O PARADIGMA DE ANÍSIO TEIXEIRA:

UMA EDUCAÇÃO PARA UM ESTADO

DEMOCRÁTICO

 

 

Luiz Felippe Perret Serpa

 

Inicialmente, queremos enfatizar que a função do planejamento no Estado brasileiro foi intensificada durante os governos autoritários, particularmente no período 1967 - 1979. Essa intensificação se constituiu na estratégia principal dos governos militares, a qual criou uma ideologia que se denominou tecno-burocrática, e que trouxe, como conseqüência, a aliança do poder militar com o poder tecnocrático, constituindo-se em um verdadeiro Estado autoritário.

Mesmo hoje, depois da distensão lenta e gradual, da transição democrática e com o estabelecimento da democracia representativa, ainda estamos assistindo e sofrendo políticas públicas baseadas na mesma ideologia autoritária.

Com essa ideologia autoritária de planejamento, a educação pública, nas últimas décadas, apresentou as seguintes características:

(a) Desescolarização da educação pública, através do enfraquecimento da unidade escolar, o que correspondeu a um crescimento dos quadros tecno-burocráticos dos órgãos centrais, em todos os níveis administrativos da gestão do Estado (União, Estado e Município).

(b) Desvalorização do professor, através do enfraquecimento da unidade escolar e da valorização dos profissionais de educação com formação tecnicista nas diferentes áreas: planejamento, administração, supervisão, orientação e financiamento.

(c) Desvinculação da unidade escolar pública da sociedade, em face de seu enfraquecimento e da conseqüente valorização da unidade escolar privada.

Essas características, conseqüência de um Estado tecnocrático e militar, agravaram, no caso da educação, as influências político-partidárias e mesmo eleitorais na condução da gestão da educação pública, tanto no que diz respeito à administração como ao financiamento.

Inclusive, a concepção sistêmica de gestão do Estado autoritário valorizou os setores de planejamento, economia, finanças e administração, com a conseqüente desvalorização das políticas sociais e da gestão setorial correspondente. Assim a educação pública foi atingida profundamente pelo Estado tecnocrático, burocrático e militar nas últimas décadas.

O que hoje assistimos na educação pública no Brasil é o produto dessa ideologia, a qual deveremos transformar se pretendemos fundar um Estado democrático.

Essa transformação consiste na elaboração de um planejamento da educação pública, cuja ideologia subjacente seja a de um Estado democrático.

Temos uma experiência histórica, do grande educador Anísio Teixeira, a qual poderá e deverá ser fonte inspiradora para a superação da ideologia tecno-burocrática ainda vigente na função planejamento da educação.

As características básicas dessa experiência histórica são:

(1) Valorização da unidade escolar, com a participação conjunta da União, do Estado e do Município para seu funcionamento pleno. Como afirma Anísio Teixeira: "A escola primária seria, assim, federal, pelo cumprimento das diretrizes e bases federais, estadual, pela organização e pelo magistério, cuja formação e licenciamento ficariam atribuídos, privativamente aos Estados, e municipal, pela sua imediata direção e administração e por tudo isto, nacional - brasileira". (Educação é um Direito, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. p. 56).

Não se trata de municipalização do ensino e sim da participação dos três níveis administrativos do poder público na escolarização da educação pública.

(2) Valorização do professor, através do fortalecimento da unidade escolar e da valorização do seu salário, da utilização da concepção do custo-aluno/ano como base para o financiamento da educação pública, e da atribuição de importância à formação e ao licenciamento do magistério. A esse respeito, afirma Anísio Teixeira: "A formação e o licenciamento do magistério seriam da competência exclusiva dos Estados, sem prejuízo do poder regulamentador das profissões conferido pela Constituição à União". (Educação é um Direito, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968, p. 82).

(3) População escolarizável como base para o financiamento da Educação Pública, através do conceito de custo-aluno/ano e da participação dos três níveis administrativos do poder público no financiamento da unidade escolar. Como propõe Anísio Teixeira:

"Para esse "custo-padrão" contribuiriam com efeito as três quotas: a municipal correspondente ao resultado da divisão dos 20% de sua receita tributária pelas crianças escolarizáveis, em virtude da obrigatoriedade escolar; a estadual, correspondente ao resultado da divisão de 14% de sua receita tributária por esse mesmo número de crianças; e a da União correspondente ao que faltasse para completar o total do custo-padrão do aluno/ano, no serviço comum do ensino primário". (Educação é um Direito, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968, p. 82).

(4) lntegração da unidade escolar pública com a sociedade, através da gestão democrática da educação desenvolvida por órgãos colegiados em todos os níveis da escola, do município e do estado. Como afirma Anísio: "O fato de se fazer pública a educação não lhe retira o caráter de serviço em estreita articulação com a sociedade. A sociedade é mais ampla do que o Estado. Quando as circunstâncias a levam a transferir ou confiar ao Estado o ônus de ministrar e manter o ensino, a delegação é feita no pressuposto de serem dadas à escola as condições necessárias para o seu mais adequado funcionamento, no interesse geral da sociedade". (Educação é um Direito, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968, p. 66).

A gestão democrática da educação pública, proposta por Anísio Teixeira tem a preocupação de livrá-la de influências político-partidárias e eleitorais e da burocracia do Estado. Nesse sentido, propõe que "... os serviços de educação constituam serviços autônomos, de responsabilidade conjunta da União, dos Estados e dos Municípios, superintendidos por Conselhos representativos da sociedade e de composição leiga... Os recursos mínimos previstos na Constituição, para tais serviços passariam a ser considerados Fundos de Educação a serem administrados pelos Conselhos". (Educação é um Direito, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968, p. 81).

Assim, a experiência histórica de planejamento da educação pública, cuja ideologia subjacente é a de um Estado democrático, poderá e deverá servir de referência básica para a superação de uma ideologia de planejamento, que, nas últimas décadas, foi professada por um Estado autoritário de caráter tecno-burocrático.

Cremos que a concepção mais significativa da relação entre educação e Estado democrático é sintetizada nas palavras de Anísio Teixeira, as quais assumimos como paradigma:

"As relações, portanto, entre o Estado Democrático e a Educação são relações intrínsecas, no sentido de que a Educação é a condição sine qua non da existência do Estado Democrático". (Educação é um Direito, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968, p. 80).