ANÍSIO TEIXEIRA

E A FUNDAÇÃO QUE TEM SEU NOME

 

 

Hildérico Pinheiro de Oliveira

 

Em todos os depoimentos sobre Anísio Teixeira são ressaltados, de modo o mais enfático possível, aqueles atributos que levaram Florestan Fernandes a afirmar que aquele grande educador foi o primeiro e, até hoje, o único pensador e filósofo da educação brasileira.

Aqui, porém, o pretendido é dar destaque ao posicionamento de certos grupos, ditos interessados em educação, em relação a Anísio Teixeira e como este, pelas suas ações, manteve-se sempre na indiscutível posição de maior figura da educação nacional.

Durante a sua vida Anísio Teixeira teve muitos críticos e opositores e, em determinado momento, chegou a sofrer francas hostilidades de uma parte de dignatários da Igreja Católica. Tais oposições e contestações originavam-se de razões diversas e é possível analisá-las de um modo mais ou menos sistemático.

Sem dúvida alguma, havia uma parcela de educadores que não concordava com os pensamentos, as ações e as diretrizes de Anísio Teixeira para resolver o problema educacional brasileiro. Tais discordâncias giravam em torno de princípios educacionais, provinham de homens que não aceitavam as idéias e os planos de Anísio Teixeira porque possuíam seus próprios conceitos, suas próprias soluções para a problemática da educação, jamais, porém, procuraram atingir a pessoa daquele educador. Contestavam, discordavam, faziam críticas, mais não agrediam. Foram opositores que, respeitando Anísio Teixeira como educador e administrador, dele, também, mereciam respeito, pois as divergências não se originavam, como em outras situações, de interesses subalternos; na essência tinham o mesmo objetivo que Anísio Teixeira, isto é, estruturação de um serviço educacional que permitisse levar o país a uma posição de destaque entre as mais desenvolvidas nações do mundo. Às vezes as divergências resultavam de análises de um problema por ângulos diferentes; assim acontecia no Conselho Federal de Educação onde as discordâncias circunscreviam-se ao âmbito de problemas educacionais e não transbordavam para outras considerações que não fossem pertinentes ao aperfeiçoamento da educação. Da mesma natureza, assim deve-se crer, foram as críticas que Anísio Teixeira recebeu à frente da educação no Distrito Federal (1931 - 1935), pelas reformas que realizou.

Em outras ocasiões as idéias de Anísio Teixeira foram combatidas por interesses originários da política, não de uma política educacional, mas de fatos ligados a métodos de fazer política, os quais, infelizmente, ainda hoje são muitas vezes praticados. Assim deve ter acontecido com a proposta da Lei Orgânica do Ensino para a Bahia, elaborada por Anísio Teixeira e enviada à Assembléia Legislativa em outubro de 1947, a qual dava à administração da educação uma autonomia jamais sonhada em toda a história do serviço público brasileiro. A lei sofreu grande resistência e não foi aprovada. Tudo indica que os deputados, na maioria, entendiam que, aprovando aquele projeto, perderiam todo o poder de influência nos negócios da educação, acreditando que não poderiam mais interferir no detalhamento do orçamento analítico para o setor educacional, que não poderiam mais pressionar sobre nomeações e remoções de professores e sobre outras medidas inerentes à operacionalização dos serviços educacionais. Evidente que a lei estruturava de tal forma o sistema e de modo particular a rede estadual de ensino, que não prevaleceriam as pressões políticas para mudar o curso das decisões do Conselho de Educação que seria instituído. A lei armava os administradores da educação para resistirem a pressões indevidas, mas não tolhia os executivos de uma certa flexibilidade; as ponderações de um representante do povo no Legislativo são sempre analisadas e, quando pertinentes e justas, acolhidas porque permitem, muitas vezes, soluções melhores que as inicialmente previstas; o que não é aceitável, como quase sempre é desejado, é a prevalência de opiniões resultantes de interesses políticos eleitoreiros.

Do ponto de vista ideológico foi Anísio Teixeira combatido e perseguido. Em 1935 teve que exilar-se do Rio de Janeiro onde ocupava o cargo de Secretário da Educação do Distrito Federal, sob acusação de estar ligado ao levante comunista de 1935; na década de cinqüenta foi novamente hostilizado sob acusação de marxista, até no Congresso Nacional.

Em 1958 os bispos do Rio Grande do Sul, liderados por D. Vicente Scherer, arcebispo metropolitano de Porto Alegre, encaminharam um manifesto ao Presidente da República no qual Anísio Teixeira era acusado de pregar uma revolução social pela escola, que prepararia o povo "para as reivindicações sociais"; até a demissão daquele educador, do cargo de diretor do INEP, foi pedida ao governo federal. Talvez as razões não fossem tanto de ideologia mas uma inteligente proteção da escola particular, defendida com a estratégia de atacar a quem era fervoroso adepto da escola pública, sem contudo haver em qualquer momento de sua vida pregado o monopólio estatal da educação. Mesmo aqui na Bahia, em conseqüência de discurso que pronunciou num congresso de estudantes, Anísio Teixeira foi objeto de comentários por conceituado jornal, que o obrigou a redigir nota pública de esclarecimentos.

Em 1959 Anísio Teixeira e outros educadores tiveram que sair em defesa da escola pública, contra o substitutivo do deputado Carlos Lacerda ao projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que tramitava no Congresso. Pelo projeto daquele deputado invertia-se o contido no artigo 167 da Constituição de 1946 que estabelecia: "O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos

e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem". Pela alínea "c" do substitutivo Carlos Lacerda, caberia ao poder público "fundar e manter escolas oficiais em caráter supletivo, nos estritos limites das deficiências locais, onde e quando necessário ao pleno atendimento da população em idade escolar"; isto é, onde não interessasse, economicamente, ao ensino privado, caberia ao poder público abrir escolas. Mas as pretensões da rede privada iam mais longe, o artigo 7º do citado substitutivo estabelecia:

"O Estado outorgará igualdade de condições às escolas oficiais e às particulares:

(a) pela representação adequada das instituições educacionais nos órgãos de direção do ensino;

(b) pela distribuição das verbas, consignadas para a educação, entre as escolas oficiais e particulares, proporcionalmente ao número de alunos atendidos".

Além do visto, o projeto previa o financiamento do ensino particular por meio de bolsas, de empréstimos para construção de escolas e recursos públicos para equiparação do salário do professor particular ao do magistério público da região; o projeto do deputado Carlos Lacerda chegava ao extremo de determinar que as normas dos Conselhos Regionais de Educação ficavam sujeitas às modificações ou exigências acrescidas pelas Congregações dos diversos estabelecimentos de ensino - particulares inclusive, naturalmente. Nas escolas não haveria fiscalização, pois os inspetores de ensino teriam, apenas, função de colaborar como elemento de orientação.

Contra tais absurdos levantaram-se Anísio Teixeira e todos os educadores de vanguarda que não aceitavam a privatização do ensino onde se relegava o Estado ao papel de mero fornecedor de recursos para manter uma rede particular de ensino. Era o que Anísio Teixeira denominava a transformação do privado em público, ao que se pode acrescentar, com todos os privilégios e sem ônus.

Foi uma batalha em favor da escola pública que, se não foi vencida integralmente, pelo menos salvaguardou a escola pública com o texto aprovado da Lei 4024 de 20 de dezembro de 1961.

Em 1964 é Anísio Teixeira vítima do radicalismo do movimento militar que eclodiu em março e que, além de lhe retirar o cargo que ocupava, ainda o constrangeu com ridículas acusações quanto à sua administração como reitor da Universidade de Brasília.

Mas, de todos esses embates, pela sua excepcional inteligência, pela sua extraordinária dialética, pela honestidade que demonstrava em suas ações e em todos os seus pensamentos, pela sua competência, atributos que lhe asseguravam prestígio, não só no âmbito nacional como no internacional, Anísio Teixeira sempre se saiu, cada vez mais, engrandecido enquanto vida teve para sustentar e defender seus pontos de vista.

Interesses inconfessados porque inconfessáveis, ideologias, radicalismo, seja que nome se dê às causas das críticas, oposições, contestações e agressões a Anísio Teixeira, elas são, se não justificáveis, pelo menos explicáveis. Não é possível, porém, conseguir explicação razoável, ou mesmo absurda, para que determinados grupos de pessoas acusassem Anísio Teixeira de visionário, irrealista, educador desligado daquele fato que justificou e ainda justifica os muitos desacertos na educação que é a tal "realidade brasileira". Os que se julgavam dentro da realidade brasileira, pragmáticos e objetivos, eram aqueles que entendiam (a espécie não está extinta) ser possível fazer educação sem escola adequada, sem professor preparado, sem o material de instrução necessário e com recursos financeiros insuficientes. Eram, e ainda são os que acreditam que qualquer prédio pode servir para funcionamento de uma escola e confundem alfabetização com educação. Anísio Teixeira era tido por tais críticos como um desligado das verdadeiras condições brasileiras, ao querer uma educação em dia integral, escolas em edifícios especificamente construídos para o ensino, recursos suficientes para uma educação de alto nível, não importando a classe econômica e social do educando. Anísio Teixeira era considerado um sonhador porque desejava o que era, julgavam alguns, inexequível para o Brasil, pois não planejava escolas muito simples, muito modestas, mesmo pedagogicamente pobres, mas em número suficiente para alfabetizar a massa, que assim continuaria a ser massa, enquanto uns poucos, os que pudessem comprar a educação, continuavam a ser elites.

Tais críticas, porém, Anísio Teixeira as rebateu, todas, ainda em vida, pelo muito que realizou, deixando para cada idéia que externou uma obra, uma ação, mostrando que não imaginava, não pregava utopias e sim realidades factíveis.

Como Diretor da Instrução da Bahia, no período de 1924 a 1928, demonstrou invulgar aptidão para administrar e realizar; reformou o ensino primário, secundário e profissional (onde incluiu o ensino normal) - que seria gérmen de uma Faculdade de Educação; elevou a matrícula no ensino primário de 47.000 para 79.000 alunos, ou seja, um aumento de 68%; instalou e fez funcionar as escolas normais de Caetité e Feira de Santana, reorganizou e melhorou consideravelmente a qualidade do ensino na escola normal da Capital onde a matrícula passou de 348 para 546 alunos; programou a construção de 28 prédios escolares dos quais concluiu e pôs em funcionamento 11 e deixou os restantes 17 em construção - até aquela data o estado só possuía seis prédios escolares; a fim de melhorar a qualidade da educação pela continuidade do ensino implantou 33 escolas reunidas; aumentou o número de unidades escolares de 780 para 1.234; na sua administração a freqüência que era de 19.590 alunos em 1924 passou para 58.470 em 1927. Aí está o início da carreira do educador Anísio Teixeira que foi chamado de sonhador e irrealista.

À frente dos destinos da educação no Distrito Federal, no período de 1931 a 1935, Anísio Teixeira realizou uma das mais notáveis reformas educacionais já vistas no país. Assumiu uma simples Diretoria da Instrução e a transformou numa Secretaria Municipal, tal foi a amplitude das modificações que introduziu. Partindo de uma análise da rede escolar carioca, utilizando dados que mandou coletar, quanto a matrícula, frequência, promoção, repetência, unidade administrativa, homogeneidade de processos de ensino, número e qualidade de prédios escolares, etc., definiu todas as deficiências daquela rede de ensino e programou as medidas necessárias para elevar o padrão quantitativo da educação na sede da Capital da República. Criou o Instituto de Pesquisas Educacionais e cinco escolas experimentais para estudos específicos de processos de ensino; criou um Departamento de Prédios e Aparelhamento Escolar; implantou o Instituto de Educação, com a formação de professor em nível superior pela primeira vez no Brasil; elaborou um plano, para execução em dez anos, prevendo a construção de setenta e quatro novas escolas de 25 salas, a ampliação de 16 escolas já existentes e a adaptação de 25 prédios não especificamente construídos para escolas. Em três anos Anísio Teixeira construiu 35 novos prédios, além das ampliações e adaptações; instalou e fez funcionar com grande sucesso a Biblioteca Central de Educação; implantou o ensino secundário na rede escolar pública do Distrito Federal; criou e fez funcionar a Universidade do Distrito Federal, construída de escolas de Filosofia e Letras, de Ciências, de Economia e Direito, de Educação e pelo Instituto de Artes. O que foi relatado até aqui é uma curta notícia sobre a administração Anísio Teixeira na sede da República, pois só o relatório daquele educador poderá permitir uma exposição mais detalhada.

De 1947 a 1951 Anísio Teixeira, voltando a administrar a educação no Estado da Bahia, procurou, de logo, reestruturar os serviços educacionais baianos para então instalar toda a dinâmica necessária a um satisfatório desenvolvimento educacional que o Estado estava, muito, a exigir. Em outubro de 1947, como foi visto, encaminhava à Assembléia Legislativa o projeto da Lei Orgânica que deveria dirigir o funcionamento do sistema educacional baiano. Não logrando aprovação do projeto, seguiu como pôde dentro da arcaica estrutura da Secretaria (que era também de Saúde), pelos meios e modos que facilitassem atingir os objetivos visados. Mesmo assim foi marcante a segunda administração de Anísio Teixeira na Bahia.

Em toda a cidade de Salvador o governo mantinha, apenas, dois estabelecimentos de ensino médio, o Instituto Normal e o Colégio Estadual da Bahia. Sem lei para decidir pela criação de novos ginásios, Anísio Teixeira instalou nos bairros da Liberdade, Nazaré e ltapajipe três extensões do Colégio da Bahia, levando assim o ensino médio a zonas com alta demanda; instalou o curso Colegial no Instituto Normal; reaparelhou os gabinetes de Biologia, Química e Física do Colégio da Bahia onde fez construir um grande pavilhão, com moderníssimas instalações, anfiteatro etc., só para o ensino da Química. No interior, Anísio Teixeira fez funcionar cursos ginasiais nas escolas normais de Feira e Caitité; mediante vultosa subvenção levou a prefeitura de Ilhéus a instalar curso colegial no ginásio municipal; permitiu que a Cooperativa Ginásio de Cachoeira utilizasse a Escola Industrial de Cachoeira para ali fazer funcionar o curso ginasial.

Visando a melhoria do ensino médio, ainda que duramente criticado, abriu concurso para todos os professores contratados para aquele grau de ensino, o que influiu de modo sensível na transformação do Colégio da Bahia no melhor estabelecimento de ensino de Salvador.

No ensino elementar a ação de Anísio Teixeira elevou a matrícula de 197.926 alunos para 258.393 em quatro anos; o número de unidades de ensino passou de 3.484 em 1947 para 4.569 em 1950; o corpo docente que era de 4.401 professores, nos fins de 1949 era de 5.532 docentes.

O aparelhamento escolar foi planificado para atender às totais carências do ensino estadual em cada município. Já em 1949, 571 escolas haviam sido atendidas.

A distribuição de livros atingiu a quase 100.000 volumes, afora cadernos especializados em música, desenho e caligrafia que superaram 70.000 unidades.

No setor da construção escolar o programa de Anísio Teixeira foi o mais extenso até aquela data, mesmo não se considerando as obras em convênio com o Ministério da Educação. Mostrando alto espírito de honestidade administrativa, sua prioridade primeira foi concluir os prédios de 2 e 4 salas iniciados em governos passados, em 1933, 1936, 1937 e 1942, que em número de 39 foram todos concluídos; em convênio com o Ministério da Educação foram programadas 68 unidades escolares; com recursos orçamentários do Estado, além daquelas conclusões referidas foram programadas 43 escolas. Em convênio especial com o INEP do então MEC, foram assinados vários convênios para a construção de 862 escolas rurais. Em 1951, desta programação, haviam 546 escolas concluídas.

Um dos destaques da ação, de Anísio Teixeira no período aqui abordado foi a criação da Biblioteca Central de Educação.

Iniciou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro concluindo três Escolas Classe com 36 salas de aula e iniciando a Escola Parque pelo pavilhão do "Trabalho". Elaborou o programa dos Centros Regionais de Educação dos quais iniciou os de Caitité e de Barra.

Acrescente-se a tudo isso as grandes obras que Anísio Teixeira fez realizar na área de Saúde e aquilate-se o quanto ele foi notável como realizador.

De 1952 a 1962, ano em que assumiu a reitoria da Universidade de Brasília, Anísio Teixeira esteve à frente da direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP - órgão de estudos, pesquisa, análises e de assessoria para a fixação da política educacional do país. Não era, como se vê, um órgão com atividades executivas e muito menos de realizações específicas, excetuando-se a sua competência para a concessão de auxílios financeiros para construções e equipamentos de escolas nos estados e municípios, à conta do Fundo Nacional de Educação, do qual era gestor.

Para realizar os estudos, as pesquisas e os diagnósticos que armariam o INEP para assessorar o governo na elaboração de uma política educacional, entendeu Anísio Teixeira que tais atividades não deveriam estar centralizadas no INEP, cuja infra-estrutura era mais burocrática que técnica. Assim promoveu a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais da Bahia, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, com os objetivos de pesquisar, planejar, recomendar e sugerir, tendo em vista a reconstrução educacional do país, produzir ou promover a edição de livros, preparar material de ensino e estudos sobre todos os temas educacionais, desde a prática de ensino até o aperfeiçoamento do magistério, treinar e aperfeiçoar todos os valores humanos envolvidos no processo educativo. Não apenas criou os Centros como neles fez construir os edifícios necessários para a realização das atividades previstas nos objetivos contidos no Art. 2º do Decreto 38.460 de 28 de dezembro de 1955 que os criou.

Milhares de professores foram aperfeiçoados e especializados nos Centros de Pesquisas. E para ver-se que Anísio Teixeira era um realista, basta acentuar que, sendo ele o pioneiro da formação do professor primário em nível superior, promoveu um largo programa de habilitação de professores leigos do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do país, nos próprios Centros de Pesquisas.

Centenas de estudos, pesquisas e análises foram produzidos pelos Centros, a educação brasileira era estudada cotidianamente. Os Centros de Pesquisas de Anísio Teixeira merecem um profundo e longo estudo.

Não ficaram nos Centros as realizações de Anísio, ainda que estas justificassem uma administração. Promoveu a implantação do ensino complementar, constituído de uma ou duas séries adicionais ao ensino elementar, em dia integral, com atividades de trabalho. Para assegurar o funcionamento desse ensino, firmou convênios com quase todos os estados brasileiros e alguns municípios, financiando a construção do pavilhão para aulas e oficinas, fornecendo o equipamento, as instalações e recursos para o material de consumo, dando cursos para preparar os docentes e verbas para complementar-lhes os salários. Fez funcionar na Escola Guatemala, no Rio de Janeiro, um centro de experimentação pedagógica; construiu escola experimental em Salvador, e construiu centros de aperfeiçoamento de professores em São Paulo e em Belo Horizonte.

Mediante convênio com o governo da Bahia incorporou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, com a sua Escola-Parque, ao Centro de Pesquisas, o que lhe possibilitou concluir integralmente aquele Centro de Educação Popular, o mais avançado centro de ensino primário até hoje construído no Brasil e dificilmente superado no mundo.

Além de todas estas realizações, Anísio Teixeira, pelo INEP, concedeu auxílio financeiro para a construção de milhares e milhares de salas de aula por todo o Brasil, desde um pequeno prédio para uma escola isolada até grandes centros educacionais como o de Maceió. Na Bahia, após o governo Mangabeira, o INEP, pelo seu setor de engenharia, aqui instalado, construiu mais de mil salas de aula.

Aí está o perfil de um homem que foi, muitas e muitas vezes, acusado de sonhador, irrealista, alienado daquela famigerada "realidade brasileira" que tem servido de desculpa à incompetência nacional, que deixou a educação chegar ao lastimável estado em que se encontra e, tudo indica, que não vai melhorar pois, mais uma vez, a tal erradicação do analfabetismo vai consumir ponderáveis parcelas dos recursos que deveriam ser utilizados para educar as crianças e os jovens brasileiros, pois campanhas contra o analfabetismo exigem planejamento específico e programação para realização a longo prazo e não bandeiras de cores políticas.

Durante a sua vida, Anísio Teixeira não recebeu, de modo específico, homenagens que correspondessem ao seu valor, que superassem, ou que pelo menos equilibrassem as críticas, as hostilidades e as agressões que sofreu, tendo em vista o muito que fez.

Teve, inegavelmente, muitos amigos e admiradores com altas qualificações intelectuais que sempre lhe deram conforto e apoio, com inequívocas demonstrações de solidariedade nos precisos momentos.

Das poucas homenagens que recebeu em vida, a mais expressiva talvez tenha sido a publicação Anísio Teixeira Pensamento e Ação, onde expressões do mais alto valor no mundo intelectual e educacional prestaram depoimentos sobre a grande figura que foi Anísio Teixeira, inexcedível como pensador e filósofo da educação brasileira.

Desaparecido Anísio Teixeira, após as publicações de dois trabalhos sobre sua personalidade, escritos pelos professores Hermes Lima e Hermano Gouveia Neto, de um estudo sobre sua obra feito pela Profª Wanda Geribello e de uma pequena memória de autoria de Arquimedes Guimarães, uma névoa de silêncio, ameaçando esquecimento, foi envolvendo a obra e a memória de Anísio Teixeira. Nestes dezenove anos contam-se os poucos atos e trabalhos lembrando Anísio Teixeira. Um trabalho da Secretaria de Planejamento da Bahia, no intuito de resgatar a memória daquele educador, algumas teses de pós-graduação, uma placa no Conselho Estadual de Educação, uma sessão específica no Conselho de Cultura da Bahia, alguns artigos em jornais, a designação do Instituto de Pesquisas da Secretaria de Educação da Bahia com o nome de Anísio Teixeira, uma sessão solene para comemorar o cinqüentenário do INEP, onde fizemos uma palestra sobre o trabalho conjunto do INEP e Anísio Teixeira pela Bahia, e uma publicação de cartas trocadas entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato. Como se vê, atos esparsos, episódicos, trouxeram, vez por outra, a público algumas lembranças do grande pensador da educação brasileira e de suas obras. O mais grave porém foi, ao que tudo indica, um movimento silencioso, mas eficiente, assim como uma iconoclastia, que destruiu sistematicamente todas as obras de Anísio Teixeira; foram extintos os Centros de Pesquisas, foram desativados os programas do INEP, o próprio Centro Carneiro Ribeiro com sua Escola-Parque esteve ameaçado; da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência não se encontram vestígios. Houve, parece, uma muda orquestração para eliminar do mundo educacional brasileiro os vestígios do inigualável pensamento de Anísio Teixeira e a exata grandeza de sua obra educacional. Tais atitudes porém não impediam que idéias daquele educador fossem aproveitadas nas tentativas de ordenamento desse caótico complexo educacional brasileiro.

A partir de 1988, um jovem professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, João Augusto de Lima Rocha, passou a demonstrar um grande interesse pela vida e obra de Anísio Teixeira e, em pouco tempo, dos contactos com outro jovem, que é o Deputado Haroldo Lima, não só admirador de Anísio Teixeira como membro da família Teixeira, surgiu a idéia da instalação de uma Fundação com o nome daquele educador. As consultas a parentes, amigos e admiradores do grande mestre da educação, mostravam a viabilidade da idéia e assim a 21 de setembro de 1989, instalou-se solenemente, com a presença dos instituidores, de intelectuais, de educadores, de políticos, e do próprio governador do Estado, a Fundação Anísio Teixeira. A existência da Fundação é plenamente justificada por tudo quanto foi escrito até aqui.

É uma instituição jovem, carente ainda dos recursos para cumprir o papel a que se propõe, mas viva, há um ano, espera atingir os objetivos previstos no art. 2ª dos seus estatutos que são: preservar, divulgar e pesquisar a obra educacional e cultural de Anísio Teixeira; promover atividades culturais e educativas. Para tanto necessita a Fundação de todos os esforços e da cooperação, não só dos seus membros como de todos aqueles que admiram a vida e a obra de Anísio Teixeira e que julgam válida a difusão do seu trabalho e dos seus pensamentos para o aprimoramento da educação baiana e também brasileira.

Não deve, porém, a Fundação limitar-se àqueles objetivos aqui expressos, ela deve ser um centro de incentivo para que os ensinamentos de Anísio Teixeira sejam aplicados na solução do problema educacional, para que os educadores se dediquem à educação com aquela pureza, com aquela honestidade, com aquele entusiasmo de Anísio Teixeira, que se não se dedicou à fé de Cristo como queria o Padre Cabral, entregou-se de corpo, alma e pensamento, religiosamente, à fé na educação. Fé que seria comprovada, se a ele fosse exigida aquela prova contida na epístola de São Tiago - mostra-me tuas obras que conhecerei tua fé. Anísio pelo que realizou mostrou inexcedível fé, crença na educação. Por isso, pois, deve a Fundação ser um centro de catequese, levando aos administradores fé na educação.

É dever desta Fundação colaborar para que neste país, de extrema pobreza e gritantes desigualdades sociais, prevaleça aquela idéia de Anísio Teixeira de que a escola seja um meio de revolução social, incruenta, pacífica e eficiente, para preparar o povo para as reivindicações sociais, no sentido de alcançar os direitos e os privilégios que lhes são devidos desde 1822.

Cabe a esta Fundação promover meios para que a escola, como queria Anísio Teixeira, "se transforme na agência de educação dos trabalhadores comuns, dos trabalhadores qualificados, dos trabalhadores especializados em técnicas de toda a ordem e dos trabalhadores da ciência nos seus aspectos de pesquisa, teoria e tecnologia".

Que esta Fundação trabalhe também por uma educação universal no país, de modo a oferecer a cada brasileiro a possibilidade de ascender tão alto o quanto lhe permitam suas qualidade específicas, independente de suas origens econômicas, culturais, educacionais e sociais.