da área de contrôle legal e o uso da autoridade administrativa unipessoal para impô-la. Os reis absolutistas sempre fizeram leis e alguns se diziam seus humildes servidores. O espírito de legalismo sempre foi o característico de tôdas as ditaduras. O que distingue o poder absoluto do poder democrático é a natureza de uma e outra lei e, sobretudo, a área de contrôle que ela - lei - reconhece como legítima, e a forma ou o modo do seu cumprimento.
A legislação do ensino brasileiro é, em essência, totalitária. São imposições federais de planos unitários de organização, currículos e métodos, invadindo a esfera não sòmente da iniciativa individual, reconhecida na Constituição, mas, a das atribuições expressas dos Estados e a da consciência profissional do professor. Sendo uma imposição, tem todos os característicos de cousa artificial, que só poderia ser executada com uma máquina policial eficiente, capaz de tornar a imposição efetiva. Como tal máquina, embora organizada, não tenha funcionado com a devida eficiência, o ensino sob o contrôle total do Estado, no Brasil, se fêz, em grande parte, uma simulação, expandindo-se, sabe Deus como, e cada vez mais, como um processo de validação legal da escolaridade brasileira. (C 33 págs. 1a 3.)
5. Liberdade, Uniformidade e Diversificação
Excertos da palestra pronunciada em 11/8/1952, na Associação Brasileira de Educação.
A minha tese é a de que a diversificação é a condição de florescimento das culturas, e a uniformidade, a condição de sua morte e petrificação. E isto me parece tão objetivo e exato que julgo do próprio interêsse dos que desejam conservar certos traços da cultura de um povo a promoção do processo de diversificação. Porque, como já disse, a diversificação age contra os sinais de decrepitude e estagnação, revitalizando os próprios tecidos culturais em processo de mortificação, provocada pela uniformidade e imutabilidade.
Tudo me leva a crer, sem o menor resquício de malícia, que o catolicismo brasileiro, por exemplo, muito teria a ganhar de um incremento do protestantismo entre nós, e o protentantismo, da multiplicação no país de maior número de suas diferentes seitas. O casamento católico e indissolúvel tudo terá, por sua vez, a ganhar com a introdução do divórcio. O que importa, na cultura de um povo, é o atrito, a oposição, pois êstes são os elementos que promovem o revigoramento e a vida de suas instituições e maneiras de ser.
Além da estagnação, a uniformidade promove, como conseqüência da petrificação cultural, antagonismos destrutivos da própria cultura. A perfeita unidade religiosa, por exemplo, promove a irreligiosidade, ou o radical ateísmo como única saída; a unicidade e rigidez institucional, como no caso do casamento único e indissolúvel, promove a fraude, a licença e a anarquia, agindo, portanto, não sòmente contra a diversificação, como contra os próprios traços culturais que se imagina poder defender e manter, graças à imposição de uniformidades e imobilidades. (A 7 págs. 6/7.)
A liberdade, não é, no Estado democrático, uma questão de ausência de limitação à liberdade individual. Não temos ilusões sôbre a possibilidade de uma liberdade individual absoluta. Sabemos que a vida humana é uma série de servidões, desde as biológicas até as sociais, dominadas tôdas elas pela servidão das servidões, que é a real impraticabilidade das nossas mais caras aspirações, num mundo dominado por alternativas e escolhas, cada uma delas destruindo a metade dos nossos desejos e frustrando-nos na outra metade. Sabemos tudo isto, e nos conformamos com uma liberdade individual relativa e sóbria.
Mas só nos conformamos porque conseguimos estabelecer um critério de legitimidade para as restrições que temos de sofrer, quanto à liberdade individual. Êste critério é o da necessidade da restrição à luz do conhecimento humano, do saber humano, do que chegamos a considerar verdadeiro ou aceitável. E o verdadeiro ou aceitável é o que assim foi definido pela ciência ou pela competência profissional.
A liberdade no Estado moderno consiste em não possuir êle o direito de dizer o que é essa verdade, mas deixá-la livre de manifestar-se entre os grupos profissionais que se fizerem competentes para defini-Ia. Êstes grupos profissionais, que constituem as grandes "corporações" do mundo moderno - as profissões liberais e magisteriais - é que definem, em cada setor, o que é verdadeiro ou aceitável, admitindo e promovendo, sempre entre os seus componentes, uma ampla liberdade de opiniões e de práticas divergentes. Os seus critérios de verdade são os delicados, relativos e sutis critérios da própria especulação humana - que criaram a consciência profissional do homem moderno, nas profissões, nas ciências e nas artes.
O Estado preside estas atividades, mas não as dirige. Ve-la para que sejam livres, garantindo a tôdas o exercício de suas atividades, mas não se substitui a elas. A institucionalização dessas profissões, que se faz, sob o patrocínio do Estado, representa a grande invenção do Estado moderno e livre, institucionalização que se consuma na Universidade autônoma. (A 7 págs. 17/18.)
6. O Cartório da Educação Nacional
Excertos do ensaio "A Administração Pública Brasileira e a Educação".
Tôda centralização, mesmo razoável, importa sempre em criar-se certa irresponsabilidade no centro e certa impotência na periferia. Mas, quando a centralização conduz à desintegração das unidades por ela atingidas, por isto que se separam as suas diferentes funções, que passam a órgãos centrais, por sua vez, independentes, como é o caso brasileiro, com a separação prática dos fins e dos meios, em tais casos não é só a irresponsabilidade do centro e a impotência do órgão atingido que se cria: cria-se na verdade, a real desintegração do órgão, que ainda parece existir, na sua aparência física, mas, de fato, já não funciona.
Transformou-se a educação em uma atividade estritamente controlada por leis e regulamentos e o Ministério da Educação e as Secretarias de Educação em órgãos de registro, fiscalização e contrôle formal do cumprimento de leis e regulamentos. A função dêsses órgãos é a de dizer se a educação é legal ou ilegal, conforme hajam sido ou não cumpridas as formalidades e os prazos legal e regularmente fixados.
De tal sorte a educação do brasileiro, que é um processo de cultura individual, como seria o processo do seu crescimento biológico, passou a ser um processo formal, de mero cumprimento de certas condições externas, que se comprova mediante documentação adequada.
E foi êste fato que transformou o Ministério da Educação, durante o período estado-novista, no organismo central de contrôle e fiscalização da educação, em tudo equivalente a um cartório da educação nacional. Alí se registra e se "legaliza" a educação ministrada aos brasileiros. É o cartório e o contencioso da educação nacional, atuando mediante autos de processos, e prova documental, concedendo o direito de educar e fiscalizando o cumprimento da lei nas atividades públicas e particulares relativas ao ensino. (A 7 págs. 118/119.)
A legislação de tipo uniforme e a uniformização dos métodos e processos de contrôle, por um lado, e a centralização dos serviços de pessoal e material, por outro lado, determinaram a completa burocratização do Ministério da Educação, que se fêz um atravancado cartório de registro de centenas de milhares de documentos educativos e um ineficiente administrador das poucas escolas, que ainda mantém (A 7 págs. 119/120.)
Nos Estados, a situação é mais grave, por isto mesmo que há grandes serviços educacionais, com milhares de escolas públicas. Tais escolas, quando puramente estaduais, encontram-se sob o contrôle de um govêrno unificado, como o federal, isto é, transformado todo êle em uma só repartição com serviços à parte e centrais de pessoal e material, o que torna pràticamente impossível a administração individual de cada escola.
Na parte dos métodos e conteúdo do ensino, o mesmo espírito unificante prevalece, tudo sendo determinado pelo centro, segundo normas rígidas uniformes.
Quando a escola, além dêsse contrôle central do Estado, está ainda sujeita à legislação federal, passa a funcionar em obediência a instruções ainda mais distantes, as instruções federais, e a ter pràticamente, uma dupla direção - a do diretor estadual e a do fiscal federal.
A transformação de tôdas as escolas em uma só escola monstruosa, com secções espalhadas por todo o Estado, um quadro único de pessoal e distribuição uniforme de material, só por si destruiria, como já disse, a individualidade de cada escola, mas, além disto, as escolas têm todo o seu trabalho uniformizado e controlado por órgãos administrativos centrais e órgãos técnicos centrais, que acabam por lhes destruir mesmo a aparência de integridade.
Com efeito, o fato de haverem perdido a autonomia quanto a pessoal e material inicia a desintegração da escola. Esta desintegração se completa com a supressão da autonomia quanto ao ensino, sua seriação, métodos e exames. Levada a ordenação externa da escola até êste ponto, é evidente que nada restará senão o automatismo de diretores e mestres, a executar o que não planejaram, nem pensaram, nem estudaram, como se estivessem no mais mecânico dos serviços. (A 7 - pág. 120. )
7. Transplantação de Padrões Educacionais
Da palestra "A Crise Educacional Brasileira", pronunciada no Curso de Administração da Fundação Getúlio Vargas.
Não poderemos analisar com justeza a situação escolar brasileira presente, sem antes considerar que o nosso esfôrço de civilização constituiu um esfôrço de transplantação, para o nosso meio, das tradições e instituições européias, entre as quais as tradições e instituições escolares. E a transplantação não se fêz sem deformações graves, por vêzes fatais. Como a escola foi e será, talvez, a instituição de mais difícil transplantação, por isto que pressupõe a existência da cultura especializada que busca conservar e transmitir, nenhuma outra nos poderá melhor esclarecer sôbre o modo por que se vem, entre nós, operando a transplantação da civilização ocidental para os trópicos e para uma sociedade culturalmente mista.
O defeito original, mais profundo e permanente, de nosso esfôrço empírico de transplantação de padrões europeus para o Brasil, estêve sempre na tendência de suprir as deficiências da realidade por uma declaração legal de equivalência ou validade dos seus resultados. Com os olhos voltados para um sistema de valores europeus, quando os não podíamos atingir, buscávamos, numa compensação natural, conseguir o reconhecimento, por ato oficial, da situação existente como idêntica à ambicionada. Aplicávamos o princípio até a questões de raça, como o comprovam os decretos de branquidade, dos tempos coloniais. (A 7 - págs. 26/27.)
A divisão aceita tàcitamente ou nem sequer discutida entre uma diminuta classe dominante e um grande povo analfabeto e deseducado, segundo os padrões convencionais, permitia essa dualidade que nos dava o aspecto de teatro, personificando alguns um elenco "representativo", no palco da nação supostamente civilizada, e estendendo-se, pelo imenso território nacional, silenciosa e bestificada, a grande platéia.
Nas últimas décadas, porém, houve desenvolvimentos, camadas sociais se misturaram, parte da massa popular se incorporou à nação, e já não podemos apenas "representar" de país civilizado. Temos de ser um país civilizado. As instituições "transplantadas" não se podem conservar como instituições simbólicas e aparentes, mas têm de se fazer efetivas, extensas e eficazes, sob pena de não atenderem às imposições do real desenvolvimento brasileiro.
É a conjuntura em que nos encontramos. O progredir ou perecer de Euclides da Cunha está hoje superado. Progredimos... e pereceremos se não nos organizarmos em condições de poder suportar e dirigir o próprio progresso. E a organização de que aqui falamos não é a de nenhum plano racionalizante, mas de adaptação de nossas instituições à realidade nacional, para que elas não sejam fictícias nem inadequadas, mas os instrumentos eficazes da solução de nossos realíssimos problemas. Devemos reexaminá-las tôdas, à luz do nosso conhecimento atual das condições brasileiras, a fim de conduzi-Ias para melhor atenderem aos seus objetivos, na sociedade brasileira, unificada em todo o país. Temos de sair de um estado de ficção institucional para o da realidade institucional, integrando a nação real em suas instituições assim tomadas reais. (A 7 - págs. 27/28.)
A escola, como instituição de cultura, não era realmente exigida e imposta pelo meio brasileiro; representava, antes, um esfôrço para elevá-lo ao nível de outros meios, de que desejávamos copiar os padrões. Assim, ao ser criada, apresentava algo de semelhante ao modêlo que se queria transplantar, mas, logo depois, entrava a se deformar e a se reduzir às condições do ambiente. A luta para mantê-la ao nível inicial, permanente e incessante, era vencida pela tendência inevitável para se deteriorar.
Os analistas de nossas escolas sempre assinalaram um impasse: como construir um sistema escolar para uma nação, cuja aspiração de progresso o requer, mas cuja situação real não o determina? Precisávamos de educação. Mas, as condições existentes não nos haviam preparado para a espécie de educação de que dispúnhamos, isto é, copiada de modelos alienígenas, sobretudo europeus. A escola, assim, não podia fugir a certo aspecto irreal, se não absurdo, no melhor dos casos, e, nos demais, paternalista, assistencial e salvador.
A nossa velha tendência nativa para a revalidação, para a transformação da realidade por declaração oficial, exercida a princípio contra a metrópole, para forçá-la a reconhecer-nos virtudes ou qualidades, passou a se exercer contra nós mesmos, ou pôr uns contra os outros.
O legislador, possuído, também êle, do velho vício metropolitano, entrou a fixar condições e padrões para a educação, tomado do susto de que os nativos, entregues a si mesmos, fizessem da escola algo de reprovável. Fora dessas condições, não haveria educação. O govêrno federal tomou, assim, rigorosamente, as antigas funções da metrópole. E os colonizados, como todos os bons colonizados, entraram a lograr os colonizadores, obtendo o "reconhecimento" para os seus colégios, fôssem quais fôssem as suas deficiências, mediante o cumprimento formal dos prazos e demais exigências estabelecidas.
Está claro que nada disso se poderia dar se a educação fôsse um processo de preparação real para a vida, pois, então, de nada valeria burlá-lo. Mas, como a escola se fêz, muito mais que preparação, um processo de validação, pelo qual nos assegurávamos de um título legal de educado, com tôdas as vantagens daí decorrentes, a simulação se tornou não sòmente possível mas até frutuosa. (A 7 - págs. 29/30.)
8. Bases para a Reforma Educacional
Da Palestra "A Crise Educacional Brasileira" pronunciada no Curso de Administração da Fundação Getúlio Vargas.
Existem diversas fôrças e tendências em jôgo na crise educacional vigente. Insistamos nas duas principais, que se contrapõem, com interações que difìcilmente podem redundar num equacionamento feliz.
De um lado, temos o desejo positivo da população por mais educação escolar e a imposição das necessidades de local e de tempo para que essa educação seja melhor, mais eficiente e variada, para as múltiplas ocupações de uma sociedade já em parte industrial e complexa. De outro, temos a nossa pobreza de recursos a buscar, por uma falsa filosofia da educação, fundada em resíduos de uma teoria de treino da mente por estudos abstratos ou livrescos, reduzir a escola a turnos excessivamente curtos e o programa a pobres e disparatados exercícios intelectuais, transformando uma e outra em puro formalismo ou farsa, que pouco diverte e não sei se a alguém ainda pode iludir.
Como resultado, temos a escola com o máximo de quatro horas diárias, a funcionar em turnos (dois e até três), tanto no nível primário quanto no secundário e até no superior. O professor acumulando, ou várias funções, ou várias escolas. E o aluno dividindo o seu tempo em estudo e abandono, na escola primária, e estudo e emprêgo nas demais escolas, embora servindo mal a ambos.
Sòmente essa redução de tempo e as condições de trabalho do professor seriam suficientes para que a nossa escola não pudesse ser eficiente. Agravam, porém, ainda mais a situação as confusões pedagógicas, as deformações dos moldes mal copiados de educação acadêmica e intelectualista, esta, aliás, servindo de explicação para o funcionamento da escola nas condições em que funciona.
Com efeito, para que a escola pudesse reduzir as suas atividades ao tempo escasso com que conta e conformar-se com o professor apressado e assoberbado que a serve, foi necessária a adoção de objetivos os mais simplificados possíveis. A escola, assim, visa tão-sòmente, inculcar alguns conhecimentos teóricos ou noções simplòriamente práticas. Não forma hábitos, não disciplina relações, não edifica atitudes, não ensina técnicas e habilidades, não molda o caráter, não estimula ideais ou aspirações, não educa para conviver ou para trabalhar, não transmite sequer sumárias, mas esclarecidas noções sôbre as nossas instituições políticas e a prática da cidadania. A escola ministra em regra conhecimentos verbais, aprendidos por meio de notas, que se decoram, para a reprodução nas provas e exames, revivendo até a apostila ou a "sebenta"!
Assim simplificada, pôde expandir-se e está ainda a expandir-se numèricamente, em todos os níveis, reduzindo o período escolar e o conteúdo do ensino a um mínimo, insuficiente não só em quantidade, como em qualidade, pois o pouco que é aprendido não o é realmente, em virtude dos métodos defeituosos de aprendizagem e as escamoteações desta mesma aprendizagem.
Premidos, pois, pela necessidade de expandir as facilidades de educação, estamos a ludibriar a sêde popular de escola com essa inflação de deficientes, más e péssimas escolas, que ameaça corromper todo o sistema educacional.
Não há para a conjuntura nenhum remédio fácil nem imediato. Temos de encarar a situação em sua totalidade e dar início a um movimento de contramarcha na pior das tendências que apontamos, atendendo ou orientando a melhor da melhor forma possível, mobilizando esforços, recursos e cooperações as mais diversas para o mesmo fim.
Uma súmula de providências, tendo em vista meios e fins, ao nosso ver se impõe e aqui a sugerimos, como um esbôço:
Primeiro, descentralizar administrativamente o ensino, para que a tarefa se torne possível, com a distribuição das responsabilidades pela execução das medidas mais recomendáveis e recomendadas;
Segundo, mobilizar os recursos financeiros para a educação, de forma a obter dêles (de todos êles, em cooperação e conjugação) maiores resultados. Sugerimos a constituição, com as percentagens previstas na lei magna da República, de fundos de educação - federal, estaduais, e municipais; êstes fundos, administrados por conselhos organizados com autonomia financeira, administrativa e técnica e todos os podêres necessários para a aplicação dos recursos, inclusive no pagamento de empréstimos e planos de inversões; e os quadros do pessoal e do magistério locais e com tabela de vencimentos locais, permitindo, assim, a adaptação da escola às condições econômicas de cada localidade;
Terceiro, estabelecer a continuidade do sistema educacional, com a escola primária obrigatória, o ensino médio variado e flexível e o ensino especializado e superior rico e seletivo;
Quarto, prolongar o período escolar ao mínimo de seis horas diárias, tanto no primário quanto no médio, acabando com os turnos e só permitindo o ensino noturno, como escolas de continuação, para suplementação da educação;
Quinto, alterar as condições de trabalho do professor proporcionando-lhe novas bases de remuneração, para não lhe reduzir o período de influência aos escassos minutos de aula. Tôda educação é influência de uma pessoa sôbre outra, demanda tempo, e nas condições atuais não há tempo para se exercer tão imprescindível influência;
Sexto, eliminar todos os modelos e imposições oficiais que estão a produzir efeitos opostos aos previstos, servindo até como justificativa para o mau ensino - como é o caso dos programas oficiais, dos livros didáticos aprovados e do currículo rígido e uniforme;
Sétimo, permitir que os dois primeiros anos do curso secundário se façam, complementarmente, nos bons grupos escolares, com auxílio dos melhores professôres primários e redução do número dêsses professôres a 4 ou, no máximo, 5
Oitavo, estabelecer o exame de estado para a admissão; ao primeiro ano ginasial; ao terceiro ginasial; ao primeiro colegial e ao colégio universitário, mantido o vestibular para a entrada na universidade;
Nono, dividir o curso superior regular em dois ciclos - o básico e o profissional, autorizando nas escolas novas ou sem recursos adequados, apenas o curso básico, e exigindo o exame de estado para a entrada no curso profissional e nos de pós-graduação;
Décimo, facultar no ensino superior a constituição de cursos variados de formação, em diferentes níveis, de técnicos e profissionais médios, prevendo sempre a possibilidade de poderem os assim diplomados continuar, ulteriormente, os estudos e terminar os cursos regulares.
Tôdas essas medidas seriam acompanhadas, em sua execução, por um vasto movimento de inquérito, graças ao qual se esclarecessem devidamente os objetivos a alcançar, se revelassem as deficiências e se corrigissem os erros e os maus resultados, e por uma campanha de renovação de métodos, aperfeiçoamento dos professôres e melhoramentos dos livros didáticos, do material de ensino, dos laboratórios, dos prédios e de tudo mais que completa o universo escolar.
Para tudo, impõe-se a reforma radical das leis e do aparelhamento administrativo do ensino. (A 7 - págs. 41/45.)
9. Municipalização do Ensino
Da palestra "A Crise Educacional Brasileira", pronunciada no Curso de Administração da Fundação Getúlio Vargas.
Julgamos que é chegada a ocasião para "municipalizar" a escola pública, entregando-a ao município, que a manterá com os recursos do Fundo Escolar Municipal, constituído pelos 20% de sua receita tributária, acrescido da quota do Estado e de possível quota federal.
Essa descentralização da administração e manutenção das escolas irá, antes de mais, ligá-las melhor à comunidade local e, dêsse modo, vitalizá-las, tornando-as responsáveis perante a comunidade e essa, por sua vez, responsável pelas suas escolas. A seguir, irá permitir, com os seus quadros locais de magistério e pessoal, o custeio desigual das escolas, adaptando-as aos recursos do seu fundo municipal.
Teremos, assim, possibilidades de proporcionar as despesas com a educação aos recursos de fato existentes, tornando possível a existência de escolas com diversidade de custeio e manutenção. O princípio da aplicação dos recursos deverá basear-se na população escolarizável, isto é, a população em idade escolar e suficientemente concentrada para permitir a criação da ou das escolas correspondentes. Recenseada ou estimada essa população, os recursos do Fundo serão divididos pelos alunos potenciais e a quota assim achada constituirá a medida ou o limite do custeio das escolas. Dever-se-á criar um sistema escolar em que o custo por aluno não seja superior àquela quota, na qual deverão ser incluídos o custo da administração, do material do prédio e do professor. Para tanto deve ser previsto, em lei, que o Fundo Escolar será aplicado nas seguintes proporções: 60% no pagamento ao magistério, 20% em material didático e conservação do prédio, 15% em construção ou ampliação dos prédios e 5% na administração escolar.
O órgão de administração das escolas, em cada município, deve ser um conselho escolar local, constituído, inicialmente, por nomeação do Prefeito, dentre pessoas representativas da sociedade local e de boa reputação. Uma vez constituído, o conselho se renovará, cada dois ou três anos, por um têrço, mediante lista tríplice de nomes indicados pelo próprio conselho e de nomeação do Prefeito.
Além das limitações legais da aplicação do Fundo Escolar, o Conselho, ao qual compete a nomeação do pessoal do ensino, só poderá escolher para as funções de ensino, de administração ou de serviço, pessoas devidamente licenciadas pelo Departamento Estadual de Educação.
Êste Departamento, libertado dos deveres administrativos, terá a seu cargo a expedição de certificados ou licenças para o exercício do magistério e de todo o pessoal que servir no ensino municipal. Mediante êsse poder, terá o Estado assegurado condições de aperfeiçoamento crescente do magistério e de todos os demais servidores da educação. Mas, não é só. Como o fundo escolar municipal será constituído dos recursos do município, acrescido da quota por aluno que o Estado lhe destinará, o Departamento Estadual se reserva o orçamento municipal da educação, exercendo, dêsse modo, um segundo poder de contrôle.
A lei estadual de educação que fixará essa organização deverá, mais ainda, estabelecer o direito de intervenção do Estado sempre que o Conselho Escolar Municipal se afastar de qualquer dos seus deveres em relação à aplicação do fundo escolar.
Já se está a perceber que o Departamento Estadual de Educação deverá ter organização similar ao do órgão municipal de educação. Haverá um Conselho Estadual de Educação, que administrará o Fundo Escolar Estadual, constituído dos 20% da receita tributária do Estado, e nomeará o pessoal do Departamento, cujas funções serão as de fiscalizar o funcionamento dos Conselhos dos Municípios, expedir os certificados de licença para exercer o magistério e a administração escolar, em todos os seus aspectos, e prestar aos municípios assistência financeira e técnica no desempenho de sua responsabilidade de manter a educação pública e fiscalizar a privada.
Ao Govêrno Federal competirá, por sua vez, elaborar a lei de bases e diretrizes da educação nacional - lei complementar da Constituição - e velar pela sua execução em todo o país, por um sistema de assistência financeira e técnica, por meio da qual se efetivará a sua ação supletiva.
Do ponto de vista administrativo assim ficaria estabelecido o sistema do ensino público e privado em todo o país, para o efeito de se facultar a tôdas as localidades a constituição de suas escolas, reais e não fictícias, modestas mas não falseadas, naturais no sentido de legítimas e não de bastardas, autênticas e progressivas, refletindo os progressos efetivos de cada comunidade e nêles se refletindo, por êles influídos e nêles influentes. (A 7 - págs 46 a 48.)
10. Reavaliação do Ensino Brasileiro
Da exposição feita por ocasião da posse na direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.
O ensino brasileiro, por isto mesmo que era um ensino quase que só para a camada mais abastada da sociedade, sempre tendeu a ser ornamental e livresco. Não era um ensino para o trabalho, mas um ensino para o lazer.
Cultivava-se o homem, no melhor dos casos, para que se ilustrasse nas artes de falar e escrever. Não havia nisto grande êrro, pois a sociedade achava-se dividida entre os que trabalhavam e não precisavam educar-se e os que, se trabalhavam, era nos leves e finos trabalhos sociais e públicos, para o que apenas se requeria aquela educação.
Quando a educação, com a democracia a desenvolver-se, passou a ser não apenas um instrumento de lustração, mas um processo de preparação real para as diversas modalidades de vida da sociedade moderna, deparamo-nos sem precedentes nem tradições para a implantação dos novos tipos de escola. Cumpria criar algo em oposição a tendências viscerais de uma sociedade semifeudal e aristocrática, e para tal sempre nos revelamos pouco felizes, exatamente por um apêgo a falsas tradições, pois não creio que se possa falar de "tradições" coloniais, escravocratas, feudais num país que se fêz livre e democrático.
De qualquer modo, a nossa resistência aos métodos ativo e de trabalho sempre foi visível na escola primária, que, ou se fazia escola apenas de ler, escrever e contar, ou descambava para um ensino literário, com os seus miúdos sucessos de crianças letradas. No ensino chamado profissional, entretanto, é que mais se revelava a nossa incapacidade para o ensino prático, real e efetivo. Êste ensino, porque não podia confinar-se ao livresco e verbalístico, não vingava, oferecendo as suas escolas um espetáculo penoso de instituições murchas e pêcas. Só o ensino secundário prosperava, porque aí as tendências nacionais julgavam poder expandir-se, sem a consciência penosa de uma frustração. O ensino superior, embora todo êle de objetivos profissionais, mascarava o seu real academicismo com umas fantasias experimentais menos concretas do que aparatosas.
Todo o ensino sofria, assim, dessa diátese de ensino ornamental: no melhor dos casos, de ilustração e, nos piores, de verbalismo ôco e inútil. (A 7 - págs. XI a XII.)
Na escola primária - que era a melhor escola brasileira, apesar de todos os pesares - a redução dos horários e a volta aos métodos tradicionais transformaram-na em má escola de ler e escrever, com perda sensível de prestígio social, eficiência e alcance, decorrente de não se haver articulado com o ensino médio e superior e de não mais satisfazer às necessidades mínimas de preparo para a vida.
A escola secundária multiplicou-se, quase diríamos ao infinito. Como escola de passar uma classe social para outra, fêz-se a "escola brasileira". Aí é que a exacerbação de uma falsa filosofia de educação e todos os velhos defeitos de nossa pedagogia passaram a reinar discricionàriamente. Como a primária, organizou-se em turnos, reduzindo o período escolar a meio dia, e, à noite, a um têrço de dia. Improvisou professôres. Sem sequer possuir a modesta pedagogia da escola primária, não a inquietou nenhuma agulhada de consciência na prática dos métodos mais obsoletos de memorização, da simples imposição de conhecimentos inertes e do formalismo das notas e dos exames. Fêz crescer uma indústria de livros didáticos fáceis e fragmentados, "de acôrdo com o programa", e reentronizou o passar no exame como finalidade suprema e única da tortura, meio jocosa, meio trágica, que é o nosso atual ensino secundário. Num país em que a iniciativa privada foi sempre reticente ou apática, para tudo que custa esforços e não remunera amplamente, fêz-se o ensino secundário um dos campos prediletos dessa iniciativa.
Mas, não fica aí a conseqüência da nossa perda de resistência aos imediatismos de povo sem verdadeiras e firmes tradições educacionais. Passamos agora a "facilitar" o ensino superior, estamos dissolvendo-o, que a tanto importa a multiplicação numérica e irresponsável de escolas dêsse nível. Temos mais de 300 escolas superiores, mais de vinte faculdades de "filosofia, ciências e letras", e outras tantas faculdades de "ciências econômicas", isto para sòmente citar escolas de que não possuíamos nenhuma experiência até uns quinze anos passados. E os processos de "concessão" continuam, tudo levando a crer que o episódio do ensino secundário se vai repetir, no campo mais alto do ensino superior. O espírito é o mesmo que deu em resultado a inflação do ensino secundário: o espírito da educação para o exame e o diploma, do ensino oral, expositivo, com o material único dos apontamentos, nosso ridículo sucedâneo das sebentas coimbrãs.
Está claro que tal educação não instrui, não prepara, não habilita, não educa. Por que, então, triunfa e prospera? Porque lhe restam ainda duas saídas, sem esquecer a singular versatilidade brasileira, que nos torna capazes de passar por cima de deficiências educacionais as mais espantosas.
As duas saídas têm sido e são ainda: a alargada porta da função pública e as oportunidades também ampliadas da produção brasileira, uma e outras sem maiores exigências ou padrões de eficiência. Com êsse aumento quantitativo das chances de emprêgo, público e particular, e o baixo índice de produtividade do brasileiro, em qualquer dos dois campos, pagamos a nossa ineficiência, senão simulação educacional. É por aquêle preço - parasitismo do emprêgo público e baixa produtividade, isto é, alto custo da vida - que conseguimos fechar o ciclo e impedir, dêste modo, a rutura do equilíbrio. Enquanto o nosso crescimento quantitativo se fizer com a aceleração presente e a aceitação de elementos de qualquer ordem para o preenchimento das nossas necessidades impedir a exigência de melhores requisitos, os serviços educacionais brasileiros continuarão a ser o que são, ajudados pela válvula de segurança do emprêgo fácil para os seus produtos de segunda ordem.
Há, entretanto, sinais de que estamos chegando a um momento crítico. O número de pseudo-educados já está transbordando das possibilidades de absorção. Isto já se evidencia, claramente, nos exames vestibulares das escolas superiores e nos concursos para cargos públicos e privados. (A 7 - págs. XIV/XV.)
Teremos, pois, de dar início a um movimento de reverificação e reavaliação de nossos esforços em educação.
Não podemos continuar a crescer do modo por que vamos crescendo, porque isto não é crescer, mas dissolver-nos. Precisamos voltar à idéia de que há passos e etapas, cronològicamente inevitáveis, para qualquer progresso. Assim é que não podemos fazer escolas sem professôres, seja lá qual fôr o nível das mesmas, e, muito menos, ante a falta de professôres, improvisar, sem recorrer a elementos de um outro meio, escolas para o preparo de tais professôres. Depois, não podemos fazer escolas sem livros. E tudo isto estamos fazendo, invertendo, de modo singular, a marcha natural das cousas. Como não temos escolas secundárias por nos faltarem professôres, multiplicamos as faculdades de filosofia, para as quais, como é evidente, ainda será mais frisante a falta de professôres capazes. Se não podemos fazer o menos, como havemos de tentar o mais? Para restabelecer o domínio dêste elementar bomsenso, em momento como o atual, em que a complexidade das mudanças impede e perturba a visão, são necessários estudos cuidadosos e impessoais. (A 7 - págs. XVI/XVII.)
A educação nacional está sendo, todos os dias, por leigos e profissionais, apreciada e julgada. Os métodos para êstes julgamentos resumem-se, entretanto, nos da opinião pessoal de cada um. Naturalmente, os julgamentos hão de discordar, mesmo entre pessoas de tirocínio comprovado. Temos que nos esforçar por fugir a tais rotinas de simples opinião pessoal, onde ou sempre que pudermos proceder a inquéritos objetivos, estabelecendo os fatos com a maior segurança possível, teremos facilitado as operações de medida e julgamentos válidos. Até o momento, não temos passado, de modo geral, do simples censo estatístico da educação. É necessário levar o inquérito às práticas educacionais. Procurar medir a educação, não sòmente em seus aspectos externos, mas em seus processos, métodos, práticas, conteúdos e resultados reais obtidos. Tomados os objetivos da educação, em forma analítica, verificar, por meio de amostras bem planejadas, como e até que ponto vem a educação conseguindo atingi-los.
Cumprir-nos-á, assim e para tanto, medir o sistema educacional em suas dimensões mais íntimas, revelando ao país não apenas a quantidade das escolas, mas a sua educacional em suas dimensões mais íntimas, revelando a que chegam ao nível primário, no secundário e mesmo no superior. Nenhum progresso principalmente qualitativo se poderá conseguir e assegurar, sem, primeiro, saber-se o que estamos fazendo.
Tais inquéritos devem estender-se aos diferentes ramos e níveis de ensino e medir ou procurar medir as aquisições dos escolares nas técnicas, conhecimentos e atitudes, considerados necessários ou visados pela escola.
Enquanto assim não procedemos, não poderemos progredir nem fazer recomendações para qualquer progresso, que não sejam de valor puramente individual ou opinativo. (A 7 - pág. XVIII. )
Ao aplicar métodos objetivos e, quando possível, experimentais, não devemos, com efeito, perder de vista o sentimento profundo do caráter provisório do conhecimento, mesmo quando ou, talvez, sobretudo, quando científico. A ciência não nos vai fornecer receitas, para as soluções dos nossos problemas, mas o itinerário de um caminho penoso e difícil, com idas e voltas, ensaios e verificações e revisões, em constante reconstrução, a que não faltará, contudo, a unidade de essência, de fins e objetivos, que estará contida não só em nossa constituição democrática, como na consciência profissional, que pouco a pouco se irá formando entre os educadores. Será por êste modo que melhor nos deixaremos conduzir pelo método e espírito científico. (A 7 - pág. XIX.)
11. A Escola que o Brasil requer
Trechos do artigo "Por uma Educação Comum do Povo Brasileiro" - Diário de Minas, Belo-Horizonte, 27/8/1958.
O característico dos sistemas modernos de educação é o de que realizam êles, primeiro, uma grande educação comum para todos, elevando o nível geral de educação de todo o povo, para, sôbre esta base, erguer o corpo de especialistas e sábios que não dirigem, mas, servem à massa de trabalhadores educados que governam - pelo voto - e constróem a nação.
Os sistemas escolares antigos sempre foram sistemas de educação de uma elite. Tôda importância e tôda a razão de ser do sistema estava em preparar aquêle pequeno grupo de excepcionais, destinados a dirigir e servir à nação. Mesmo quando se alarga a base de escolha, aumentando as escalas de nível primário e médio, ainda não se mudou a filosofia da educação do sistema: as escolas primárias e médias são mais numerosas, mas o seu fim é o mesmo fim propedêutico de permitir um maior número de candidatos à educação superior.
Esta é, exatamente, a fase que estamos a viver na educação nacional. Expandimos o sistema, ampliamos o número das escolas, mas não cuidamos de sua seriedade nem de sua eficiência, pois, o seu fim não é educar o povo mas selecionar um número maior de candidatos à única educação que conta em um país ainda dividido, bifurcado em elite diplomada e massa ignorante. A ampliação do sistema é uma simples ampliação quantitativa, sem a reconstrução que se impõe, da escola e dos seus objetivos.
Há que virar pelo avêsso a nossa filosofia da educação. A escola primária tem de ser a mais importante escola do Brasil, depois, a escola média, e depois, a escola superior.
Se estivéssemos em qualquer outro período da história, com a sociedade organizada na base de camponeses ignorantes, artesãos autodidatas e uma elite governante, não precisaríamos, sem dúvida, senão de escolas superiores, servidas por escolas preparatórias de nível primário e médio. As escolas não precisariam ter outro fim senão o de preparar o pequeno ou grande grupo de especialistas, indispensável ao manejo dessa sociedade dual de governantes e súditos. A reforma de educação do Marquês de Pombal seria perfeitamente adequada a essa fase da nação.
Outra cousa e muito diversa é a preparação de uma nação moderna, com o trabalho agrícola avançado e técnico, com a produção mineira e fabril em fase de industrialização crescente e com os serviços de transportes, de comunicação, de assistência médica e social, de educação, de justiça, etc., elevados a níveis consideráveis de especialização e de complexidade. Tal sociedade se faz tôda ela tecnológica, exigindo para o seu funcionamento um nível escolar considerável para tôda a população, sem falar no direito democrático de se governar pelo sufrágio universal.
É diante disto que se faz necessário um exame de consciência. Que estamos fazendo com as nossas escolas? Que espetáculo é êste de escolas primárias de dois, três e quatro turnos, reduzido o seu dia escolar a 4, 3 e 1 hora e meia, visando tão-sòmente o preparo para um sumário exame de admissão à escola média? E a escola média - que é ela senão uma passagem, em que a maioria, aliás, naufraga, para o paraíso da escola superior ? E a escola superior, com alunos já cobertos de obrigações de trabalho e professôres, em sua maioria de tempo parcial, que está sendo ela senão um ritual - penoso e esterilizante, é certo - mas ritual para a consagração pomposa do diploma e da graduação?
Diante disto, que nos cumprirá fazer? Reunir tôdas as nossas fôrças, pessoais e financeiras, e nos lançarmos a um grande plano de conjunto, mobilizando todos os recursos públicos e privados, pedindo a cada um sua cota de esfôrço e, também, de sacrifício para a construção, primeiro, das escolas básicas da nação - a primária para todos e a média para 25 ou, talvez, 50% da população da respectiva idade.
Nenhuma dessas escolas dará direitos outros que não sejam os que o aluno adquire pela sua maior capacidade para o trabalho.
Tais escolas não terão luxos de ilustração: serão escolas para o preparo do cidadão comum do Brasil. A língua materna e a literatura nacional, a matemática elementar e aplicada, a geografia e a história brasileiras e a introdução à ciência e estudos de ciência aplicada, de desenho e de artes industriais constituirão seu currículo fundamental. Línguas estrangeiras e antigas, estudos científicos propedêuticos serão enriquecimentos de currículo que as melhores escolas, com alunos excepcionais, tentarão, por certo, mas que também não darão nenhum direito especial nem privílégio algum. A cultura é um bem em si mesmo a ser adquirida pelas vantagens diretas que oferece e não em virtude de "direitos" que a lei venha acrescentar aos títulos que a pressuponham. Todos os títulos e diplomas perderão sua liquidez, ficando sem valor, a depender de comprovas perante órgãos profissionais que ficarem encarregados de conceder as "licenças" profissionais, no nível médio ou mesmo superior.
A escola média será altamente diversificada, podendo, dentro daquele currículo fundamental, dar ênfase a estudos científicos, literários, comerciais ou industriais, todos considerados equivalentes.
Terminados os onze ou doze anos de estudos das escolas primárias e médias, o brasileiro deverá achar-se habilitado ao trabalho não qualificado, ao qualificado industrial, a tôdas as múltiplas ocupações dos chamados serviços ou atividades terciárias e, também, à competição para a entrada na universidade. Normalmente, a universidade só deverá ser procurada por aquêles que se fixarem em fazer de sua vida uma vida de estudos ou os que se revelarem capazes de tentar uma profissão de nível superior. Exames especiais apurarão essas aptidões e tais propósitos.
Os estudos superiores serão extremamente severos, exigindo devotamento integral e só permitindo o trabalho na própria universidade. Todo êle deverá ser pago, pela família, quando as suas posses chegarem para tal, ou por meio de bôlsas particulares e públicas para os alunos que tiverem passado as provas e aos quais faltem recursos. Os títulos e diplomas ainda assim sòmente valerão como suposição de preparo, o qual deverá ser comprovado perante as organizações profissionais, que terão o poder de conceder as "licenças" profissionais, inclusive para o magistério.
Tôda a preparação dêste magistério se faria em nível superior, com cursos e estágios de um e dois anos para o magistério primário, de quatro para o secundário e de seis e mais para o superior.
Nenhum cuidado seria negado à formação do magistério. De sua qualidade dependerá o êxito de todo êsse sistema, livre e diversificado, sem sanções formais e confiada a sua eficácia ao próprio magistério.
Com uma escola primária de seis anos de estudos, uma escola média com cinco ou seis anos de estudo, sem sanções específicas senão as da seriedade dos seus estudos, confiados os seus resultados às comprovações dos concursos, fôssem para ocupações privadas ou públicas, perante órgãos profissionais públicos ou privados, teríamos constituído um tipo de escola à prova da simulação ou da fraude, destinada a crescer e desenvolver-se como algo vivo e autêntivo.
Resta-me dizer que tais escolas deverão ser, mais do que tudo, centros de estudos do Brasil, da cultura brasileira, da língua, da literatura, da geografia, da história e das ciências sociais brasileiras. Só a matemática e as ciências físicas seriam universais. Em tudo mais o Brasil seria o motivo, a intenção e o objeto.
Somos já uma cultura cuja aquisição deverá bastar para educar o brasileiro. Saberemos, por certo, línguas estrangeiras, mas como as sabem as nações desenvolvidas e adultas. Como um requinte, como algo de especial a que alguns e não todos se devotaram. Poderíamos exigi-las para todos que ambicionassem estudos superiores, mas não para todos que alcançassem uma educação média.
Essa reconstrução é, ao mesmo tempo, uma simplificação e um redobramento da seriedade. Simplifica-se, para se fazer séria a educação. A formação do mestre nos níveis primário e médio será a chave de tôda a reorganização. Sem professôres capazes, tôdas as reformas fracassarão.
A Universidade - com as suas atividades imensamente ampliadas - será o centro e a sede de tôda essa reorganização, transformada que será na casa de formação dos mestres de todos os níveis e dos quadros técnicos, profissionais e científicos de todo o país. E a ela se confiaria o inadiável compromisso da reconstrução educacional brasileira.
12. Discriminação Social versus Integração Social
Trechos do artigo "Escola Particular e Escola Pública" publicado em A Tribuna, Santos, SP, 26/3/1960.
A escola pública não é uma extensão da escola privada, mas algo de novo, algo de diferente, algo, de certo modo, de oposto à escola privada. Quando Horace Mann, no longínquo século XIX, - somos obrigados a chamá-lo de longínquo - chamava a escola pública de "maior invenção humana", não estava a se referir a uma suplementação da escola privada, mas à descoberta de uma instituição nova, que, ignorando distinções sociais e religiosas, abria para a sociedade a possibilidade de uma nova estrutura social, em que pobres e ricos, crentes e descrentes, pessoas de uma ou outra raça, todos se pudessem educar e por essa "escada educacional" subir a escala social em comum emulação e comum convivência... Está claro que tal escola embora a princípio chamada apenas neutra e leiga, era mais do que isto. Era uma escola que preparava o homem para o exercício das "crenças comuns", em que se apoiava a sociedade civil e leiga, independente das "crenças privadas", dos cidadãos. Tais crenças comuns compreendiam, como princípios supremos, a tolerância com respeito às crenças privadas e o fundamento secular ou leigo da moral humana.
Desde que se organizou a sociedade política e civil, independente das igrejas, fêz-se indispensável um fundamento leigo para as obrigações morais do homem. A escola pública é, por excelência, a formadora dessa moralidade fundada em bases comuns para tôda a sociedade.
As monarquias européias, mantendo ainda a união com certas igrejas, têm-se visto na contingência de dar às demais igrejas que não as oficiais, direitos e garantias idênticas às igrejas "estabelecidas"... A República, porém, não pode imitá-la. Na República, o comportamento humano tem bases leigas e seculares e essas bases são as inculcadas pela escola pública ...
A educação privada representa tôda uma outra sorte de interêsses, que o Estado tolera ou permite, mas não pode nem subvencionar nem promover. A tolerância, a permissão, a liberdade, enfim, do ensino privado é mais um princípio da ideologia do Estado moderno, que recusa a ajudar as ideologias a êle opostas.
Na luta inicial contra ideologias religiosas e por amor ao princípio da tolerância, o Estado deu excessiva ênfase ao que chamou de sua "neutralidade". Essa neutralidade nada mais significava do que neutralidade entre crenças religiosas. Jamais o Estado se julgou neutro ante as crenças morais do homem. O Estado funda-se numa moralidade secular, leiga, pela qual julga o homem responsável, sujeito de direitos e deveres. Essa moralidade, mais alta que a religiosa, por isso que comum a todos, sejam lá quais forem as crenças de cada um, quem a promove, a ensina, a inculca, senão a escola pública?
Temos, assim, que a "escola pública" não é apenas a escola para o pobre, no que resultaria, se fôsse apenas uma extensão da escola privada às classes menos favorecidas, mas a escola destinada a fundar a república e a formar a consciência nacional.
Por isto mesmo, a escola pública é a instituição que acompanha mais de perto o próprio desenvolvimento da nação. Nacionalismo e escola pública são têrmos correlatos. Um não existe sem o outro. E aí está a segunda razão da escola pública. Ela é a escola nacional, a escola destinada a formar a consciência da nação.
E cabe aqui uma distinção, que não há como não fazer. Com o protestantismo, as autoridades supremas das igrejas protestantes podiam ser nacionais, mas as nações que se conservaram católicas não podiam ter igrejas nacionais. Daí, poderem as nações protestantes ter "escolas públicas confessionais", ou sejam escolas nacionais e confessionais, e o mesmo não se poder dar com as nações católicas em que nacional é só a "escola .pública leiga" - leigo não significando anti-religioso mas anticlerical, isto é, aquela escola em que não mande nenhuma hierarquia eclesiástica...
Com efeito, só deste modo a escola pública seria nacional, pois a religião católica como religião internacional não lhe é possível promover nenhuma lealdade nacional.
Faz-se hoje um grande silêncio sôbre as relações entre o Estado e as Igrejas, mas tal silêncio jamais significou o abandono de conquistas já incorporadas às tradições do Estado Moderno. O silêncio decorre de serem definitivas essas conquistas, não cabendo discuti-Ias nem reabrir questões já encerradas.
Em sociedade de tipo competitivo como o das sociedades ocidentais, o que é também o nosso, o que se busca acima de tudo não é uma boa educação, mas educação melhor que a dos outros, diz, com muito acêrto, Bertrand Russell. Outra cousa não sucede, com efeito, no Brasil. Por uma razão ou por outra, considera-se a melhor educação a da escola secundária acadêmica. Por isto mesmo, esta era a educação que se podia custear a si mesma.
Como muitos a desejavam, foi possível à iniciativa particular provê-Ia. Puramente acadêmica, ou seja na concepção corrente entre nós de acadêmico, puramente verbalística, êste tipo de educação era barato e podia ser ministrado cobrando anuidades escandalosamente módicas, no que ajudava o surgimento de um magistério privado improvisado e sem consciência profissional nas reivindicações sérias de salários.
Por êste fato, a clientela da escola privada pôde ampliar-se muito além daquela camada que, suficientemente rica, em tôdas as sociedades do tipo da nossa, mantém o ensino particular. Ora, é essa ampliada clientela de uma classe média recém-expandida que não se vê, hoje, em condições de continuar a custear a educação privada dos seus filhos, por motivos perfeitamente enumeráveis, ou seja, o da subida geral dos preços e das reivindicações salariais dos professôres, que lentamente se fôra organizando em classe profissional, já por um progresso natural, já como resultado de sua formação nas faculdades de filosofia,
A solução natural, diante disto, seria a revisão da política educacional brasileira oficial, passando o Estado a expandir vigorosamente o tipo de educação mais desejado pela nova classe média brasileira. Por que tal política não se estabelece? Aí é que podemos ver o caráter que chamaria de retráctil, do próprio progresso brasileiro. Como a expansão da escola pública secundária jamais se poderia fazer para todos, pois os recursos não chegariam para tanto, a escola pública teria de ser seletiva, mas de seleção fundada na livre competição. Sòmente os mais inteligentes ou os mais preparados obteriam matrícula, como já se verifica nos colégios públicos oficiais e nas escolas públicas superiores oficiais. Ora, a classe média brasileira, salvo diminuta parte que ainda conserva o caráter agressivo de quem acaba de a ela chegar, não tem disposição nem inclinação para essa competição, preferindo um sistema de escolas privadas, que facilite ou mesmo prefira a matrícula de seus filhos às de outros de mais baixa extração. Além disto, sendo a sociedade brasileira ainda uma sociedade de vivos contrastes de estrutura social, as camadas mais altas sentem-se sempre, mesmo aquelas que apenas estão chegando às suas novas alturas, tomadas de desgôsto pela "mistura" social que prevalece nas escolas públicas. O característico das sociedades de grandes desigualdades sociais é o mêdo senão a hostilidade às camadas populares. A escola pública é sempre mais popular do que a particular.
A particular facilita e ajuda uma cômoda discriminação social, desejada por gregos e troianos, isto é, ricos e novos-ricos, antigos e novos membros da classe média em expansão.
Pode, por isto mesmo, chegar a parecer popular a defesa da escola particular. E nisto é que se apóiam as fôrças reacionárias e as fôrças clericais católicas para se insinuarem até como fôrças democráticas, em sua busca de recursos públicos para a obra de reação ou de proselitismo religioso, que esperam levar a cabo nessas terras outrora novas da América do Sul e hoje refúgio último do anacrônico e do obsoleto.
Está claro que tudo isto sòmente ainda pode acontecer no Brasil, em virtude do dualismo fundamental de povo e elite, esta hoje disfarçada em uma classe média expandida, a qual por mimetismo, repete modos de ser da classe aristocrática quase extinta. O povo, que ainda se encontra pela metade em plena ignorância, se já estivesse em pleno estado de consciência, não o consentiria. Mas o povo continua o grande mudo e o grande esmagado. E em tais circunstâncias, mesmo entre o povo os que gritam são os espertos, que desejam antes o bem para si que para sua classe, e, dêste modo, acabam por dar aquêle salvador apoio marginal com que as medidas reacionárias se vestem das roupagens populares.
Em resumo, o sistema de ensino particular, que veio a ser criado para atender as ambições da classe média brasileira e dar-lhe os privilégios de uma educação "melhor" que a do povo, entrou em crise por inflação de preços, reivindicações salariais e incapacidade de sua clientela de pagar-lhe o novo custo.
Em nosso tipo de sociedade competitiva, a conseqüência natural dessa conjuntura seria a retração dêsse ensino privado aos que realmente o pudessem pagar e a expansão do ensino público para atender a todos êsses novos brasileiros, que já não seriam tão privilegiados para pagar em escolas exclusivistas a educação dos seus filhos e chegavam afinal ao grande aprisco comum da escola do povo brasileiro.
A manobra social de conservar suas escolas privadas, com a ajuda do Estado, sob a forma de subvenção, suplementação de salários, bôlsas de estudos, financiamento público e até custeio integral pelos cofres públicos pode ser ensaiada, mas, deve ser esclarecida senão denunciada, pois, importa em retardar o processo de democratização da sociedade brasileira e da integração da classe média no seio do povo brasileiro, todo êle um só povo, dividido em camadas sociais, percorridas pelo mesmo espírito e por vigorosa mobilidade, de que se constitui instrumento supremo exatamente a famosa "escada educacional", isto é, um sistema educacional contínuo da escola primária à universidade e a todos aberto, ou seja pública. É êste a todos, é êste público, que a identificação da escola pública com a particular quer impedir, usando, para isto, até os recursos da religião.
13. Centro Popular de Educação
Do discurso pronunciado na inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, Salvador, 1950.
Há vários anos começou a lavrar, como idéia aceitável, o princípio de que, se não tínhamos recursos para dar a todos a educação primária essencial, deveríamos simplificá-la até o máximo, até a pura e simples alfabetização e generalizá-Ia ao maior número. A idéia tinha a sedução de tôdas as simplificações. Em meio como o nosso produziu verdadeiro arrebatamento. São Paulo deu início ao que se chamou de democratização do ensino primário. Resistiram à idéia muitos educadores. Resistiu a Bahia de antes de 30. Resistiu o Rio, ainda depois da revolução. Mas a simplificação teve fôrça para congestionar as escolas primárias com os turnos sucessivos de alunos, reduzindo a educação primária não só aos três anos escolares de Washington Luís, mas aos três anos de meios dias, ou seja ano e meio e até, no grande São Paulo, aos três anos de terços de dia, o que equivale realmente a um ano de vida escolar. Ao lado dessa simplificação na quantidade, seguiram-se, como não podia deixar de ser, tôdas as demais simplificações de qualidade. O resultado foi, por um lado, a quase destruição da instituição, por outro, a redução dos efeitos da escola à alfabetização improvisada e, sob vários aspectos, contraproducente, de que estamos a colhêr, nos adultos de hoje, exatamente os que, começaram a sofrer os processos simplificadores da escola, a seara da confusão e demagogia.
Bem sei que não é só a escola primária fantasma, que êsse regime criou, a causa da mentalidade do nosso país, mas é triste saber que, além de tôdas as outras causas de nossa singular incongruência nacional existe esta, que não é das menores, a própria escola, a qual, instituída para formar essa mentalidade, ajuda, pelo contrário, a sua deformação.
Os brasileiros, depois de trinta, são todos filhos da improvisação educacional, que não só liquidou a escola primária, como invadiu os arraiais do ensino secundário e superior e estendeu pelo país uma rêde de ginásios e universidades cuja falta de padrões e de seriedade atingiria as raias do ridículo, se não vivêssemos em época tão crítica e tão trágica, que os nossos olhos, cheios de apreensão e de susto, já não têm vigor para o riso ou a sátira. (B 19 págs. 18/79.)
É contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta êste Centro Popular de Educação (1). Desejamos dar de novo à escola primária, o seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E desejamos dar-lhes seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização - esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive.
Tudo isso soa algo de estapafúrdio e de visionário. Na realidade, estapafúrdios e visionários são os que julgam que se pode formar uma nação pelo modo por que estamos destruindo a nossa.
Todos sentimos os perigos de desagregação em que estamos imersos. Essa desagregação não é uma opinião, mas um fato, um fato, por assim dizer, físico, ou, pelo menos, de física social. Com efeito, muito da desagregação corrente provém da velocidade das transformações por que estamos passando. A própria aceleração
do tempo de processo social produz os deslocamentos, confusões e subversões a que todos assistimos e a que temos de remediar. O remédio, porém, não é fácil, antes duro, áspero e difícil. A tentação do paliativo ou da panacéia, por isto mesmo, inevitável. E há os que, parece, estão convencidos da inevitabilidade da desagregação, pois de outro modo não se explica aceitarem tão tranqüilamente o paliativo que, no máximo, produzirá aquêle retardamento indispensável para lhes ser poupado assistir, individualmente, à debacle final. Pertenço, não sei se feliz ou infelizmente, ao grupo que acredita poder-se dar remédio eficaz à nossa crise, que é um aspecto da grande crise em que se acha tôda a humanidade. Êsse remédio é, entretanto, fôrça é repeti-lo, sob muitas faces, heróico, como heróico é o sentimento de defesa que nos leva a armar-nos diante do perigo.
Se uma sociedade como a brasileira, em que se encontram ingredientes tão incendiáveis, como os das suas desigualdades e iniqüidades sociais, entra em mudança e agitação acelerada, sacudida por movimentos e fôrças econômicas e sociais que não podemos controlar, está claro que a mais elementar prudência nos manda ver e examinar as molas e instituições em que se funda essa sociedade, para reforçá-las ou melhorá-Ias, a fim de que suas estruturas não se rompam ao impacto produzido pela rapidez da transformação social.
Essas instituições fundamentais são o Estado, a Igreja, a Família e a Escola. De tôdas elas, não parece controvertido afirmar que a mais deliberada, a mais intencional, a mais dirigível é a escola. Teremos, assim, de procurar, mais diretamente, atuar nessa instituição básica que, de certo modo, entre nós, deverá suprir as deficiências das demais instituições, tôdas elas em estado de defensiva e incapazes de atender, com segurança e eficácia, aos seus objetivos.
Ora, se assim é, a escola tem de ganhar uma inevitável ênfase, pois se transforma na instituição primária e fundamental da sociedade em transformação, e em transformação, queiramos ou não, precipitada.
Por isso é que êste Centro de Educação Popular tem as pretensões que sublinhei. É custoso e caro porque são custosos e caros os objetivos a que visa. Não se pode fazer educação barata - como não se pode fazer guerra barata. Se é a nossa defesa que estamos construindo, o seu preço nunca será demasiado caro, pois não há preço para a sobrevivência. Mas aí, exatamente, é que se ergue a grande dúvida nacional. Pode a educação garantir-nos a sobrevivência? Acredito que responderão todos afirmativamente a essa pergunta. Basta que reflitamos sôbre a inviabilidade da criatura humana ineducável. Nenhum de nós discute que o anormal débil mental só pode sobreviver com o auxílio externo, não lhe sendo possível produzir nem sequer nutrir-se sòzinho. Ora o educável ineducado repete o caso do ineducável. Não. Todos sabemos que sem educação não há sobrevivência possível. A questão começa depois. A questão é sôbre a escola e não a educação. É sôbre a escola que o ceticismo nacional assesta os seus tiros tão certeiros e eficazes. O brasileiro não acredita que a escola eduque. E não acredita, porque a escola, que possui até hoje, efetivamente não educou.
Veja-se, pois, em que círculo vicioso se meteu a nação. Improvisa escolas de todo jeito porque não acredita em escolas senão como formalidade social e para preencher formalidade de nada mais se precisa do que de funcionários que conheçam as fórmulas e porque só tem escolas improvisadas e inadequadas não acredita que escolas possam ser as formadoras eficientes de uma ordem social. Ouviu dizer, está claro, que a Alemanha foi feita pelo mestre-escola, ouviu dizer que
o Japão era uma nação medieval nos fins do século passado e se transformou em uma nação altamente industrializada; ouve falar em todo o progresso ocidental dos últimos duzentos anos, sobrelevando espetacularmente o dos Estados Unidos, filho todo êle da ciência e das escolas; ouve falar que a Rússia se transformou em vinte anos e para isto fêz da escola um instrumento de poder incalculável; mas tudo isto lhe parece longe ou remoto. Em volta de si, vê escolas improvisadas ou desorganizadas, sem vigor nem seriedade, alinhavando programas e distribuindo, de qualquer modo, diplomas mais ou menos honoríficos. Como acreditar em escolas? Tem razão o povo brasileiro. E para que não tenha razão seria preciso que reconstruíssemos as escolas. (B 19 págs. 79 a 81.)
Recordo-me que a construção dêste Centro resultou de uma ordem de V. Ex.ª (1) certa vez que se examinava o problema da chamada infância abandonada. Tive, então, oportunidade de ponderar que, entre nós, quase tôda a infância, com exceção de filhos de famílias abastadas, podia ser considerada abandonada. Pois, com efeito, se tinham pais, não tinham lares em que pudessem ser educados e se, aparentemente, tinham escolas, na realidade não as tinham, pois as mesmas haviam passado a simples casas em que as crianças eram recebidas por sessões de poucas horas, para um ensino deficiente e improvisado. No mínimo, as crianças brasileiras, que logram freqüentar escolas, estão abandonadas em metade do dia. E êste abandono é o bastante para desfazer o que, por acaso, tenha feito a escola na sua sessão matinal ou vespertina. Para remediar isso, sempre me pareceu que devíamos voltar à escola de tempo integral.
Tracejei, então, o plano dêste Centro que V. Ex.ª ordenou fôsse imediatamente iniciado. A escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução, pròpriamente dita, ou seja, da antiga escola de letras, e o da educação, pròpriamente dita, ou seja, da escola ativa. No setor instrução, manter-se-ia o trabalho convencional da classe, o ensino de leitura, escrita e aritmética e mais ciências físicas e sociais, e no setor educação as atividades socializantes, a educação artística, o trabalho manual e as artes industriais e a educação física. A escola será construída em pavilhões, num conjunto de edifícios que melhor se ajustassem às suas diversas funções. Para economia tornava-se indispensável que se fixasse um número máximo para a matrícula de cada centro. Pareceu-nos que 4000 seria êsse número, acima do qual não seria possível a manipulação administrativa.
Fixada, assim, a população escolar a ser atendida em cada centro, localizamos quatro pavilhões, como êste, para as escolas que chamamos de escolas-classe, isto é, escolas de ensino de letras e ciências, e um conjunto de edifícios centrais que designamos de escola-parque, onde se distribuiriam as outras funções do centro, isto é, as atividades sociais e artísticas, as atividades de trabalho e as atividades de educação física. A escola-classe aqui está: é um conjunto de 12 salas de aula, planejadas para o funcionamento melhor que fôr possível do ensino de letras e ciências, com disposições para administração e áreas de estar. É uma escola parcial e para funcionar em turnos. Mas virá integrá-la a escola-parque. A criança fará um turno na escola-classe e um segundo turno na escola-parque. Nesta escola, além de locais para suas funções específicas, temos mais a biblioteca infantil, os dormitórios para 200 das 4.000 crianças atendidas pelo Centro e os serviços gerais e de alimentação. Além da reforma da escola, temos o acréscimo dêsse serviço de assistência, que se impõe, dadas as condições sociais. A criança, pois, terá um regime de semi-internato, recebendo educação, e assistência alimentar. Cinco por cento dentre elas receberão mais o internato. Serão as crianças chamadas pròpriamente de abandonadas, sem pai nem mãe, que passarão a ser não as hóspedes infelizes de tristes orfanatos, mas as residentes da escola-parque, às quais competirá a honra de hospedar as suas colegas, bem como a alegria de freqüentar, com elas, as escolas-classe. (B 19 págs. 82/83)
A maior dificuldade da educação primária que, por sua natureza, é uma educação universal, é a de se obter um professor primário que possa atender a todos os requisitos de cultura e aptidão para um ensino tão vasto e tão diversificado. A organização do ensino primário em um centro desta complexidade vem, de certo modo, facilitar a tarefa sobretudo aumentada da escola elementar. Teremos os professôres primários comuns para as escolas-classe, para a escola-parque, os professôres primários especializados de música, de dança, de atividades dramáticas, de artes industriais, de desenho, de biblioteca, de educação física, recreação e jogos.
Em vez de um pequenino gênio para isto, muitos professôres diferenciados em dotes e aptidões para a realização da tarefa sem dúvida tremenda de formar e educar a infância nos seus aspectos fundamentais de cultura intelectual, social, artística e vocacional.
A escola primária terá, em seu conjunto, algo que lembra uma pequenina universidade infantil. Mas, de nada menos, repito, precisamos em nossa época, para ficarmos à altura das imposições que o progresso técnico e científico nos está a impor. Queiramos ou não queiramos, vamo-nos transformar de uma sociedade primitiva em uma sociedade moderna e técnica. Os habitantes dêste bairro da Liberdade deixam um estágio anterior aos tempos bíblicos de agricultura e vida primitiva para imergirem em pleno báratro do século vinte. Ou organizamos para êles instituições capazes de lhes preparar os filhos para o nosso tempo, ou a sua intrusão na ordem atual terá o caráter das intrusões geológicas que subvertem e desagregam a ordem existente. O problema da educação é, por excelência, o problema de ordem e de paz no país. (B 19 págs. 83/84.)
14. O que Combato, o que Propugno
Trecho de entrevista concedida à imprensa, cf. "O Professor Anísio Teixeira e o Memorial dos Bispos", Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 14/4/1958.
A fim de evitar tão reiteradas incompreensões, enuncio as minhas declarações em simples afirmações e negações, que mostram o que propugno e o que combato.
O que combato
1. Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância.
2. Revolta-me saber que metade da população brasileira não sabe ler e que, neste momento, mais de 7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escolas.
3. Revolta-me saber que dos 5 milhões que estão na escola, apenas 450.000 conseguem chegar a 4.ª série, todos os demais ficando frustrados mentalmente e incapacitados para se integrarem em uma civilização industrial e alcançarem um padrão de vida de simples decência humana.
4. Contrista-me verificar a falta de consciência pública para situação tão fundamente grave na formação nacional e o desembaraço com que os podêres públicos menosprezam a instituição básica de educação do povo, que é a escola primária.
5. Aceitando como um dos grandes progressos da consciência brasileira a expansão do ensino médio, que hoje acolhe perto de um milhão de adolescentes, lamento a desvinculação dêsse ensino das exigências da vida comum de uma nação moderna e o seu caráter confuso e enciclopédico de falsa formação acadêmica.
6. Revolta-me ver que de tôda essa esplêndida juventude, menos de 5% chega aos umbrais da universidade, frustrando-se os sacrifícios de centenas de milhares de famílias para lhes dar a educação indispensável a uma habilitação real às tarefas de nível médio que lhes estão sendo oferecidas.
7. Reduzido o ensino, numa pletora de matérias, a um adestramento mecânico para os exames, nem se vêm preparados para a universidade os que logram o diploma, nem os demais, depois de perderem em frustrações sucessivas os anos mais promissores de sua vida, se vêm habilitados para os mais elementares deveres da vida e do trabalho.
8. Choca-me ver o desbarato dos recursos públicos para educação, dispersados em subvenções de tôda natureza a atividade educacionais, sem nexo nem ordem, puramente paternalistas ou francamente eleitoreiras.
9. Escandaliza-me ver que numa população de sessenta milhões em marcha para a civilização industrial, apenas um milhão de pessoas tenha ensino secundário completo e apenas 160 mil tenham educação superior, oferecendo-se à juventude brasileira apenas 20 000 vagas para a formação universitária, o que constitui séria ameaça de colapso para o nosso desenvolvimento econômico e cultural.
10. Sou contra a dispersão dos esforços no ensino superior pela multiplicação de escolas improvisadas em vez da expansão e fortalecimento das boas escolas.
O que propugno
I. Sou a favor de uma escola primária organizada e séria, com seis anos de estudo nas áreas urbanas e quatro na zona rural, destinada à formação básica e comum do povo brasileiro.
II. Sou a favor de uma escola média que continue em nível mais alto, o espírito de educação da escola primária, mais preparatória para a vida do que simplesmente propedêutica aos estudos superiores, organizada em torno de um currículo mais simples e verdadeiramente brasileiro, em que a língua nacional, a civilização nacional e a ciência sejam os verdadeiros instrumentos de cultura do aluno.
III. A meu ver, os recursos - sàbiamente assegurados pela Constituição à educação - devem ser aplicados como algo de sagrado e à luz de dois critérios básicos: primeiro o de assegurar a cada brasileiro o mínimo fundamental de educação gratuita, isto é, a escola primária; segundo sòmente custear com recursos públicos a educação pós-primária de alunos escolhidos em livre competição, a fim de que o favor da educação gratuita não se faça meio de premiar o esfôrço e a inteligência dos melhores.
IV. Sou a favor de uma educação voltada para o desenvolvimento, que realmente habilite a juventude brasileira à tomada de consciência do processo de autonomia nacional e a aparelhe para as tarefas materiais e morais do fortalecimento e construção da civilização brasileira.
15. A Comunhão Universitária
Trechos do discurso pronunciado na inauguração solene dos cursos da Universidade do Distrito Federal.
A cultura brasileira se ressente, sobretudo, da falta de quadros regulares para a sua formação. Em países de tradição universitária, a cultura une, solidariza e coordena o pensamento e a ação. No Brasil, a cultura isola, diferencia, separa. E isso, por quê? Porque os processos para adquiri-la são tão pessoais e tão diversos, e os esforços para desenvolvê-la tão hostilizados e tão difíceis, que o homem culto, à medida que se cultiva, mais se desenraíza, mais se afasta do meio comum, e mais se afirma nos exclusivismos e particularismos da sua luta pessoal pelo saber.
Não há uma comunhão dos cultos. Repelido, muitas vêzes, pelo meio, sôbre o qual se eleva pelos conhecimentos superiores ou especializados que adquiriu à própria custa, o homem culto é, ainda, no Brasil, hostilizado pelos outros homens cultos. A heterogeneidade e deficiência dessas diferentes culturas individuais e individualistas, fazem com que o campo de ação intelectual e pública, no país, se constitua num campo de lutas mesquinhas e pessoais, em que se entredevoram, sem brilho e sem glória, os parcos homens de inteligência e de imaginação que ainda possuímos.
Não será isso, exatamente, porque nos faltam essas instituições regulares de cultura, em que os homens se formam num ambiente de livre circulação de idéias, seguindo caminhos diversos, mas em uma mesma atmosfera e um mesmo meio, vivendo, afinal, a vida da inteligência, em comum, associadamente, fraternalmente?
A singular agrestia do meio intelectual e público do Brasil, em que os julgamentos são armas de combate, forma insidiosa de oposição, e o desejo de destruir e diminuir a obra alheia, o próprio modo de ser da inteligência, não será êsse nosso famigerado antropofagismo político e mental a conseqüência mais grave do nosso nomadismo intelectual, do nosso isolamento espiritual, e dos nossos processos indígenas de estudo e de formação mental?
Estou que êsse é o mais grave aspecto aparentemente inocente autodidatismo nacional. Somos isolados e hostis, porque é isolada e hostil a forma de nos prepararmos intelectualmente para as lutas da vida e do espírito.
Não cooperamos, não colaboramos, não nos solidarizamos com os companheiros, nem em ação, nem em pensamento, porque cada um de nós é o centro do universo, e só dêsse centro partirá a verdadeira ação e o verdadeiro pensamento.
É êsse isolamento que a Universidade virá destruir. A Universidade socializa a cultura, socializando os meios de adquiri-la. A identidade de processos, a identidade de vida, e a própria unidade local, fará com que nos cultivemos, em sociedade. Que ganhamos em comum a cultura. Que nos sintamos solidários e unidos pela identidade de objetivos, de preocupações, de interêsses e de ideais. E daí, que nos sintamos uma comunidade, governada por um espírito comum e comuns ideais.
A coordenação da vida espiritual do Brasil não nos chegará sem o cultivo dos processos universitários de ensino superior.
O isolamento e o autodidatismo nacionais nos fazem incoerentes, paradoxais, irritadiços e extravagantes. A opinião intelectual de um país é o reflexo dos seus meios e processos de cultura. A Universidade nos vem dar disciplina, ordem, sentido comuns e capacidade de esforço em comum. Nenhum ideal menos pode bastar às Universidades para que possam realizar a sua grande aventura intelectual de difundir e alargar o saber humano.
Porque, forçoso é repetir, a Universidade, como instituição de cultura, deverá estar na encruzilhada do presente. Ela não se constitui para isolar da vida a cultura, mas para trazê-la para a vida e torná-la a mestra da experiência. Os seus problemas serão os problemas de hoje, examinados à luz da sabedoria do passado. A serviço do presente e do futuro, a Universidade não deseja, entretanto, constranger o porvir dentro de fórmulas apriorísticas ou predeterminadas.
Muito ciosa das conquistas feitas de liberdades de pensamento e de crítica, a Universidade não as dispensa para viver. Não terá ela nenhuma "verdade" a dar, a não ser a única verdade possível, que é a de buscá-la eternamente. Fiel, assim, à grande tradição universitária da humanidade, havia de por certo desgostar aos que querem diminuir o Brasil até ajustá-lo aos limites de suas ideologias pessoais e de suas pessoais inquietações.
Muitos sonhavam, é certo, iniciar, entre nós, a tradição universitária recusando essa liberdade de cátedra que foi conquistada pela inteligência humana nas primeiras refregas intelectuais de nossa época.
Muitos julgavam que a Universidade poderia existir, no Brasil, não para libertar, mas para escravizar. Não para fazer marchar, mas para deter a vida ... Conhecemos, todos, a linguagem dêsse reacionarismo. Ela é matusalênica.
"A profunda crise moderna, é sobretudo uma crise moral". "Ausência de disciplina". "De estabilidade". "Marchamos para o caos": "Para a revolução". "É o comunismo, que vem aí". Falam assim, hoje. Falavam, assim, há quinhentos anos.
É que a liberdade é uma conquista que está sempre por fazer. Desejamo-la para nós, mas nem sempre a queremos para os outros. Há na liberdade qualquer cousa de indeterminado e imprevisível. Ser livre importa em aceitar as conseqüências, sejam quais forem. Ser livre importa em "seguir a idéia até onde ela nos levar..." Por isso, só podem amar a liberdade os que realmente tiverem provado, até o fundo, a insignificância da vida humana, sem o acre sabor dêsse perigo.
Por isso é que a Universidade é, e deve ser, a mansão da liberdade. Os homens que a servem e os que, aprendendo, se candidatam a servi-Ia, devem constituir êsse fino escol da espécie para quem a vida só vale pelos ideais que a alimentam. Essa bravura é que os torna invencíveis. Não morreram em vão os que morreram por êsse ideal de um "pensamento livre como o ar..."
Todos os que desapareceram nessa luta, como todos os que hoje nela se batem, constituem a grande comunhão universitária.
Dedicadas à cultura e à liberdade, as Universidades estão sob um signo sagrado, que as faz trabalhar e lutar por um mundo de amanhã, fiel às grandes tradições liberais da humanidade. (A 6 págs. 128 a 132.)
16. Universidade: Institucionalização da Inteligência
Excertos do ensaio "A Universidade e a Liberdade Humana".
O problema humano, desde que se formulou a experiência racional, passou a depender bàsicamente do modo pelo qual a inteligência pode funcionar na sociedade dos homens. Ora, essa inteligência, hoje, precisa de uma enorme aparelhagem para se exercer e está a depender, como nunca, de meios de riqueza, sem os quais o pensamento humano voltaria a um estado primitivo. A institucionalização, pois, dos objetivos e interêsses do pensamento humano é uma necessidade da liberdade humana.
A circunstância da universidade haver-se constituído, como a corporação que tomou a si essa tarefa, valendo-se dos modelos por que a vida medieval e por fim se organizara, em tôrno dos objetivos e interêsses do comércio em crescendo e de sua produção artesanal, veio fornecer, ao Estado moderno, uma das condições essenciais para o seu desenvolvimento.
Daí a sobrevivência da Universidade e a necessidade de transformá-la, em definitivo, na instituição básica do progresso humano, no mundo contemporâneo, estendendo os seus efeitos por todos os níveis da cultura.
A autonomia que estamos a procurar defender aqui não é, portanto, apenas a independência da instituição universitária, mas a do próprio saber humano e a de sua fôrça própria de contrôle, distinta, por excelência, da do costume e tradição e da dos governos, por isso que age e atua por esclarecimento e persuasão. O desenvolvimento do saber aumentará constantemente a área da direção dos homens pela razão, constituindo-se, dêsse modo, o instrumento pelo qual êle virá atingir a sua esperada maturidade.
Ora, como se há de organizar a sociedade, de modo que seja possível a autonomia do saber e, ao mesmo tempo, se promova o seu progresso constante e se assegure o seu prestígio, para que êsse mesmo saber atue sôbre o Estado, que é o detentor do poder coator legal, e sôbre todas as demais instituições, e subordine Estado e instituições ao seu poder persuasivo? - Êste o problema do nosso tempo.
Poderemos não saber como resolvê-lo completamente, mas podemos encaminhar-nos para a sua solução, erguendo a universidade à sua posição de matriz da sociedade contemporânea. A universidade, como guardiã, transmissora e promotora do saber e da experiência as igrejas e as profissões, como corpos autônomos de aplicação do saber, as uniões ou sindicatos, como sistemas de defesa de interêsses legítimos do trabalho, e o govêrno, como fôrça vigilante, para que todo o mecanismo institucional funcione, sob a égide da lei, em cuja elaboração se deve levar em conta ser vedado ao Estado e seu govêrno interferir no campo já conquistado do saber e da consciência profissional, tal será o regime livre e progressivo, que devemos buscar, para a implantação gradual e cada vez mais ampla da razão na vida humana.
Segundo tôdas as probabilidades, um habitante de Nínive ou de Babilônia não saberia se era ou não governado despòticamente. Também nós, guardadas as proporções, não o sabemos, tão longas e tão antigas são as tradições de uma imaginária universidade do âmbito da lei e de uma pretensa supremacia do poder do Estado, concretizada na noção de soberania ainda vigente.
Opomo-nos a governos de fôrça, mas, só os consideramos tais quando infringem certos aspectos restritos de liberdades individuais. Precisamos opor-nos também à ampliação ilegítima do âmbito da lei. Afora uma vaga defesa da consciência religiosa, nunca desenvolvemos, entre nós, o sentimento de que, na área do saber humano, também não é possível a interferência da lei. Está claro que herdamos do ocidente europeu boa parte dos hábitos de independência profissional e do saber, mas não chegamos a tornar perfeitamente consciente a herança, a ponto de possuirmos um critério capaz de denunciar as violações dessa aliás recente tradição. (A 7 págs. 266 a 268.)
Escolas, universidades, profissões são governadas por leis e regulamentos elaborados pelo Estado e por autoridades menores, nomeadas pelo Estado, simples prepostos burocráticos, de qualificação e nível muito inferiores a qualquer professor de faculdade superior, quanto mais diretores e reitores, sob a complacência universal, havendo muitos que até se horrorizam com a idéia de autonomia e de govêrno pelos seus pares, preferindo antes a proteção do príncipe, que a liberdade organizada de suas próprias instituições.
Não será que estamos, realmente, como aquêles cidadãos antigos que ignoravam a própria condição de súditos tiranizados? Se a isto não chegamos, talvez estejamos pelo menos como aquêles mestres de Alexandria, na segunda fase da escola, quando o simples guardar dos velhos conhecimentos os esvaziara de tôda a inspiração e todo o poder criador...
Respostas na idéia de que não progredimos pelo costume, mas pelo saber, será natural que nos voltemos para a nossas instituições de educação e de estudo, não como relíquias toleradas de uma tradição, porém como a fôrça mesma da sociedade moderna, que a inspira e a plasma e lhe promove o indefinido progresso. E dentre essas instituições, avulta a universidade, como eixo e cúpula, com as suas escolas de cultura geral, ou seus cursos profissionais superiores, os seus estudos especializados, seus cursos pós-graduados, de doutorado e de aperfeiçoamento, as suas pesquisas, as suas bibliotecas, - tão fundamentais, que, sòmente elas, de certo modo já são a universidade e, sem elas, inconcebível se torna a idéia mesma da universidade, - os recursos de comunicação físicos e mentais, as suas tecnologias e a sua literatura e o seu pensamento, e todo um corpo de servidores da cultura, mestres e alunos, vivendo numa atmosfera de inspiração e de trabalho, devotados à tarefa suprema de conduzir a aventura humana pela inteligência e pelo espírito.
Tal instituição tem que possuir, pelo menos, a mesma independência que reconhecemos às igrejas, não podendo ficar reduzida àquela noção restrita de liberdade de cátedra, porque, hoje, o pensamento humano não é uma simples atividade individual e subjetiva, mas, o resultado de uma ação complexa e multiforme, envolvendo grandes recursos em pessoas, material e aparelhamento. A sua independência não é algo de negativo que se concretiza pela ausência de imposições, mas algo de positivo que se organiza em uma das maiores atividades corporativas da sociedade.
Bem sabemos que, por mil e quatrocentos anos, pôde dormir sob os tumultos e os desvios do império romano e da Idade Média, aquela "razão" que os gregos revelaram ao homem e que só do século onze em diante, volta a luzir, primeiro para a "justificação" racional da crença católica, depois para o grande reencontro com o pensamento grego do fim da Idade Média e do Renascimento e os surtos especulativos da Reforma e do individualismo, até a fundação por Descartes do racionalismo científico, de que parte todo o progresso moderno. Sabemos que, naqueles mil e quatrocentos anos, não faltaram cultores extáticos do saber humano. Faltaram, sim, continuadores dêsse saber. Porque o saber não é sòmente algo que se guarda ou apenas se transmite, mas, sobretudo, algo que se continua e se renova, numa permanente reconstrução. Foi sòmente quando o homem perdeu a sua comovida surprêsa ante o saber e não se deteve em sua veneração, mas passou a considerá-lo, simplesmente, como um apoio, um bordão para ir adiante na marcha sem fim da experiência da vida, que o progresso intelectual veio a ganhar seu intenso ritmo contemporâneo. Êste, o significado da autonomia intelectual, que o homem conquista, afinal, a partir de Descartes.
Naquela ocasião, como ao tempo da escola de Alexandria, não era, entretanto, com as universidades que estava a independência da inteligência humana. A tolerância do govêrno holandês era mais propícia a um Descartes do que o reacionarismo universitário de então, na Sorbonne e alhures.
É que as universidades não serão o que devem ser se não cultivarem a consciência da independência do saber e se não souberem que a supremacia do saber, graças a essa independência, é levar a um novo saber. E para isto precisam de viver em uma atmosfera de autonomia e estímulos vigorosos de experimentação, ensaio e renovação. Não é por simples acidente que as universidades se constituem em comunidades de mestres e discípulos, casando a experiência de uns com o ardor e a mocidade dos outros. Elas não são, com efeito, apenas instituições de ensino e de pesquisas, mas sociedades devotadas ao livre, desinteressado e deliberado cultivo da inteligência e do espírito e fundadas na esperança do progresso humano pelo progresso da razão. O seu clima é o dia da imaginação, no que tem de mais potente êste aspecto de nossa vida mental. O seu ofício é a aventura intelectual, conduzida com o destemor e a bravura da experiência, estimulada e provocada pela juventude, que quer aprender, para ir com o seu novo saber, à base do velho, até o desafio dêste. (A 7 págs. 269 a 271.)
Começa a nossa sociedade a passar pelas mudanças, já ocorridas em outros meios: emigração para as cidades, urbanização, intensiva mobilidade social, vertical e horizontal, adaptação a novas condições de trabalho, senso de fronteira, senso de oportunidade e expansão, todo um processo de liberação de fôrças e de enfraquecimento de inibições, dando como resultado a confusão e incerteza, características dos períodos de propulsão e de aventura.
Tudo isto pode produzir apenas uma nova ordem de trabalho, enérgica mas mecânica, com perda sensível de certos valores mais delicados de ordem moral e espiritual, como poderá ir-nos levando gradualmente a nova integração em uma vida mais larga e mais geral, em que os valores da fraternidade e de cooperação sejam, dia a dia, mais eficazes e mais sentidos.
Não se pode encomendar a nova cultura de que precisamos. Ela terá que vir como resultado de uma consciência mais aguda e mais inspirada do curso mesmo dos acontecimentos. É a universidade, especialmente, e, em vigor, tôda a educação deverão esforçar-se por ajudar a trazer à luz o novo estado de espírito e a nova interpretação da vida, necessários para as novas condições, novas contingências e novos progressos.
À universidade cabe trazer a contribuição mais significativa para a elaboração dessa nova cultura. Responsável pelo saber existente e pelo seu progresso, no meio brasileiro, e refletindo todos os problemas da formação nacional, já pelo seu corpo discente, composto de candidatos a tôdas as vocações de nível superior do país, já pelos planos e estudos organizados para atender à variedade e multiplicidade dos conhecimentos indispensáveis à formação daqueles especialistas, a universidade, viva e dinâmica, pelos fins mesmo de sua missão intelectual e científica e pela projeção dêsses fins na formação dos quadros mais diversos das profissões, da ciência e da técnica se constituirá a própria consciência nacional, no que ela tem de mais agudo e mais sensível, cooperação assim, para a redireção da vida social, no sentido da formação democrática e moderna da cultura brasileira.
Correspondendo, como vimos, à própria institucionalização da inteligência, a universidade, pelos seus mestres, pelos seus discípulos e pelos seus graduados ou ex-alunos, constituir-se-á uma extensa rêde de pessoas, a atuar em tôda a sociedade e a levar-lhe os resultados do saber e, melhor do que isto, o espírito do saber, misto de humildade e de audácia, pelo qual nenhum triunfo é realmente triunfo, nem nenhum insucesso realmente insucesso, nas condições, ambos, para mais ricas experiências e para a ampliação e reconstrução constantes da aventura da vida e do homem na Terra.
Os períodos de expansão humana são marcados pelo desafio dos continentes vazios a ocupar e dos problemas que a vida em novas condições provoca e suscita. Temos, em nosso país, um modesto exemplo dêsse caso. Somos de extensão continental com uma população ainda diminuta, que começa a despertar, concentrando-se em grandes cidades e se agitando ao longo de todo o país, à busca de novas condições de vida. São êstes os requisitos para os períodos criadores. A tarefa imediata de nossas universidades, irmãs mais jovens das grandes universidades do mundo, onde se irá processar o esperado progresso das ciências sociais e morais, é a do desenvolvimento científico e técnico, para alimentar a grande necessidade imediata de progresso material no Brasil contemporâneo. (A 7 págs. 273 a 275.)
Todo saber é uma "experiência" de saber. Tôda ciência é uma vitória da persuasão sôbre a fôrça. À medida que se estende a área do conhecimento racional e relativo, nesta medida se amplia a área de tolerância e de respeito pelo homem, e cresce a reverência pela sua missão de estender e desenvolver aventura da vida sob o Sol. O imenso poder que a sua pequena razão já lhe pôs nas mãos jovens não poderá ser lançado contra si próprio. A mestra da moderação e da tolerância, que é a mesma razão empreendedora, há de ser também a mestra da paz entre os homens. A guardiã dessa razão humana, origem e instrumento do saber, é a universidade, em cujo seio, deve palpitar essa suprema esperança humana. (A 7 págs. 276.)
17. O Papel da Ciência
Da aula inaugural na Universidade do Rio Grande do Sul, Pôrto Alegre, 1955.
Sempre que a inteligência humana passa por um período de liberdade - e por liberdade se entenda a ausência de contrôle impôsto e externo ao seu desenvolvimento - há como que uma safra miraculosa, e a mente humana explode em riquezas de imaginação e observação, que abrem novos horizontes à sua suprema aventura. Foi assim entre os gregos, no seu período áureo, e assim com Epicuro e os Estóicos; e assim no Renascimento, com o Humanismo e a Reforma; e foi assim, no século dezessete, em movimento que se estendeu até o século dezenove. Agora, neste século vinte, de novo se reacende, e como nunca, a necessidade dessa liberdade para uma tomada de consciência e uma nova superação.
A etapa de hoje será a definitiva consagração da visão prática da vida, em que o homem, integrado em seu mundo, busque a sua segurança e a sua certeza, não já em outro mundo, seja o da razão absoluta dos gregos, seja o do sobrenatural da teologia, mas nos controles científicos que lhe permitam dirigir o mundo material e lhe comecem a dar efetivamente o contrôle do mundo social e moral.
E nunca precisamos tanto de liberdade para o pensamento como nesta fase de crise e transição, em que teremos de abrir ou dilatar o horizonte humano, na sua nova, mas ainda perturbada visão científica, isto é, prática do mundo.
O próprio vigor da transformação em curso, entretanto, leva não poucos a voltar as costas até a franquias ou conquistas já admitidas e pressentir perigos na marcha livre do pensamento. São velhos temores que renascem e que, sob certos pontos de vista, não nos devem surpreender...
Com efeito, a nossa espécie existe, digamos, há um milhão de anos, mas sòmente há pouco mais de seis mil anos descobriu a agricultura. Há apenas uns dois mil e quinhentos anos, descobriu a sua própria inteligência e criou a filosofia. Apenas há uns trezentos anos atrás, descobriu pròpriamente a ciência, como a concebemos hoje. E sòmente há uns cento e cinqüenta anos, aproximadamente, entrou a aplicá-la à vida, sob a forma de tecnologias e em substituição às práticas e artes empíricas das lentas civilizações anteriores.
Será assim acaso estranhável que o homem ainda não tenha perdido seus velhos terrôres e vacile ante os resultados de sua própria infância científica? Nesta infância, com efeito, estamos, com os nossos modestíssimos progressos, em ainda modestíssimas parcelas da humanidade...
Onde estão a pequenina ciência de três séculos de idade e as ainda menores tecnologias de pouco mais de um século? - Circunscritas a parte da península européia, às Ilhas Britânicas, à América do Norte, à União Soviética e, saltando aqui e ali, a pequeninas manchas, em todo o resto da Terra. Dos dois-bilhões e meio, se tanto, de sêres humanos, talvez nem sequer meio bilhão já se possa plenamente considerar beneficiário das transformações e se vão operando no sentido de ampliar a liberdade humana, isto é, a praticabilidade dos propósitos, desejos e aspirações do homem.
Apesar de ser assim evidente o nosso estado de infância em relação à ciência, não faltam os que começam a assustar-se com o seu desenvolvimento e a necessidade de uma tomada de posição em face da revolução que vem provocando. Os novos processos de pensamento, que o método experimental introduziu, dando nova fôrça e eficácia às nossas especulações conceituais, suprimiram, de fato, muito dos pretendidos encantos pitorescos e poéticos do passado, e, do mesmo passo, deram ao homem podêres que ainda não sabe êle manipular devidamente. E isto o tem levado a descrer até de muitos dos valores que se já habituara a admirar e amar. Tudo isto, porém, - salvo desarvorado pessimismo - nada mais é do que o resultado daquela mesma infância da ciência e de nossa remediável e conseqüente imaturidade intelectual.
Estamos, com efeito, em uma fase de "exploração" dos resultados da ciência, que se poderia equiparar à dos "conquistadores" e piratas da era que se seguiu aos grandes descobrimentos, e que não data de um passado remoto. Deslumbrados com as possibilidades da produção, estamos a "explorá-la" anárquica e extravagantemente; deslumbrados com as possibilidades da distribuição, estamos a tentar "monopolizá-la" para proveito de alguns; deslumbrados com as possibilidades da comunicação, estamos a utilizá-la para fraudar a verdade, vender tolices, editar comercialmente o espírito humano, levando-a à busca ininteligente de falsos confortos e de formas elementares e gregárias de inépcia coletiva.
Mas, nada disto é produto da ciência, e sim o resultado dos que a exploram, nesta fase inicial do enriquecimento humano, tomados do susto ainda primordial de que tal enriquecimento, como os anteriores, não passe de simples privilégio de alguns, que importa em conquistar, assim, de assalto, sob pena de desaparecer ou não chegar para êles...
Confesso que contemplo tôda essa impaciência não sem alguma apreensão, - seja a dos capitalistas que julgam que a riqueza lhes vai escapar das mãos, seja a dos comunistas, que julgam necessário impor à fôrça o progresso material, - mas, não consigo que minha apreensão obscureça a crença em que estou de que o homem superará mais esta crise e se habituará à posse da ciência, saindo da fase de alquimia econômica e social, não para nenhum milênio, mas para enfrentar adequadamente os problemas bem mais interessantes que o esperam, quando o problema material básico (êste terrível problema em que se vem esvaindo) ficar, afinal, resolvido, e, na progressiva e nova estabilidade em que ingressar, volte o homem a cuidar dos problemas da distinção humana, não já de uma classe nem de alguns indivíduos, mas de todos e cada um dos indivíduos componentes da sociedade.
Não se creia que esteja aqui a manifestar a ingenuidade de um entusiasmo, de muito já superado nos tempos áridos e ácidos dêste nosso século. Duas guerras mundiais, nazismo, fascismo, socialismo revolucionário ou comunismo, capitalismo reexaltado, guerra fria, corrida armamentista sem igual, bombas atômicas e de hidrogênio, ameaças de retaliações maciças, nada disto seria, talvez, de ordem a permitir as considerações quiçá otimistas, que acabo de fazer.
Desejo correr o risco de assim parecer ingênuo, mas, repetir-lhes que, a despeito de tudo isto, continuo a julgar razoável o otimismo do nosso tempo.
Examinemos, embora ligeiramente, os motivos que julgo haver para alimentar êsse otimismo.
Que os novos podêres de que o homem moderno se vê possuidor, a sua, sob certos aspectos, prodigiosa economia e a tremenda praticabilidade de todo e qualquer projeto de ordem material, entre as nações desenvolvidas, seja resultado de maior conhecimento científico, não há, creio, dúvida possível. Os Estados Unidos ou a União Soviética sòmente são o que são, em virtude do avanço tecnológico a que ambas chegaram. Tanto é isto verdade que os sistemas sociais e políticos são diversos ou até opostos, mas os resultados são semelhantes, - o que faz pensar, senão prova, que, para o progresso material, não importa, tanto aquêles sistemas, quanto a aplicação maior ou menor da ciência...
Ora, como conseqüência de uma tal verificação, lançou-se a humanidade no que podemos chamar um estado revolucionário. Tôda humanidade passou a ver que êsse progresso, o progresso material, também lhe pode suceder. E a ebulição em que entraram os povos diante de tal fato - nesta nossa América, na África, Ásia e na Europa - é de tal ordem que, a despeito da imensa fôrça dos países já desenvolvidos, a atitude geral dêstes países já não é de truculência, mas de certo respeito ante a espantosa inquietação. Numa época em que os fortes nunca foram tão fortes, os fracos estão revelando um poder que nunca tiveram ...
Assim, de modo geral, a despeito de todos os temores de catástrofe, o clima bem considerado da humanidade já não é o mesmo da antiga truculência colonialista, de que foi ainda incrível ilustração a trágica aventura de riqueza do rei Leopoldo da Bélgica, no Congo, já em fins do século passado e princípios dêste século, para dar um exemplo sòmente.
De modo geral, pois, a despeito das ameaças, que ninguém pode negar que existam, dos dias que correm, temos motivo de esperar que as cousas não sucedam
pelo pior, mas que se conjure o imenso poder dos fortes com a imensa aspiração dos fracos, levando-nos a uma cooperação nova ou de nova espécie, para uma ordem mundial mais justa e mais equitativa. (A 7 - págs. 296 a 300.)
18. Ciência e Humanismo
Excertos da conferência pronunciada na Reunião do Recife da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
À civilização dos nossos dias chamam de "material", "científica" e "técnica", em oposição explícita ou subentendida à "espiritual", "moral" e "humana". Acentuamos que o homem está progredindo materialmente e se deteriorando espiritualmente, acrescentando muitos que isto se vem dando pelo abandono alarmante dos valores morais e humanos. Tais valores "espirituais" seriam os desenvolvidos pela literatura, enquanto os valores "materiais" à ciência se filiariam. Daí a revolta contra a ciência e a exaltação dos estudos linguísticos e literários, como os verdadeiros estudos humanísticos. A ciência "materializou" a vida humana. Salvar-nos-emos voltando aos estudos exclusivamente literários que marcaram as culturas pré-científicas. . .
Por mais espantoso que pareça, não é outra a atitude de certas correntes, cada vez mais pressionantes nos dias de nossa ainda adolescente civilização industrial. Os novos "humanistas" não pretendem humanizar a ciência, responsável pela civilização tecnológica e industrial, em que vamos ingressando, mas humanizar o homem desumanizado pela ciência, por meio de doses intensivas de estudos linguísticos e literários que, só êles, teriam o dom de re-humanizá-lo. Não apresentam tal sugestão como algo de original e novo - que poderia sê-lo, na verdade - e sim, como lição a tomar e repetir de épocas passadas, em que os únicos estudos então suscetíveis de coordenação e sistematização teriam criado as civilizações "espirituais", de que se recordam com inexaurível nostalgia.
Ora, o que foram realmente essas civilizações "espirituais"? Os "neo-humanistas" que hoje nos acotovelam não escondem que os seus mais lídimos e autênticos delineamentos estariam aquém da era cristã, na Grécia do período chamado clássico, ou alternativa de viagem mais curta contra o tempo - nas revivescências do Renascimento, não devendo, entretanto, ser esquecido o longo período medieval, em que, de qualquer modo, os seus intelectuais (muito poucos), não sendo "científicos", alimentavam-se, de conserva, bem ou mal, daquela parte do saber miraculoso, que foi possível ou foi conveniente salvar da antiga civilização pagã.
Para curar a desidratação espiritual e moral da época e os sustos e os alarmas que ela está provocando, convenhamos que a panacéia. . . é forte, forte e heróica!
Mas foram realmente "espirituais" essas civilizações ou tais períodos de nossa comum civilização ocidental? E se o foram, por que e em que consistia a sua "espiritualidade"?
Se bem refletirmos, veremos que a dita "espiritualidade" decorria de um sistema já bem marcado de classes, em que certo grupo de indivíduos dispunha de suficiente lazer para se entregar a atividades intelectuais estéticas ou recreativas, que chamavam de "espirituais" por serem livres ou espontâneas - ou não produtivas. O "espiritual" seria o que estivesse suficientemente desligado de condições materiais forçadas, para poder ser praticado... "livremente".
Os gregos, já então alicerçados em um regime escravocrata, chegaram, efetivamente, a desenvolver tôda uma filosofia para êsse tipo especial de homem "livre" e "espiritual". Aceita que fôsse a teoria de que certos homens são "escravos", até por "natureza", a teoria social conseqüente importaria em um conceito de "homem livre" à maneira grega, isto é, de homem cujas necessidades materiais seriam atendidas por "escravos" e que se entregaria às delícias da vida mental, como um "quase-espírito", que passaria a ser, assim, cada um dos privilegiados, desde que não o assustasse, como então não o assustava, qualquer estalido da paz social em seu derredor, como em Roma veio a acontecer, com Spartacus - um grande susto, a cujo registro, bem ou mal, não pode fugir a história. (A 7 - págs. 338 a 340.)
O caso da sociedade moderna é, sob muitos aspectos, o oposto da sociedade grega e mesmo da medieval. Estamos, desde o aparecimento da ciência, como é ela concebida hoje, a tentar uma organização social em que todos os homens tenham oportunidades iguais para se desenvolverem segundo as suas aptidões individuais e viverem aqui e agora uma vida decente e de progressivo bem-estar, fundada no trabalho e em uma organização social justa.
O ideal do homem "livre" grego chega a ser uma das mais condenáveis formas de viver na sociedade moderna e o ideal monástico da Idade Média sòmente, em vigor, sobrevive nas ordens religiosas ativas e de trabalho, ou neste sentido evoluídas. Se alguma cousa, aliás, caracteriza, em síntese, a sociedade moderna é o ideal de trabalho, devendo vir a ser esta a atividade por excelência do nosso tempo. (A 7 - pág. 343.)
Tôda tentativa de "espiritualizar" a vida moderna, mediante superfetações culturais clássicas ou medievais, funda-se na conservação do dualismo grego entre vida material e vida mental, dualismo que o conhecimento científico, a nova teoria do conhecimento científico, o método do conhecimento científico destruiu e aboliu.
Sòmente será possível "espiritualizar" e "humanizar" a vida moderna, humanizando e espiritualizando a ciência, o trabalho e a organização social, de nossos dias, senão para agora, para o mais ou menos próximo futuro. O divórcio entre o material e o espiritual é inconcebível, salvo como aspectos da mesma atividade geral, que é, simultâneamente, material e espiritual ou espiritual e material. (A 7 - pág. 345.)
Històricamente, todos sabemos que o saber científico, como o concebemos hoje, se elaborou por saltos e não sem luta e esfôrço, para vencer resistências obstinadas. Para que o método experimental se aplicasse ao mundo físico, primeiro, e depois, ao mundo fisiológico, houve perseguição e martírio... E porventura já estará superada a era dos perseguidos e dos mártires do progresso humano?! ...
Tais conhecimentos eram considerados perigosos, porque ameaçavam interêsses criados e abalavam os fundamentos de uma ordem social inspirada em um saber unificado e pretensamente comum a tôda a civilização vigente.
Como viemos, depois, a considerar tais conhecimentos "materiais" e estranhos aos dominantes aspectos sociais e "humanos" da vida?
É que conquistado o progresso científico moderno, as velhas idéias não se consideraram derrotadas, mas apenas se retiraram para trincheiras mais profundas. O conhecimento do mundo físico, o conhecimento do mundo biológico deixaram como que intactas ainda as regiões do social, do político, do moral e do religioso. Nessas áreas, onde se decidem afinal, por tradição, os interêsses considerados máximos da vida humana, nem sequer teve entrada ainda a ciência, efetivamente. É êste o mundo dos "valores", que continuam a ser governados por um outro tipo de saber - o saber filosófico, ou o saber revelado - ao tácito influxo da tradição, ou pela pura e simples pressão de grupos e classes. Os velhos dualismos irredutíveis aí se refugiam, mantendo a separação entre meios e fins, entre o mecânico e baixo e o moral e alto, o supérfluo e espiritual e o prático e útil.
Não se trata de algo sem conseqüências, pois, devido a tais dualismos é que a nossa civilização, sob o impacto cada vez mais imperioso da ciência, se faz material e inumana, com negação ou exclusão de outros valores, digamos morais, que não são pela ciência dela apartados, mas sim pelos que da ciência usam e abusam, pondo-a ao serviço não da humanidade mas dos seus próprios fins e interêsses.
Concebida a ciência como uma fabricante de meios, sem jamais poder alçar-se aos fins, pode ela ser utilizada para construir ou destruir a vida, sem que em nada isto a afete. Ora, a crise de nossa época é exatamente esta.
A ciência que já conquistou, pràticamente, o mundo físico, que está a progredir a olhos vistos no mundo biológico, aumentando com suas vitórias a praticabilidade dos propósitos e objetivos mais humanos, tem de agora estender os seus métodos e processos de conhecimento ao mundo dos propósitos e dos fins verdadeiramente humanos. O tratamento diverso dêsses graves problemas humanos, pretendendo subtraí-los aos métodos da ciência, é que vem permitindo que a vida humana se torne o joguête dos interêsses desencontrados e em conflito da nossa época em desenvolvimento, ao sabor da doutrinas absolutistas que, grosso modo, na extrema-esquerda ou na extrema-direita, erguem princípios dogmáticos anteriores e superiores à ciência, para entravar-lhe, justamente, a ação renovadora, construtiva. (A 7 - págs. 345 a 347.)
Que temos feito, na verdade, desde o século dezenove, no campo da educação, no qual se formam os homens e onde se exemplificam as diretrizes reais de nossa civilização?
Ou damos ao homem uma formação literária e filosófica, ou lhe damos uma formação científica, ou misturamos ambas as formações em currículos tumultuados, ecléticos e confusos. Pela formação literária, alienamos o homem de sua época, pois essa formação literária é, geralmente, clássica. Pela formação científica, o alienamos dos propósitos e fins humanos, declarando que estamos formando técnicos ou cientistas, isto é, homens que lidam com os meios e nada têm a ver com os fins humanos. Pela formação pseudo-eclética, perturbamo-lo ainda sem verdadeiramente formá-lo. (A 7 - pág. 350.)
O que falta, e o por que cumpre agora nos batermos, é um corpo de crenças científicas, isto é, fundadas na observação e experimentação, como já existe relativamente ao mundo físico, a ser estendido ao mundo social, moral, religioso e político, com a mesma validez reconhecida. O método científico, uma vez aí amplamente aplicado, com a inspiração e a audácia que caracterizaram a sua aplicação ao mundo físico, virá transformar os conhecimentos e tradições pré-científicas ainda hoje reinantes neste mundo nosso, dos supremos interêsses humanos. É devido à separação, entre êsses dois mundos, que a ciência e a técnica são ensinadas como algo de especial e mecânico, sem as conexões com o mundo humano a que vão servir, e daí as suas conseqüências desumanizantes. E a literatura e a filosofia, por sua vez, são ensinadas como disciplinas humanas separadas da ciência e da técnica, que nos estão transformando a vida e a nossa suposta natureza, e em consequência desintegrando, alienando o pressuposto humanista do seu tempo e do seu mundo. E a religião, por último, acrescenta-se a êsse dualismo, produzindo um terceiro grupo de verdades, já agora mais ligado a uma outra vida do que às responsabilidades do homem, agora e aqui, portanto, também alienantes. São, assim, três alienações, a da ciência, a da literatura e filosofia e a da religião. (A 7 - pág. 351.)
Pois, a divisão entre a ciência-meios e a filosofia ou religião-fins produz nada menos do que isto. Os cientistas passaram a sêres extras ou inumanos e quando alguns, como Einstein ou Oppenheimer, se lembram de que são humanos, corre pelo mundo uma surprêsa. . . Pois não é que êsses operários da ciência estão a querer dirigir a vida?
E sente-se, aí, em singular perversão, o resíduo da velha fórmula grega. Os cientistas, transformados em elaboradores apenas de meios, para fins que lhes são alheios, tomam o lugar de artesãos - técnicos nos dias de hoje - e, como tais, ficam subordinados aos elaboradores dos fins, que são a tradição e os que a interpretam e praticam, isto é, os legisladores e políticos, nem filósofos nem cientistas, mas, oportunistas e empíricos, bem pouco autônomos, aliás, porque nada dirigem, mas se deixam ir à deriva, sacudidos, aqui e ali, pelos empurrões e pressões das lutas e conflitos de grupos contra grupos, quer a êles se filiem, quer pretendam ser a êles estranhos ou não subordinados.
Confesso sentir certa dificuldade em analisar a situação presente, não porque lhe ache difícil explicar a extrema confusão, mas, exatamente, por achá-la demasiado óbvia e inevitável.
Para o meu espírito, pelo menos, a chave de tudo está nessa estranha separação de meios e fins. Todo o nosso "progresso" está infetado pela desintegrante concepção dualista, a que mais destacadamente me estou referindo.
Tomem-se as chamadas técnicas sociais, que deve, não a Universidade, mas a escola primária ensinar: ler, escrever e contar. São, sem dúvida, sociais, pois leio, escrevo e conto para poder conviver, trabalhar, comunicar-me e resolver os problemas, sem dúvida sociais, de minha vida.
Pois não é que se pensa (e se pratica!) que se pode ensiná-las, separadamente, como técnicas, ou meios, e depois deixar ao indivíduo que aprenda por si como usá-las?
Com efeito, que faz a escola primária? Esforça-se o mais possível, nos primeiros anos do seu curso, a ensinar tais técnicas, como algo que se aprende independentemente, separadamente, isoladamente, e, depois, prossegue ensinando outras informações e outras técnicas, sem jamais, consciente e deliberadamente, ensinar para que, em que e como usá-Ias. Quando educadores mais esclarecidos lembram que isto é o começo do processo de desintegração do homem, e que todo ensino deve ser completamente ou melhor integrado em uma atividade inteiriça, em que a operação de saber se confunda com a de agir, chamam-nos de praticistas, utilitaristas, pragmatistas, destruidores de algo espiritual, quando não espiritual é, exatamente, essa possibilidade destrutiva de aprender meios e não aprender fins, isto é, como usar os meios.
Estou convencido de que tanto se pode ensinar a ler como a ler bem, isto é, a ler e a escolher o que ler. Mas a falsa idéia de que posso ensinar a ler, porém não posso intervir no processo de escolha, porque tal processo é "livre" e pode ser governado por "imposição externa", e nunca por esclarecimento e ensino; essa idéia falsa levou a escola, sob o pretexto de ser liberal, a julgar que se pode ensinar técnicas, meios e nunca fins, isto é, usos. Ou seremos dogmáticos e imporemos os fins, ou nos detemos nos meios e retiramos qualquer sentido moral ao ensino.
Ora, a solução não está em uma cousa nem outra, mas na boa doutrina de que os fins não são alvo estranho ao contexto das situações, porque são objetivos e propósitos, fins em vista da própria atividade humana, suscetíveis de serem estudados, esclarecidos, alargados e melhorados, tanto quanto as técnicas de que dependem e simultâneamente com elas. (A 7 - págs. 352 a 354.)
Não serão estudos linguísticos e literários que nos irão humanizar a civilização, mas, o estudo da ciência aliada ao da sua aplicação, o estudo da ciência em suas conexões com a filosofia e a vida, o estudo da ciência pelo seu método e seu espírito, que importa introduzir em todos os demais estudos e, mais do que isto, em nossa vida prática, em nossa vida moral, em nossa vida social e em nossa vida política.
Não se trata de cientificismo, que seria ainda uma compreensão fragmentária da ciência, pois importa na aplicação apressada de resultados parciais da ciência, concebida isoladamente, como ciência do físico, no mundo moral político e social. Trata-se, como já disse, antes de uma ampliação do uso do método científico.
Há vários modos de se entender o que seja ciência. Em sentido absolutamente restrito, apenas seriam ciência as ciências tidas como "exatas", sendo veteranas no merecerem o epíteto, as matemáticas e as ciências físicas que nelas se fundam. As próprias ciências biológicas seriam excluídas. Mas, no sentido lato, ciência é antes um método de se obter conhecimento razoàvelmente seguro do que um corpo definitivo, imutável de conhecimentos.
Tal método consiste na observação cuidadosa e objetiva e na verificação das conseqüências, no contrôle seguro dêsses processos de observação e verificação para o efeito de poderem ser repetidos por outrem, e na acumulação progressiva dos resultados apurados, a fim de poderem ser utilizados em novas observações e novas verificações das conseqüências.
Sempre que se estiver utilizando êsse método, está-se fazendo ciência e seguindo a grande trilha real do conhecimento experimental e progressivo. Assim foi na matemática, assim na física, assim na biologia e assim será em todos os demais campos dos conhecimentos humanos.
A aplicação universal do método científico e o abandono do fatal dualismo entre meios e fins, fazendo com que se faça e se estude ciência conjuntamente com (não tenhamos mêdo ao têrmo) filosofia, no sentido grego de sabedoria, isto é, a ciência do uso humano da ciência, não nos darão a felicidade imediata, mas nos encaminharão para a senda de um progresso integrado, harmônico, e então sim - humanístico, humanizante e humano. (A 7 - págs. 345/355.)
III - Principais cargos públicos ocupados por Anísio Teixeira
1. Inspetor Geral de Ensino - Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública da Bahia (1924-1925).
2. Diretor Geral da Instrução - Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública da Bahia (1925-1929).
3. Catedrático de Filosofia e História da Educação da Escola Normal da Capital da Bahia - nomeação com base no diploma de conclusão do curso especializado em Educação no Teacher's College Columbia University (1929-1931).
4. Incumbido, pelo Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública da Bahia, da elaboração de novos horários e programas para as diversas disciplinas das escolas primárias e fundamentais do Estado (1930).
5. Membro de comissão do então Ministério da Educação e Saúde Pública encarregada dos estudos relativos à reorganização do ensino secundário no país (1931).
6. Superintendente das verificações determinadas pelo art. 45 do Decreto n.º 19.890, de 18-5-1931, nos institutos de ensino secundário do Distrito Federal e Estado do Rio (1931).
7. Superintendente do serviço geral de inspeção dos institutos de ensino secundário (1931-1932).
8. Diretor Geral do Departamento de Educação do Distrito Federal - denominação que substituiu a de Diretor Geral de Instrução Pública (1932-1935).
9. Reitor da Universidade do Distrito Federal, durante a ausência do Reitor e até provimento do cargo de Vice-Reitor (1935).
10. Secretário Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal (1935).
11. Secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia (1947-1951).
12. Secretário Geral da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (1951 até o presente).
13. Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1952 até o presente).
14. Professor catedrático do Instituto de Educação do Distrito Federal (1934 até o presente).
15. Professor contratado da Faculdade Nacional de Filosofia, para responder pelo ensino da cadeira de Administração Escolar e Educação Comparada (1957 até o presente).
IV - Bibliografia de Anísio Spinola Teixeira
A. LIVROS
1. Aspectos americanos de educação. Bahia, Tip. de São Francisco, 1928.
2. Relatório apresentado ao governador do Estado da Bahia, por intermédio do Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública, pelo Diretor Geral da Instrução. Bahia, Impr. Of. do Estado, 1928.
3. Educação progressiva; (uma introdução à filosofia da educação). 2.ª ed. São Paulo, Ed. Nacional, 1934. 214 p. (Atualidades pedagógicas, v. III).
4. Em marcha para a democracia; à margem dos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1934. 191 p.
5. Relatório 1950. Bahia, Secretaria de Cultura, 1950. 169 p.
6. Educação para a democracia. 2.ª ed. São Paulo, Ed. Nacional, 1953. 236 p. (B. P. B. Atualidades pedagógicas, sér. 3, v. 57).
7. A educação e a crise brasileira. São Paulo, Ed. Nacional, 1956. 355 p. (B. P. B. Atualidades pedagógicas 2 sér. 3, v. 64).
8. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro, Liv. José Olímpio, 1957. 146 p.
B. Trabalhos publicados na REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
1. Notas sôbre a Educação e a Unidade Nacional (palestra em 11-8-1952 na Associação Brasileira de Educação) - n. 47, p. 35 a 49, jul.-set., 1952. *
2. Estudo sôbre o Projeto de Lei das Diretrizes Bases da Educação Nacional (exposição em 7-7-1951 na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados) - n. 48, p. 72 a 123, out.-dez., 1952. *
3. Condições para a Reconstrução Educacional Brasileira - n. 49, p. 3 a 12, jan,-mar., 1953. *
4. Sôbre o Problema de Como Financiar a Educação do Povo Brasileiro (trabalho apresentado ao X Congresso Brasileiro de Educação, Curitiba, Paraná, janeiro de 1954) - n. 52, p. 27 a 42, out.-dez., 1953. *
5. A Escola Secundária em Transformação (palestra em Seminário de Inspetores de Ensino Secundário) - n. 53, p. 3 a 20, jan.-mar., 1954. *
6. Padrões Brasileiros de Educação (escolar) e Cultura - n. 55, p. 3 a 22, jul.-set., 1954. *
7. Bases da Teoria Lógica de Dewey - n. 57, p. 3 a 27, jan.-mar., 1955. *
8. O Espírito Científico e o Mundo Atual (aula inaugural em 2-3-1955 na Universidade do Rio Brande do Sul) - n. 58, p. 3 a 25, abr.-jun., 1955. *
9. Ciência e Humanismo n. 60, p. 30 a 44, out.-dez., 1955. *
10. A Administração Pública Brasileira e a Educação - n. 61, p. 3 a 23, jan.-mar., 1956. *
11. O Processo Democrático de Educação (trabalho apresentado à Xll Conferência Nacional de Educação, Salvador, Bahia, julho de 1956) - n. 62, p. 3 a 16, abr.-jun., 1956.
12. Bases para uma Programação da Educação Primária no Brasil (conferência em curso de CEPAL sôbre desenvolvimento econômico, Rio de Janeiro) - n. 65, p. 28 a 46, jan.-mar., 1957.
13. A Municipalização do Ensino Primário (tese apresentada ao Congresso Nacional de Municipalidades, Distrito Federal, abril de 1957) - n. 66, p. 22 a 43, abr.-jun., 1957.
14. A Escola Brasileira e a Estabilidade Social (conferência no Clube de Engenharia, Rio de Janeiro) - n. 67, p. 3 a 27, jul.-set., 1957.
15. A Ciência e a Arte de Educar (conferência no encerramento do I Seminário Interestadual de Professôres, São Paulo, S. P., janeiro de 1954) - n. 68, p. 3 a 16, out.-dez., 1957.
16. Variações sôbre o Tema da Liberdade Humana (oração de paraninfo na Faculdade Nacional de Filosofia, 1957) - n. 69, p. 3 a 18, jan.-mar., 1958.
17. Educação - Problema de Formação Nacional - n. 70, p. 21 a 32, abr.-jun., 1958.
18. Falando francamente - n. 72, p. 3 a 16, out.-dez., 1958.
19. Centro Educacional Carneiro Ribeiro - n. 73, p. 78 a 84, jan.-mar., 1959.
20. Filosofia e Educação - n. 75, p. 14 a 27, jul.-set., 1959.
21. A nova Lei de Diretrizes e Bases; Um Anacronismo Educacional? - n. 76, p. 27 a 33, out.-dez., 1959.
22. A Educação e a Constituição de 1946 - n. 77, p. 68 a 82, jan.-mar., 1960.
C. OUTROS TRABALHOS
1. Festa da árvore. Boletim da Agricultura, (10 e 12): 37-46. Impr. Of. do Estado, 1925.
2. Por que "Escola Nova"? Escola Nova, 1 (1): 8-26, 1930.
3. A reconstrução do programa escolar. Escola Nova, 1 (2 e 3): 86-95, 1930.
4. Bases para uma organização econômico-financeira da instrução pública. Boletim de Educação Pública, 2 (1 e 2): 90-94, 1932.
5. Discurso de posse do diretor geral de instrução. Boletim de Educação Pública, 2 (1-2): 75-76, 1932.
6. Reorganização do ensino normal e sua transposição para o plano universitário: criação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Exposição de motivos do Diretor Geral de Instrução, acompanhando o Decreto que tomou o n. 3.810, de 19 de março de 1932. Boletim de Educação Pública, 2 (1-2): 110-117, jan.-jun., 1932.
7. Reorganização da Secretaria Geral de Instrução - exposição de motivos, como Diretor Geral de Instrução Pública do Distrito Federal, que acompanhou o Decreto n. 3.763, de 1 de fevereiro de 1932.
8. Lei do Fundo Escolar - Exposição de motivos, como Diretor Geral de Instrução Pública, que acompanhou o Decreto n. 3.757, de 30 de janeiro de 1932.
9. Unificação dos quadros do magistério primário. Boletim de Educação Pública, 2 (3 e 4): 470-472, 1932.
10. As diretrizes da escola nova. Boletim de Educação Pública, 2 (1-2): 1-24, jan.-jun., 1932.
11. Reclassificação dos alunos das escolas municipais. A Escola Primária, 17 (3): 46-47, 1933.
12. O problema de assistência à infância e à criança pré-escolar. Boletim de Educação Pública, 3 (7-8): 5-19, 1933.
13. Aspectos de reconstrução escolar no Distrito Federal. Boletim de Educação Pública, 4 (9-10): 7-13, 1934.
14. Educação Pública, sua organização e administração. Boletim de Educação Pública, 4 (11-12): 11-483, 1934.
15. A reconstrução educacional no Rio de Janeiro. A Escola Primária, 18 (6): 134-136, 1934.
16. O sistema escolar do Distrito Federal. A Escola Primária, 17 (12): 219-223, 1934.
17. A função das Universidades - discurso, em 31-7-1935, como Reitor interino da Universidade do Distrito Federal, na inauguração dos cursos. Boletim da Universidade do Distrito Federal, (1 e 2): 11-24, 1935.
18. A reclassificação de alunos. Boletim de Educação Pública, 3 (7 e 8). 61-64, 1935.,
19. Filosofia da Educação. Arquivos do Instituto de Educação, 1 (3): 313-315, 1937.
20. Educação e cultura no projeto de constituição da Bahia; discurso. Bahia, Impr. Oficial, 1947. 30 p.
21. Debate na Assembléia Constituinte, sôbre o capítulo de Educação e Cultura do projeto de Constituição respondendo às objeções dos Deputados Mariani, Carlos Anibal e Inácio Sousa. Diário da Assembléia Legislativa, (67): 847-850, 1947.
22. Informações da Secretaria de Educação sôbre prédios escolares em construção. Diário da Assembléia Legislativa, (391), 1948.
23. A revolução dos nossos tempos - discurso em 17/7/1949, na abertura do Xll Congresso Nacional de Estudantes, na Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, Impr., Of., 1949.
24. A pedagogia de Dewey. In: Vida e Educação. São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1952, p. 7-29 (Bibl. de Educação, v. 13).
25. Expansão ou dissolução? Discurso de posse. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Documentação, 1953 19 p.
26. O ensino brasileiro. Boletim da C. B. A. I., 7 (10): 1122-1124, 1953.
27. Romper com a simulação e a ineficiência de nosso ensino. Formação, 16 (176): 11-16, 1953.
28. A Universidade e a liberdade humana. Rio Janeiro, MEC, Serviço de Documentação, 1954. p. 3-36. (Cad. Cultura, n. 68). *
29. A escola pública. Boletim informativo da CAPES, (48): 1-3, 1956.
30. Extensão do ensino primário brasileiro. Boletim da C. B. A. I., 10 (6): 1614-1618, 1956.
31. O mito da cultura geral no ensino superior. Boletim informativo da CAPES, (41): 1-21, 1956.
32. A escola pública universal e gratuita; conferência pronunciada por ocasião do I Congresso Estadual de Educação, realizado na cidade de Ribeirão Prêto, em setembro de 1956. São Paulo, Comissão Executiva 1956. 45 p. mimeogr. (Supl. Bol. do Congresso). * *
33. Lei e tradição. Boletim informativo da CAPES, (54). 1-3, mai., 1957.
34. Palavras na sessão inaugural do Centro Regional de pesquisas Educacionais do Recife. Boletim Mensal do C. R. P. E., 1 (1): 6-13, 1957.
35. Falsa elite. Boletim e informativo da CAPES, (60): 1-2, nov., 1957.
36. Ciência e educação. Boletim informativo da CAPES, (50): 1-3, 1957.
37. Reorganização e não apenas expansão da escola brasileira. Boletim informativo da CAPES, (58): 1-2, set., 1957.
38. Por que especialistas de educação? Boletim informativo da CAPES, (62): 1-2, 1958.
39. Autonomia da escola. Diário de Notícias, (Salvador), 7 out., 1958.
40. Há que virar pelo avêsso a filosofia da educação. Diário da Tarde, set., 1958.
41. Por uma educação comum do povo brasileiro. Diário de Minas, 27 ag., 1958.
42. O ensino secundário. Boletim informativo da CAPES (66): 1-2, mai., 1958.
43. Zelando pela verdade. O Globo, 12 jun., 1958.
44. Péssima qualidade de ensino brasileiro em todos os graus. (Entrevista). Correio Ensino Brasileiro, 6 jun., 1958.
45. Govêrno não hostiliza escola particular; ajuda-a com verbas sempre maiores. Jornal do Brasil, 22 abr., 1958.
46. Fraude contra a educação popular. Leitura, 16 (10): 32-33, abr., 1958.
47. Deitado em berço esplêndido. Senhor, 1 (1): 86-88, jan., 1959.
48. O Ensino cabe à sociedade (Entrevista). O Metropolitano, 5 abri., 1959 e 22 jul., 1959.
49. Dewey e a filosofia da educação. Boletim informativo da CAPES, (85): 1-2, dez., 1959.
50. A escola pública não é simples extensão da escola particular. Rio de Janeiro, 1959. 10. dat.
51. Educação e nacionalismo. Rio de Janeiro, 1959. 4p. dat.
52. A filosofia da administração escolar em face da realidade brasileira. Rio de Janeiro, 1959. 8 p. dat.
53. Editorial - Discurso de paraninfo da turma de 1959 da Faculdade Nacional de Filosofia - Educação e Ciências Sociais, Ano V, vol. 7 - n. 13, fevereiro de 1960, ps. 3 a 13.
54. Conservar a cultura é o dever da escola. Jornal do Comércio, (Rio de Janeiro), 24 jan., 1960.
55. Entrevista sôbre realidade do nosso ensino e do projeto. Visão, 16 (15): 22 abr., 1960.
56. Escola particular e escola pública. Discriminação social versus integração social. A Tribuna, (Santos), 26 mar., 1960.
57. A escola pública promove a igualdade social; a escola primária estimula a discriminação. Correio do Povo., (Pôrto Alegre), 21 fev., 1960.
58. A educação particular jamais se caracterizou como sistema renovador. Diário de Notícias, (Rio de Janeiro), 22 abr., 1960.
* Incluídos no livro A Educação e a Crise Brasileira.
* * Incluída no livro Educação não é privilégio.
CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS EDUCACIONAIS
Serviço de Bibliografia