ANÍSIO E A NOVA LDB: AINDA AS

MESMAS LUTAS?

 

 

Jorge Hage

 

Ao receber o convite para escrever uma palavra em torno da memória de Anísio Teixeira, o grande educador baiano que, há quarenta anos, estava no centro do processo de elaboração da velha Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ocorreu-me, de pronto, aquela sensação do quanto são lentas e difíceis as mudanças neste país.

De fato, vinte anos após a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases e mais quarenta anos passados do início da sua discussão e debate, muitas das questões centrais em jogo continuam as mesmas. É claro que, na maioria dos casos, com novas roupagens e nuances, moldadas pelas características próprias dos dias atuais.

Vejamos. O que marca o fulcro do debate atual sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e está refletido nas dezenas de propostas que nos tem chegado às mãos, seja de parlamentares, seja de entidades da área, de educadores, de professores, de estudiosos, enfim, da questão educacional brasileira? Quais são os pontos polêmicos, os problemas fundamentais sobre os quais o nosso Projeto-Substitutivo assume posições e procura avançar, e, temos certeza, serão objeto ainda de acirradas discussões?

Em primeiro lugar temos a questão da escola pública versus a escola privada. É urgente a necessidade de que o poder público assuma de fato a educação pública, gratuita, democrática, de boa qualidade, como dever inalienável seu e direito de todos os cidadãos. Principalmente na educação básica, que há de ser igual para todos, sem admitir a "escola do rico" e a "escola do pobre". E como se há de conseguir isso? Ampliando as verbas para a educação e melhorando a gestão dessas verbas, reduzindo os desperdícios, a burocracia excessiva, racionalizando seu uso. Destinando as verbas públicas para a rede pública mas, também, adequando o sistema de ensino e sua estrutura à realidade brasileira, em sua imensa maioria pobre a ponto de ser obrigada ao trabalho precoce, não apenas desde a adolescência, mas já na infância, para poder sobreviver. Simplesmente sobreviver. E aí? Como estudar? Se a realidade social não se pode modificar a curto prazo, modifique-se a escola, o sistema escolar, para fazê-lo mais coerente com a população alvo. Pois é isto que tentamos fazer nos dezenove Capítulos e duzentos e seis Artigos do nosso Substitutivo. E, pergunto-me se não era essa, já há 40 anos, grande parte da luta de Anísio?

A centralização versus a descentralização do sistema educacional, não era este um dos temas cruciais do debate no tempo de Anísio? E é, ainda hoje, questão não resolvida. Até que ponto deve a educação acentuar seu caráter unificador, nacional e universal? E a partir de onde começa a autonomia de cada estado, de cada município, de cada instituição? Nos currículos, nos conteúdos, nas formas de organização, nas estratégias, na gestão. Deve-se pretender a "municipalização" do ensino fundamental? De imediato? De forma generalizada? O município de São Paulo e o município de Cocos podem assumir as mesmas responsabilidades, no mesmo ritmo? É outra faceta da mesma questão.

E, ligado ainda a essa questão, o problema do verdadeiro conceito de "sistema educacional", que Anísio chamou de conceito "equívoco", e evitou definir frontalmente, quando indagado a respeito pelo Deputado Rui Santos, na Comissão de Educação, em 1952 (conf. Dermeval Saviani, em Educação Brasileira, Cortez Editora, 6ª edição, pág. 13). Pois isso também continua sendo questão não resolvida. E que, agora, no substitutivo de 1989, estamos tentando definir.

É evidente que o espaço deste artigo não comporta um tratamento mais completo do elenco de questões centrais que marcam o debate atual do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases. Mas, basta uma enunciação de mais alguns temas para que se perceba como são muitos (embora, de certo, não sejam todos) os que já marcavam as preocupações de Anísio Teixeira: as relações entre o trabalho e a educação, entre a escola e a vida; o caráter e a função da educação básica e a igualdade de oportunidades de acesso a ela; os mecanismos de planejamento e de administração democrática e descentralizada, inclusive os conselhos municipais de educação; a formação e o aperfeiçoamento dos professores; o incentivo à pesquisa educacional; o esforço para dar educação integral aos jovens; as preocupações específicas com o nosso ensino superior público, hoje quase indigente e, acima de tudo, a sua capacidade de compreender a educação de modo integrado, nos seus diversos níveis e modalidades, sem o vezo, tão comum entre nós, das óticas fragmentadas e parciais que, para enxergar a importância, por exemplo do ensino fundamental, julgam-se obrigadas a marginalizar o ensino superior, ou vice-versa.

Assim, Anísio Teixeira permanece tão atual e contemporâneo! Mas isso não seria motivo para preocupação ou pessimismo. O que é grave e preocupante é que ele permaneça, ainda hoje, à frente do nosso tempo. E que tenhamos que pelejar tanto para simplesmente construir uma legislação capaz de defender uma educação pública, gratuita, democrática e de qualidade mínima aceitável.