Tenho repetido inúmeras vezes ser realmente uma tarefa difícil - o exame da personalidade de Anísio Teixeira.
A maior dificuldade decorre, exatamente, das inúmeras qualidades, dos traços mercantes, das comprovadas aptidões e do talento imensurável de Anísio Teixeira. Ainda que se selecione alguns aspectos, mesmo assim se torna difícil analisá-lo. É tarefa longa e que requer muita cultura e mesmo maturidade, por parte de quem pretenda fazê-la.
Quando a gente pensa que passou a conhecer Anísio sob determinado aspecto, verifica que há algo mais a se acrescentar. Quando se lê um dos seus livros, procurando analisar as suas idéias e, sobretudo, compreendê-las, sente-se a necessidade de aprofundar o conhecimento, de interpretá-lo. E é irresistível uma nova leitura. E reler o que Anísio escreveu não cansa de modo algum, especialmente se o leitor é estudioso dos problemas de educação.
Quando deixamos de lado o pensador, ou o escritor, e buscamos conhecê-lo como administrador e como homem, a dificuldade não é menor. E a admiração se torna maior, principalmente quando procuramos conhecê-lo com isenção. Constatamos logo que se trata realmente de uma figura singular, de um homem raro, e nos tornamos incapazes de esquecê-lo todas as vezes que formos meditar seriamente sobre problemas de educação.
Não obstante as dificuldades a que nos referimos, é possível compreendê-lo nos aspectos mais dinâmicos da sua marcante personalidade. É o nosso caso agora, quando nos propomos a falar de Anísio Teixeira, chamando-o sonhador e realizador.
Ainda que de algum modo possa parecer um contraste - ser um sonhador e ser um realizador - em Anísio Teixeira essas duas qualidades realmente se conciliam, como pretendemos adiante demonstrar.
Podemos afirmar que Anísio foi um impenitente sonhador, pois desde o início da sua carreira de educador - 1925 - até o último dia da sua existência entre nós (1971), manteve bem viva a chama do seu ideal - servir à educação da sua Pátria -alimentando a sua inabalável fé, pois acreditou sempre na educação, instrumento capaz de conduzir o homem à sua plena realização. Sonhava com um mundo melhor, com uma sociedade fraterna - mais humana e mais justa. Acreditava nos destinos da nossa Pátria. Era um idealista na melhor acepção do termo. E por isso viveu toda uma vida de trabalho, de lutas, de realizações.
Aqui invocamos o testemunho de Jorge Amado:
"ANÍSIO TEIXEIRA era uma flama, uma labareda consumindo-se no amor ao Brasil, num trabalho ininterrupto para a construção de uma verdadeira nação feita de cultura, de liberdade, de fartura. Sua paixão maior, sua trincheira principal de luta, foi a educação - mas era um educador no sentido mais lato do termo, um criador de civilização...
Foi o mais modesto dos grandes homens, o mais simples, o que menos desejou para si próprio. O mais ambicioso, porém, em relação ao Brasil e ao homem brasileiro. Ninguém como ele tão capaz de acreditar e confiar nos demais, de ver e revelar as qualidades de cada um e de valorizá-las, de conseguir estabelecer a confiança e descobrir valores...
Se possuímos um mestre de humanismo,
esse mestre foi ANÍSIO TEIXEIRA. Ele engrandeceu o Brasil,
com sua morte apagou-se uma flama, uma labareda, uma luz a romper
as trevas." (1)
Sonhador sim, porque por quase meio século perseguiu os ideais que alimentou desde a sua mocidade. Os cargos importantes, as funções elevadas que desempenhou, os livros que escreveu, as obras que realizou não conseguiram deter a sua caminhada. Foi sempre um estudioso, um pesquisador, um homem de debates. Sempre presente nos grandes momentos da educação brasileira. Muitas vezes esquecido, não se omitiu jamais. Muitas vezes incompreendido e até injustiçado, não arrefeceu os ânimos, não perdeu o entusiasmo. Sonhando sempre, pois o seu talento lhe permitia a antevisão do amanhã da educação brasileira. Acreditava na renovação dos valores, na propagação das idéias, o que confessaria mais tarde em carta dirigida ao autor deste livro, carta que em outra parte será comentada.
Por ser um sonhador, um crente da educação, por isso mesmo foi muitas vezes considerado um "teórico da educação brasileira", em juízos muito apressados dos que em tempo não souberam compreender o valor da sua obra, a sinceridade das suas idéias. Muitos não acompanharam as suas realizações à frente dos muitos cargos que exerceu na administração de órgãos educacionais.
Não se conhece um só documento,
não se encontra em nenhum dos seus livros ou artigos, não
se ouviu em nenhuma das suas conferências ou palestras,
palavras de Anísio que pudessem significar renúncia
aos ideais que tanto perseguiu, falta de crença nos destinos
da sua Pátria, falta de confiança nas gerações
que ensinavam e estudavam em nossas escolas. Ao contrário,
dele só se tem notícia de mensagens de fé
e esperança, de crença inabalável nos destinos
da nossa Pátria, que ele tanto amou, serviu e sonhou vê-Ia
próspera e feliz.