Prefácio
Em nosso país, em determinados momentos, destacam-se individualidades que, superando restrições do meio, da época e do momento histórico, transcendem essas limitações e atingem ao nível da universalidade.
Podemos apontar alguns desses exemplos a começar por José Bonifácio, que Anísio Teixeira dizia assemelhar-se a um técnico da Unesco incumbido de fazer a Independência do Brasil, um Bernardo Pereira de Vasconcelos também na política e um Joaquim Gomes de Souza, na matemática, ambos no período imperial, e já mais recentemente, um Oscar Niemeyer na arquitetura e um Vila Lobos na música.
Sem tentativas de comparações, pode-se dizer que na educação Anísio SpínoIa Teixeira atingiu esse nível, desde quando em 1924 assumiu a Diretoria da Instrução Pública do Estado da Bahia até à morte trágica e misteriosa em 1971, - excluído o período do ostracismo no Estado Novo - pois toda a sua vida foi dedicada ao bom combate pela educação, num plano de pensamento inteiramente original, que supera, mesmo, o plano nacional.
O estudo de sua formação revela, como habitual nos homens de seu tempo, o mais puro autodidatismo, sem embargo da formação que os padres jesuítas lhe forneceram, na esperança de que ele se tornasse um deles. Neste caldo propício à cultura é que se inseriram os estudos no Teachers College da Universidade Columbia, numa fase de apogeu doutrinário dessa instituição, onde se destacava, em primeiro lugar, John Dewey mas também, entre outros, Kilpatrick e George Counts.
De volta ao Brasil, Monteiro Lobato o apresentaria a Fernando Azevedo: dizendo "eis o Anísio lapidado pela América". A expressão, mais do que no simbolismo, revelava o quanto a experiência americana, não apenas nos bancos escolares mas também no esplendor de uma civilização que criara condições materiais e espirituais inteiramente novas, marcara o seu espírito e lhe fizera antever a civilização do futuro baseada em regime democrático.
Sem novamente querer comparar duas personalidades de formação tão diversa e de projeções tão diferentes, a mesma surpresa e encantamento que Alexis de Tocqueville encontrou na sociedade americana em 1831, lhe provocou o livro clássico A Democracia da América pelo contraste que percebeu com a sociedade francesa, já ultrapassada a fase da Revolução, mas ainda impregnada do espírito aristrocrático, ocorreu com o jovem bacharel baiano, nascido no sertão, cujo pai era um dos coronéis políticos da República Velha, com o contraste com uma sociedade que mal saíra do regime escravocrata, e cuja diferenciação de classes era muito nítida.
Ao contrário do pensador francês, Anísio Teixeira não deixou um livro sistemático e global, mas toda sua obra está impregnada desse espírito. De 1924 quando foi chamado, bacharel recém-formado para as lides da educação, toda sua vida foi integralmente dedicada ao pensamento e ação nessa área, entendida não como uma mera especialidade e uma técnica restrita, mas como um processo de moldagem e formação do indivíduo para o exercício da cidadania ao regime democrático, baseada na escola pública. As atividades na administração impediram que realizasse uma obra escrita sistemática, mas em qualquer dos seus trabalhos se percebe esta característica marcante.
Com sua morte em 1971 momentaneamente sua figura ficou esquecida, mas logo começaram a surgir as teses universitárias estudando facetas de sua personalidade. Sobretudo, dois de seus grandes amigos, fascinados pela sua personalidade, nos deram contribuição de monta. O primeiro, Hermes Lima, seu companheiro na criação da Universidade do Distrito Federal e seu amigo de toda vida deu ao livro o sub-título de "Um Estadista da Educação", visando a ressaltar os aspectos políticos da sua obra de educador e sua posição de fervoroso defensor do sistema democrático.
Já Luiz Viana Filho, consumado biógrafo, no livro com subtítulo "A Polêmica da Educação" destacou a personalidade e a posição pessoal, realizando cuidadoso trabalho de pesquisa, sobretudo através da correspondência e dos depoimentos.
O caráter fragmentário da obra de doutrina de Anísio Teixeira, de certa maneira dificulta ao pesquisador e a estudioso o seu conhecimento. Os seus livros estão todos esgotados e fora das livrarias, e na verdade, expressões importantes desse pensamento se encontram em trabalhos avulsos, publicados em revistas de pequena circulação, ou em separatas de difícil acesso.
Por isso ganha expressão o livro Anísio em Movimento que João Augusto de Lima Rocha está agora divulgando. Trata-se de um professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia e portanto, proveniente da área tecnológica, mas que tendo participado da direção da Associação dos Professores Universitários da Bahia e na luta pela escola pública, encontrando-se com Anísio Teixeira, por ele se fascinou e vem dando uma contribuição inestimável como diretor executivo da Fundação Anísio Teixeira. Aliás a Fundação Anísio Teixeira foi criada justamente com a função de divulgar a obra do grande educador e o trabalho de João Augusto de Lima Rocha se enquadra exatamente nos objetivos dessa instituição.
O trabalho é amplamente meritório, pois significou, em primeiro lugar, uma exaustiva coleta de elementos, que se encontravam dispersos em publicações de consulta penosa.
A esse trabalho inicial, se junta o fato de tê-los reunido de forma sistemática, facilitando a compreensão desse pensamento, e inclusive divulgando trabalhos ainda não publicados como os estudos de Florestan Fernandes, Antonio Houaiss e Arthur da Távola, pronunciados na sessão de instalação da Fundação em 1989, entre outros.
Ganha-se nesse trabalho uma visão sistemática em que se estuda, em primeiro lugar, a luta pela escola pública, para em seguida tratar do perfil do educador, através de vários depoimentos que, sob ângulos diferentes e transmitindo experiências diversas, se configura essa eminente personalidade.
Finalmente, a parte "Tempos e Contratempos" divulga trabalhos de autoria de Anísio Teixeira, inclusive polêmica mantida com o jornal "A Tarde" em 1949, e textos de sua fase inicial de atividades, que são praticamente desconhecidos.
O livro de João Augusto de Lima Rocha merece assim todos os louvores, esperando-se que prossiga nessa linha de investigação que inicia com bastante êxito.
Alberto Venâncio Filho
Membro da Academia Brasileira de Letras
e Conselheiro da Fundação Anísio Teixeira