A IDÉIA DOS CENTROS EDUCACIONAIS
EM ANÍSIO TEIXEIRA
LUÍZ HENRIQUE DIAS TAVARES
S VÉSPERAS do seu quarto centenário, em 1948, a Bahia, Estado brasileiro que tinha um contingente populacional de 4 milhões, não se encontrava em condições de apresentar um sistema escolar eficiente. Na própria Capital, Salvador, existiam apenas três escolas do nível elementar instaladas em prédios aceitáveis. Ainda assim, aquém do necessário, como instalação física, e aquém do necessário, como material didático, o que existia em escolas não comportava o crescente número de crianças em idade escolar. Daí a terrível realidade de 34 alunos por cada mil habitantes, num deficit de matrícula da ordem de 74%. Daí, por sua vez, a outra terrível realidade de um deficit escolar em proporção com uma ineficácia educacional sem precedentes. Com efeito, nos anos que abarcam o Estado Novo, e, mesmo, um pouco antes, a idéia de uma escola de simples alfabetização, dedicada sobretudo à pequena aprendizagem, conduziu ao abandono dos seus objetivos educacionais. Contudo, não podendo dar educação, essa escola simplificada também não podia oferecer ao menos o ensino eficiente da velha trindade, - ler, escrever e contar - inclusive por causa da pequena quantidade de prédios escolares, o que forçava o expediente da divisão e subdivisão do dia letivo em dois, três, quatro e cinco turnos.
Ao tomar posse do cargo de Secretário de Educação, Cultura e Saúde Pública, no govêrno Otávio Mangabeira, o veterano reformador da educação na Bahia e no Distrito Federal, Anísio Teixeira, encontrava, assim, uma lamentável situação escolar e educacional. Êle a definiu no seu primeiro relatório de Secretário (abril de 1948):
"Os serviços de educação no Estado resumem-se em um corpo de professôres primários aglomerados nas cidades, ou dispersos pelas vilas e povoados, quase todos sem prédios, instalações e assistência técnica, moral ou mesmo administrativa, um corpo de professôres secundários distribuídos em três ou quatro pavilhões de um único instituto secundário, e três institutos de formação do magistério primário, sòmente um com instalações materiais adequadas, mas lamentàvelmente transformado numa confusa e congestionada escola secundária" (1).
Constatava-se, porém, além do mais, a crescente desimportância e desvalorização da escola. Já não valia para as populações. Em seu lugar, ocupando a importância que a escola perdera, cuidando do ensino que a escola deixara de transmitir, despontava o ascenso, até agora em progresso, do ensino secundário. Em Salvador mesmo os ginásios e colégios oficiais tinham, naquela época, 5 500 alunos, enquanto as escolas primárias denotavam apenas 10 000 matriculados.
Para opor, então, a essa "deformação dos institutos educativos", um sistema realmente de educação, Anísio Teixeira idealizou o sistema educacional que está preconizado no Capítulo de Educação da Carta Constitucional baiana (1). Entretanto, não sendo possível, naquele então, nem, infelizmente, até o presente, a votação da Lei Orgânica da Educação baiana, é assim que Anísio Teixeira se dedica a um plano de construção do novo sistema escolar da Capital e do Interior. A idéia dos Centros Educacionais parte dêsse plano.
No relatório de 1948, expressando o plano que idealizava para "a recuperação do ensino primário" baiano, Anísio Teixeira dizia que era preciso construir, com urgência, no Interior, escolas provisórias, semiprovisórias e permanentes.
A escola provisória seria um simples galpão. A semiprovisória acompanharia o mesmo esquema de construção precária e econômica, embora mais estável. A permanente, com o caráter de construção definitiva, comportaria diversos tipos de prédios, desde o mínimo - prédio de pelo menos três salas, uma de trabalhos manuais, uma para biblioteca, outra para administração - até o nuclear - prédio de pelo menos seis salas, uma biblioteca, um pequeno auditório, dependências de administração, comportando acréscimos - e a Escola Compreensiva - prédio de pelo menos 12 salas de aula, um auditório, uma biblioteca, salas para cursos de adultos, salas para agências de informação, para professôres, para a administração, além de instalações para educação física e jogos recreativos.
A propósito do tipo de escola que denominava de Escola Compreensiva, esclarecia o educador:
"É chamada compreensiva porque incluirá, além do curso elementar integral, com pequenas oficinas de artes industriais, o ensino de extensão aos adultos, e a biblioteca e o auditório de aplicação mista. Nela é que a escola primária se desdobrará em todos os seus aspectos e em que se processará o que se está aqui a chamar de recuperação da escola primária" (2).
Essa Escola Compreensiva, destinada aos centros urbanos de mais de cinco mil habitantes, é uma primeira formulação da idéia dos Centros Educacionais.
Para a Capital, centro da maior concentração populacional baiana, já, aí, em 1948, com os problemas de urbanização que os anos agravaram, Anísio Teixeira idealizava uma escola de tipo inteiramente novo, dividida em duas ordens de atividades. À primeira, dedicada à instrução, chamava "escola-classe"; à segunda, dedicada à educação, chamava "parque-escola". Êsse é, o esbôço do que definiria, posteriormente, como Centro Educacional, - um Centro de educação integral, que compreendia atividades de instrução, "escola-classe", e de educação, "parque-escola", "escola-parque".
Aqui, em 1947-1947, Anísio Teixeira pensava em 30 escolas-classe e em cêrca de sete ou oito parques escolares.
Cada escola-classe pegaria mil alunos. Por sua vez, cada parque-escola teria capacidade para quatro mil alunos. Funcionariam em dois turnos, sendo que o escolar freqüentaria, diàriamente, ambas as escolas, comparecendo na escola-classe pela manhã os que freqüentassem a parque-escola pela tarde, e pela tarde os que freqüentassem a parque-escola pela manhã. Na escola-classe o aluno encontraria o curso básico de ler, escrever e contar, e mais história e ciências. Na parque-escola, encontraria educação física, recreação, jogos, desenho, artes industriais, música, educação social, educação de saúde e atividades extra-classes. Na parque-escola ficariam as instalações de ginásio, ateliers, oficinas de desenho e artes industriais, salas para música e clubes, refeitórios, cantinas, auditoria, teatro e biblioteca. Contudo, quatro escolas-classe e uma parque-escola formariam cada unidade do que seria definido como Centro Educacional. Unidade inclusive administrativa, com um diretor, auxiliares, professôres. Como se fôsse e se funcionasse nos moldes de uma Universidade.
Encarecendo as vantagens dêsse sistema, enumerava cinco aspectos:
"1) Solução da dificuldade de áreas, pela redução de terreno para as escolas-classe ao mínimo de 20 metros de frente para 60 de fundo e pela redução da necessidade de grandes áreas, apenas 7 ou 8, para os parques-escolares.
2) Superação da dificuldade de dois turnos para a escola primária. Com efeito, os turnos haviam reduzido o curso primário a 4 horas, de todo insuficientes para a educação elementar. Com o plano, teremos a criança com oito horas de educação, ministrada por dois grupos de professôres.
3) Facilidade de renovação educativa, oferecendo-se uma instituição para o ensino chamado tradicional e uma outra para os aspectos mais educativos e de integralização da educação, com a conseqüente possibilidade de mais adequado aproveitamento dos professôres de um ou outro espírito, isto é, tradicional ou renovador". (1)
Um ano depois, constatando que os esforços de sua administração, "por vêzes extenuantes", ainda não tinham conseguido alterar os serviços educacionais da Bahia, mesmo porque a constitucionalização democrática do país não se fizera acompanhar de reformas indispensáveis, voltava o educador a insistir nas idéias defendidas no relatório de 1948. Agora, então, formulava, claramente, a idéia dos Centros Educacionais.
Para o Interior, que parece ser uma permanente preocupação no Secretário, Anísio Teixeira exprimia o plano dos Centros Regionais de Educação, - Centros destinados à educação secundária, normal e profissional, mas dotados de Jardim de infância e de escola elementar modêlo. Nesses Centros, a escola elementar teria dez classes e mais biblioteca, auditório, ginásio, salas especiais para desenho e artes industriais e dependências para administração e professorado.
Quanto à Capital, definindo a idéia dos Centros de Educação, empregava a classificação de "escola-classe" e "escola-parque" para as respectivas unidades de instrução e de educação. Noticiava, por sinal, a construção do primeiro Centro, o hoje Carneiro Ribeiro, composto de quatro escolas-classe e uma escola-parque.
Conquanto haja, desta vez, um rebatismo, pois a antes parque-escola passa a escola-parque, perduram as linhas mestras da primeira idealização. Está, porém, clara e plena, na concepção do educador. Êle declare:
"Seu funcionamento será o seguinte: 1920 crianças freqüentarão as escolas-classe pela manhã, e à tarde, a escola-parque; outras 1920, a escola-parque pela manhã, e as escolas-classe à tarde". (1)
Durante o dia, a Escola Parque receberia 3 840 crianças. Em cada turno, o da manhã e o da tarde, o grupo de 1 920 crianças se dividiria em subgrupos de crianças de 7 a 9, de 10 a 12, encaminhadas para as secções da Escola. Seriam essas as seguintes: atividades sociais e artísticas, atividades pré-vocacionais, atividades físicas. Além do mais, a Escola Parque possuiria refeitório ou restaurante, setores de administração, residências ou internatos para 100 alunos, biblioteca para 300 alunos, teatro ao ar livre e amplas áreas para jogos e recreação.
Com referência ao que dissera em 1948, nessa formulação do relatório de 1948, Anísio Teixeira disciplinava as atividades educativas da Escola Parque em três ordens de atividades. Ao plano inicial acrescentava um internato para 100 crianças, com o que atendia, de certo modo, as indicações do Governador Mangabeira, então preocupado com a terrível situação dos menores abandonados. Desejava o Governador um plano de assistência para êsses menores. Anísio Teixeira ofereceu a solução educacional dos Centros Educacionais, cada um dêles com uma residência para 100 crianças órfãs. Mas era um antiorfanato, como diria.
Nêsse mesmo ano de 1949, o educador anunciava a construção de Centros Educacionais nos bairros de ltapagipe, Brotas, Garcia, Barra, Rio Vermelho e Santo Antônio. O que então já se construía estava implantado no bairro da Liberdade, o maior, o mais populoso, o mais complexo: um bairro que se apresenta como se fôsse outra cidade na cidade do Salvador.
No final do terceiro ano do govêrno Mangabeira, abril de 1950 embora acentuasse a manutenção de muitos aspectos e mesmo condições negativas no sistema escolar baiano, Anísio Teixeira podia constatar algumas modificações para melhor. Observava o aumento quantitativo da educação. Acontecia então que as 2155 unidades escolares encontradas no início da administração passavam a 5 009; que a matrícula geral de 153 157 subia para 275 575; que a freqüência média de 170 574 estendia-se para 198 349.
Numa referência breve, falava da escola-classe e da escola-parque. Como resultado, porém, de quanto aprofundara a idéia inicial, fixava agora a idéia do Centro Educacional numa unidade de quatro prédios escolares, em áreas diferentes - as escolas-classe - e um conjunto de pavilhões numa mesma área - a escola-parque. Cada escola-classe recebia 1 000 alunos em dois turnos. Por sua vez, a Parque receberia 2000 alunos em cada turno.
* * *
No discurso com que inaugurou três escolas-classe do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, ainda em 1950, analisando como o concebia, explicava que o setor de instrução, escola-classe, manteria o trabalho tradicional da antiga escola de letras, - ensino de leitura, escrita e aritmética - enquanto o setor de educação, escola-parque, teria a responsabilidade da educação artística, do trabalho manual, das artes industriais, da educação física.
Não fôra possível, porém, dadas as condições financeiras da Bahia, construir todo um Centro Educacional. No máximo, aquelas três escolas-classe, um conjunto de 36 salas de aula. Mas o educador esperava que não retardasse a construção dos pavilhões da escola-parque. Sim, porque êles eram imprescindíveis à existência do Centro de Educação.
Até aqui vai o que podemos chamar de passeio em tôrno da idéia do Centro Educacional em Anísio Teixeira.
Não será demais salientar que é idéia nova e ousada, dirigida para um Brasil que se industrializa, e que precisa, pois de muita educação, inclusive para que não perca o caminho para a democracia. Mas, exatamente a dos quadros da escola tradicional, dos quadros de uma educação de arranjos, não foi, não é, pacífica a aceitação dessa Escola intentada na Bahia pelo educador Anísio Teixeira. Chamaram-na "luxuosamente cara", ao que êle respondeu que a boa educação não pode ser barata, - tem de ser cara, como a guerra.
Sinal da resistência ao plano é a própria construção do Centro Educacional. No govêrno Mangabeira, com sua autoridade e seu prestígio de educador, conseguiu Anísio Teixeira inaugurar três escolas-classe. Entretanto, da Escola Parque só deixou o terreno, terreno, aliás, que sofreu "invasão", e foi podado de uma área já prevista para dois pavilhões, um dos quais era o destinado às atividades de educação física, jogos e recreação. É assim que sòmente após o cargo de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos consegue Anísio Teixeira mobilizar os recursos necessários para a construção do pavilhão de artes industriais da Escola Parque. Inaugurado êste em outubro de 1955, começou a funcionar em caráter experimental, logo se tornando motivo de interêsse e atração para educadores e simples curiosos. Contudo, pelo fato de ser o primeiro dos pavilhões do Parque a ser construído, só há pouco inaugurado o de Jogos e Recreação, só agora em fase de conclusão o da Biblioteca, êsse de Artes Industriais tem sido incorretamente identificado com a Escola Parque. É também por isso que é conveniente relembrar a idéia de Anísio Teixeira, - idéia de uma escola integral, composta de atividades de instrução e educação, harmônica em sua estrutura, harmônica em sua administração. Uma Escola, enfim, como ainda não existe, mas que tudo indica ser a única certa.