AS INOVAÇÕES DE ANÍSIO TEIXEIRA

NA ARQUITETURA

E CONSTRUÇÃO ESCOLAR:

OS CASOS DA BAHIA E DO RIO DE

JANEIRO

 

 

João Augusto de Lima Rocha

 

"A escola, com efeito, compreende inversão econômica do mais alto vulto... Em suas edificações, constitui um dos mais complexos conjuntos, neles incluindo-se os elementos da residência humana, dos serviços de alimentação e saúde, dos esportes e recreação, da biblioteca e museu, do teatro e auditório, oficinas e depósitos, sem falar no que lhes é privativo, ou sejam as salas de aula e os laboratórios. A arquitetura escolar, por isso mesmo, inclui todos os gêneros de arquitetura. É a escola, em verdade, um lugar para aprender, mas aprender envolve a experiência de viver, e deste modo todas as atividades da vida, desde as do trabalho até as de recreação e, muitas vezes, as da própria casa". (Anísio Teixeira)

A compreensão de Anísio sobre a escola, enquanto espaço destinado à formação integral do indivíduo, vincula-se à concepção professada pelos seguidores do filósofo americano John Dewey, para quem educação é vida, não uma imitação da vida, não simplesmente uma preparação para a vida, mas a própria vida.

Nesse sentido o projeto e a construção escolar deveriam obedecer ao princípio da dignidade, a mesma dignidade da vida, um direito a ser assegurado a todos na democracia. Democracia que ele definia a partir da exigência de que a educação fosse garantida como o primeiro de todos os direitos, em nome da igualdade de oportunidades.

Essa concepção liberal, avançada para a época, que alguns chegavam a chamar de "comunista", deu lugar a que Anísio marcasse sua presença na renovação da educação brasileira, também inovando nos aspectos da concepção e realização de programas de construção escolar.

A rigor, Anísio já começa a inovar nesse campo desde o tempo em que fora Diretor da Instrução, de 1924 a 1929, na Bahia. Para ele era necessário inverter a compreensão de que a nomeação do professor deveria ser a questão central da escola, porque isso jogava para segundo plano o lado pedagógico, a intenção de centrar a educação no aluno. Introduz daí a questão da necessidade de que o prédio da escola seja construído, ao invés de adaptado a partir de imóveis construídos originalmente para outras finalidades.

O conhecimento que Anísio teve, no final da década de 20, da educação norte-americana - educação pública com grande participação das comunidades locais - fez dele um defensor da descentralização aliada à idéia de projetar a sede da escola como um edifício rigorosamente subordinado a um programa arquitetônico em consonância com a cultura local, mas também, com um projeto pedagógico referenciado ao momento mundial de contínuas e cada vez mais rápidas transformações.

A escola teria que ser integral, portanto, a fim de formar quadros aptos, principalmente para a movimentação da indústria crescentemente complexa, e que ao mesmo tempo fossem capazes também de interpretar toda a complexidade engendrada pela velocidade dos novos avanços.

Para Anísio o modelo norte-americano de escola, por exemplo, teria sido o principal responsável pela marcante posição conquistada pelos Estados Unidos no cenário mundial, neste século. Assim o modelo escolar norte-americano deveria ser considerado por qualquer nação que também pretendesse buscar o progresso, pensava ele.

Terminada sua gestão à frente da educação na Bahia, Anísio vai para o Rio de Janeiro, onde em 1931, substitui Fernando de Azevedo na Diretoria da Instrução do então Distrito Federal. De 1931 a 1935 ele implanta um grande programa de construção escolar no qual despontam, entre as inovações, uma que iria se desenvolvendo gradativamente com o tempo, até consagrá-lo, mais tarde, com a criação da Escola-Parque de Salvador, no início da década de 50. Porque, na verdade, a concepção da Escola-Parque da Bahia, e por extensão, de todo o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, seria conseqüência do modelo de escola platoon, trazido por ele de Detroit para ser implantado no Rio de Janeiro, onde construiu uma série de escolas desse tipo cujo projeto caberia ao arquiteto Eneas Silva.

Segundo Hélio Duarte (Escola-Classe, Escola-Parque, uma Experiência Educacional, São Paulo: FAUUSP, 1973), nessa ocasião foram implantadas no Rio de Janeiro, escolas tipo platoon com 12, 16 e 25 salas de aula. A cada sala correspondiam 40 alunos no turno da manhã (das oito e meia às onze e meia) e o mesmo número no turno da tarde (das doze e meia às três e meia). Seriam dois "pelotões" que se revezavam, tendo cada qual, no respectivo turno oposto, atividades em salas especiais: auditório, ginásio, música, artes plásticas, literatura, biblioteca, ciência, geografia, artes manuais e recreio.

As Fotos de 01 a 06, retiradas do relatório de Atividades do Secretário de Educação do Distrito Federal (1931-1935), dão uma mostra da dignidade arquitetônica das escolas do tipo platoon construídas durante a gestão de Anísio Teixeira, para o ensino primário. São escolas que, hoje, mesmo reformadas e deslocadas de sua primitiva utilização, estão ainda em pleno funcionamento no Rio de Janeiro.

Hélio Duarte, no seu livro já citado, faz uma avaliação positiva das escolas platoon no Rio de Janeiro: "Temia-se que uma excessiva especialização dos assuntos fosse nociva à unidade indispensável ao curso primário, que fosse demasiado fatigante para o professor e que, finalmente, houvesse muita confusão e desordem no revezamento de atividades. Nada disso aconteceu".

Forçado a afastar-se da direção da Educação do Distrito Federal em 1935, Anísio só volta a atuar na área em 1946 e, em 1947, ao assumir a Secretaria de Educação e Saúde da Bahia, põe em prática, até o final do mandato, em 1951, um ambicioso plano que se inicia com a construção de escolas para as zonas de população dispersa e prédios escolares no interiorado Estado: para a educação primária, para a educação secundária e para a formação de professores, os últimos projetados para as sedes das dez zonas estabelecidas com a finalidade de descentralizar a educação no Estado.

Elabora esses projetos com a colaboração do arquiteto Diógenes Rebouças, pondo-os em prática de forma muito original: escolhia em cada local onde uma escola deveria ser construída, uma comissão de pessoas comprovadamente idôneas, para se responsabilizar pela construção, e fazia o acompanhamento mediante o recurso da fotografia, liberando os recursos para as diversas etapas somente através do relatório fotográfico de equipes que percorriam o Estado realizando a fiscalização mais antiburocrática de que se tem notícia!

Para a zona rural, de população dispersa, planejou a construção de centenas de unidades (quase todas construídas). A unidade constava de uma sala de aula, um recreio coberto e a residência da professora (Foto 7) instalada numa área mínima de 1 hectare, para incentivar as práticas agrícolas.

Para os núcleos urbanos (de 400 até 10.000 habitantes) a proposta começa pela "escola mínima" (Foto 8), com prédio de construção modulada e extensível, que se inicia com uma só sala de aula, constituindo a célula inicial da escola primária, planejada para ser construída em todos os 3000 povoados e arraiais do Estado, dentro da campanha Um teto para cada escola.

PROJETOS DO PERÍODO DE 1931 A 1935
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO DISTR. FEDERAL (RJ)
GESTÃO ANÍSIO TEIXEIRA


Escola tipo "Platoon"


Escola tipo "Platoon"


Pavilhão Central de escola de 25 classes


Sala de Aula


Aspecto do interior


Hall da escola

A expansão imediata da escola mínima é a escola de duas salas de aula, com o prédio já bem mais acabado. Depois vem a escola "nuclear", que já pode ser considerada uma "escola primária". Tem três salas de aula, biblioteca, salas de administração, área coberta de recreio, cantina e depósitos (Fotos 9 e 10).

O "grupo escolar médio", correspondente ao quarto estágio de construção da escola primária, tem seis salas de aula, biblioteca, salas de professores e administração, auditório-ginásio, cantina e área coberta (Foto 11). Finalmente o "grupo escolar completo", última fase da construção da escola primária, com doze salas de aula, inclusive três especiais, salas de professores e de administração, biblioteca, clubes escolares, jardim de infância, ginásio, auditório-teatro e áreas cobertas de recreio (Foto 12).

Esses prédios que, como visto, podiam ser sucessivamente ampliados de uma sala de aula até um grupo escolar completo, tinham uma arquitetura de grande amplitude, podendo neles serem utilizados quaisquer materiais de construção, até mesmo adobes, funcionando as colunas como elementos de sustentação. As salas de aula tinham uma área de 66m e todo o edifício é construído com módulo de 1,25m, obtido mediante o estudo da conveniência de padronização de áreas, esquadrias, etc.

Para o ensino primário em Salvador a solução é diferente: Aí é proposta a escola de dois turnos, em um grupo integrado pelas "escolas-classe" e pela "escola-parque", com um máximo de 4.000 alunos no conjunto. Previa-se, inicialmente que 5% desses alunos seriam internos, correspondendo às crianças abandonadas, mas o único conjunto que chegou a ser construído não adotou essa proposta. Essa solução corresponde ao ponto culminante do desenvolvimento iniciado com a escola do tipo platoon à realidade do Rio de Janeiro, como antes já foi referido.

A idéia desses conjuntos era a de cobrir a totalidade da Capital, sendo a localização de cada um deles estabelecida em consonância com o planejamento urbano, através do qual se previa a expansão populacional e geográfica do município de Salvador. O critério de localização desses conjuntos em Salvador (os Centros Populares de Educação) é assunto do depoimento de Diógenes Rebouças, nesta coletânea.

O único desses conjuntos que chegou a ser concluído, demorando-se, porém, quase 20 anos para isso, foi o originalmente chamado Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, (Fotos 13 a 15), no bairro da Liberdade. Composto por 4 "escolas-classe" e uma "escola-parque", essa obra deu destaque internacional a Anísio Teixeira, não só pela arquitetura e pela construção, mas pelo trabalho pedagógico lá desenvolvido, sob o patrocínio do INEP, dentro da linha de seus Centros Regionais de Pesquisa em Educação, de produzir conhecimentos a respeito de todos os complexos e interligados problemas associados à educação, em cada realidade regional específica. Um desses estudos, por sinal, que avaliou o custo-aluno no Centro Carneiro Ribeiro, revelou que seu valor era mais baixo do que o custo de um aluno de jardim infantil nas escolas particulares de Salvador, naquela época.

Ressalte-se que a questão da universalização da escola pública não se esgotava, segundo Anísio, na arquitetura e na construção escolar, mas incluía, entre tantas outras coisas, a formação dos professores, tarefa para a qual o Centro Popular de Educação teve importância fundamental, ao servir de modelo para a educação de grande parte dos educadores da Bahia, que o utilizavam como referência para sua formação e reciclagem.

No âmbito do 2º grau e da formação de professores, a ação de Anísio, tanto na Capital quanto no interior, foi também de muita importância. Na Capital ele expandiu o ensino secundário e o ensino normal, abrindo seções do tradicional Colégio da Bahia em vários bairros e incentivando os cursos já existentes de formação de professores (vide o artigo de Hildérico Pinheiro, nesta coletânea).

Projetos do Período de 1947 a 1951
Secretaria de Educação e Saúde do Estadoda Bahia
Gestão Anísio Teixeira


Escola para a Zona Rural


Escola "mínima"


Escola Nuclear


Escola Nuclear


Grupo "Escolar Médio"


Grupo "Escolar completo"


Escola Parque - Salvador-BA onde se destaca a amplitude dos espaços arborizados


Vista do pavilhão principal


exposição anual dos trabalhos realizados pelos alunos

No interior, o Estado foi dividido em dez regiões geo-educacionais, sendo prevista a implantação de um Centro Regional de Educação (CRE) na sede de cada uma delas, alguns tendo implantação iniciada ainda em sua gestão. O projeto dos CREs compreendia os seguintes prédios:

Escola de professores; escola secundária; escola primária, anexa à escola de professores; biblioteca; centro cultural, com teatro; edifício de administração; edifício de serviços gerais, com restaurante; praça de esportes e residências de diretor, professores e funcionários.

Convém observar, por fim, que Anísio continuou a exercer sua influência no campo da construção escolar, durante todo o tempo em que atuou a nível federal, de 1951 a 1964, particularmente em Brasília cujo sistema escolar foi nele inspirado, sem falar nos projetos nacionais de construção escolar, através dos quais se espalharam, por todo o país, as várias contribuições originadas de sua larga compreensão do conjunto dos problemas educacionais brasileiros. É certamente um tema para estudo cuidadoso e mais aprofundado.