Em 1967 os Licenciados pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia elegem Anísio Teixeira para Paraninfo. O seu retorno a Salvador foi aguardado com muita ansiedade pelos licenciandos, pois se admitia que o seu estado de saúde não estaria permitindo viajar de avião.
Não obstante, no dia 12 de dezembro,
no Salão Nobre da Reitoria, Anísio Teixeira se fazia
presente e pronunciava brilhante oração. Pronunciamento
de profunda reflexão filosófica e de muita sensibilidade,
analisando aspectos sociológicos de:
A Longa Revolução dos Nossos
Tempos
Na sua análise, Anísio faz questão
de se identificar com o século atual, que acompanhou desde
o seu início. Ele nasceu em 1900, ao raiar, pois, do século
xx, nos sertões da Bahia. E invoca exatamente as suas
origens, afirmando para os seus jovens afilhados:
"Tenho a idade deste século.
Acompanhei-o em condições especiais, pois a vida me permitiu vê-lo dos pontos de vista mais diversos, desde o do sertão remoto e neolítico até o de algumas das capitais mais modernas do planeta.
Como o século é o da mudança e o da velocidade, passaram pelos meus olhos transformações que, no passado, exigiriam muitos séculos. Em nosso tempo, havemos de medi-lo por décadas...
O conceito de que a vida é breve é
um conceito obsoleto".
Podemos perceber pelas palavras iniciais do
velho mestre a atualidade do seu pensamento. Anísio, sem
dúvida um pensador e um idealista, era homem cujas idéias
defendia fundamentando-se nos mais sólidos argumentos,
nos quais se constata a profundidade da sua cultura científica
e humanística. Não se pode negar a Anísio
aquela condição essencial que convém ao verdadeiro
filósofo - o homem sempre disposto a aprender algo mais.
Vejamos o que diz adiante:
"Durante esse imenso tempo em que hei
vivido (67 anos), tenho estado mais a aumentar minhas dúvidas
do que a guardar as minhas possíveis certezas. . ."
O Poder e a Revolução Científica
No desenvolvimento das suas idéias
em torno de "A Longa Revolução dos Nossos Tempos",
Anísio Teixeira formula uma série de conceitos,
os quais conduzem a uma série de conclusões:
"Toda a existência não é mais do que uma longa obediência aos poderosos e, por isso, até os poderosos acreditam no seu poder.
E o aplicam com uma comovente, patética certeza em sua eficácia. Visto em perspectiva, contudo - e isto é que a velocidade do nosso século nos permite em nossa própria vida individual - visto em perspectiva nada me parece mais fútil do que esse flamejante querer dos poderosos...
O processo pelo qual os poderosos ficaram, em nossos dias, mais poderosos do que os poderosos de qualquer época, foi o da longa revolução científica em que estamos todos imersos...
Desejo falar sobre essa longa revolução
que é o nosso presente. Presente, que é,
na expressão de Whitehead, o 'chão sagrado' onde
se encontram o passado e o futuro."
A Compreensão do Presente através
da Educação
Na sua lúcida exposição
vai Anísio preparando o terreno necessário para
entrar no tema central: a educação. Demonstra,
com muita clareza os novos rumos da educação e a
importância do seu papel na sociedade contemporânea,
marcada pela revoIução científica. E assim
prossegue:
"O que chamamos de educação é o esforço para compreender esse 'insistente presente'. Sem compreendê-lo não podemos viver."
Há presentes incendiados de fermento intelectual e presentes estagnados e inertes.
É que nos primeiros o passado está vivo no presente e nos entreabre o futuro.
Nos outros, depreciamos o presente e quedamos inertes na adoração do passado.
Toda verdadeira crise humana é uma crise de compreensão do presente, neste sentido de ponto de interação entre o passado vivo e o futuro que vai nascer.
Num desses momentos é que nos encontramos.
O Retrato da Nossa Época
Afirmando estar o mundo dos nossos dias envolvido
numa crise, cuja compreensão se condiciona ao conhecimento
da realidade social presente, Anísio Teixeira faz uma síntese
primorosa - traduzindo a realidade dos tempos atuais:
"Jamais tempo algum foi tão marcado
de contrastes, de negações e aceitações,
de conformismos e inconformismos, de esperanças e decepções,
mas a despeito de tudo, também de um incoercível
otimismo, que sobrevive a tragédias e catástrofes,
numa recuperação incessante e surpreendente, como
se, no fundo, a consciência de que o homem se fez, afinal,
senhor do seu destino seja a grande marca da nossa época."
A Busca da Boa Sociedade
Continuando a desenvolver o seu pensamento, Anísio Teixeira assinala, para os seus jovens afilhados, que os dois últimos séculos, marcados pelo surto industrial e democrático, se apresentaram com diferentes reações humanas: a revolta contra a máquina - conseqüência do surto industrial - e a revolta no campo social, traduzida no receio pelo domínio emocional da população, que iria reformular os valores até então vigentes (lentamente elaborados pela minoria).
Assinala que o ano de 1918 é o marco da idade contemporânea, em que teria início a expansão das idéias defendidas, sucessivamente pelas três grandes revoluções: a americana, a francesa e a russa.
Anísio prossegue:
"... o que sobretudo estava a expandir-se era a revolução do saber humano e o conseqüente aumento do poder do homem sobre as condições materiais da existência. Este saber é que deu ao homem a convicção de que a sua vida não era o resultado de um desígnio superior e preestabelecido, mas da vontade, dos interesses e dos propósitos dos próprios homens.
Subjacente a todos os movimentos políticos,
arde essa nova convicção, que incentivou as aspirações
humanas e mobilizou todos os homens da espécie para uma
renascida luta pelo que chamamos desenvolvimento e é
mais do que isto, pois é a busca por uma sociedade solidária
e feliz... pela busca não da grande sociedade, mas
da boa sociedade."
O Novo Poder e a Revolução
Tecnológica
Tendo se referido à fase da revolução
científica, Anísio passaria a tecer considerações
em torno da revolução tecnológica. Antes
de maiores explicações, estabelece uma série
de preliminares, destacando-se:
a) A aceitação da máquina deflagrou um avanço tecnológico sem precedentes e acabou por criar uma sociedade globalmente industrializada.
b) Esta nova sociedade - a globalmente industrializada - caracteriza-se pelo inacreditável grau de riqueza, pela sua concentração sob formas maciças de urbanização e por ser dotada de meios de comunicação impessoal e extensos.
c) A nova
sociedade está produzindo uma sociedade para a qual se
adotou a expressão massa. Daí se falar em "comunicação
de massa", "homem de massa", "civilização
de massa", etc...
A aceitação do novo poder humano
foi global, pois resultou do conhecimento científico e
tecnológico. O fim do século XVIII foi mercado pelo
movimento democrático e pela mudança da forma
de trabalho, ou seja pelo processo de industrialização.
E já agora citando as suas palavras textualmente:
"A mudança da forma de trabalho é que veio a ser ajudada por conhecimentos novos; que, aplicados, deram ao homem, pelas invenções, novos instrumentos para a transformação em curso.
A democracia não era servida propriamente pela ciência, mas por idéias que buscavam interpretar e teorizar sobre a viabilidade de uma sociedade fraternal e justa."
"A mudança de condições de trabalho, com o progresso da ciência e da tecnologia, veio a produzir a enorme concentração organizacional da sociedade contemporânea, coletivizada em seu trabalho e em seu modo de vida, extremamente rica e poderosa, como um todo, mas, substancialmente, impessoal e antiindividual."
"Hoje, uma nação desenvolvida
no sentido global, só tem um limite para o seu poder: a
existência de outras nações. . .
O Desenvolvimento do Pensamento Social
Para Anísio Teixeira os dois movimentos a que antes se referiu se processaram isoladamente, havendo mesmo a tendência de um se sobrepor ao outro (democracia versus industrialização).
O movimento democrático preocupado com o significado e o destino da vida humana, o movimento da industrialização voltado para a mudança das condições de produção e organização social; ambos revolucionários e se desenvolvendo simultaneamente. Como conseqüência teve lugar o desenvolvimento do pensamento social crítico.
Completemos o seu pensamento, com as suas
próprias palavras:
"A simultaneidade dos dois movimentos deu lugar a um desenvolvimento do pensamento social crítico, muito diferente de outros períodos da História, salvo talvez o helênico e o do cristianismo dos primeiros tempos.
O pensamento social, antes
apenas relativo aos aspectos religiosos e morais da vida humana,
passou a ser político, econômico e propriamente
social. E fez-se, assim, um pensamento controvertido, senão
contraditório. . ."
O Papel do Intelectual diante das Mudanças
Assim vai Anísio desenvolvendo os seus
pontos de vista para afirmar que a história do desenvolvimento
da sociedade contemporânea serve para ilustrar como as idéias
atuam no desenvolvimento social, desde quando essas idéias
reflitam movimentos nascidos do próprio ambiente. Outra
vez as palavras do Mestre Anísio:
"Em período de mudança social, a função do intelectual é descobrir e formular as idéias capazes de dar direção e articulação às mudanças em curso... O erro mais comum do século XIX foi o de acreditar que as idéias uma vez expostas tinham, por si mesmas, o poder de se efetivarem.
As idéias se efetivam quando incorporadas
aos meios de ação instituídos para o fim
de transformar e conduzir a mudança social."
A Força Transformadora do Progresso
Científico e Tecnológico
Prosseguindo a sua análise sobre as
transformações sociais e o desenvolvimento, afirma
Anísio Teixeira, em síntese admirável e profunda:
"A lição contida no tumultuoso período de transformação da sociedade até o seu atual estado de desenvolvimento é, repetimos, a de que não foram tanto as idéias, mas o progresso científico e tecnológico que atuou como força transformadora.
O homem forneceu a energia humana necessária a pôr em aplicação o conhecimento conquistado...
... Mas, se a lição a tirar de toda a marcha do desenvolvimento foi a de que seu fator essencial acabou sendo a revolução científica e tecnológica e não propriamente as idéias políticas, a surpresa que nos trouxe esse desenvolvimento foi a de que o novo meio de vida resultante desse processo de desenvolvimento não terá sido o esperado pelos que dele tiraram o maior proveito, como não foi, e já aí sem surpresa, o dos que o processo empobreceu e destruiu.
A chamada sociedade individualista e capitalista
fez-se uma sociedade coletivista, mergulhando
a vida individual em uma teia de organização e de
concentração de forças de trabalho, de comércio
e de serviço de tais dimensões, que nenhum indivíduo
pode sonhar em controlá-las."
Estas, algumas das considerações feitas pelo Mestre Anísio, que adiante afirma haver falado do desenvolvimento como se processou até o fim do período vitoriano. Em verdade, é muito difícil sintetizar o seu pensamento, especialmente nesta profunda e judiciosa análise. O que temos procurado fazer é salientar os argumentos que consideramos de mais valor, com o objetivo de demonstrar aos entendidos o quanto de extensa e profunda era a cultura de Anísio que, na sua modéstia, outra coisa não se proclamou senão um homem estudioso dos problemas educacionais. Por outro lado, aos que ainda estudam educação ou pretendem aprofundar os seus conhecimentos, a síntese que temos tentado fazer será muito útil, especialmente do ponto de vista didático.
Quanto a este aspecto é fácil compreender o nosso objetivo, vez que a cada dia torna-se obrigatória a leitura da grande obra escrita por Anísio Teixeira, cujo pensamento permanece bem vivo e influenciando - direta e indiretamente - a vida educacional brasileira.
Continuaremos, adiante, expondo as idéias
de Anísio em torno da longa revolução dos
nossos tempos.
"Daí por diante (após o fim do período vitoriano), foi a globalização do processo industrial e a extensão dos efeitos da coletivização a todos os aspectos da vida. . ."
"... A nossa época não tem
a tranqüilidade vitoriana, contra a qual se levantava William
Morris (1) , mas tem suas semelhanças.
. ."
E adiante Mestre Anísio vai, na análise
do problema, situar-se na sua condição de educador,
declarando:
"Se este é um lado da questão, não me desejo deter nele, mas em nosso problema de educadores, convocados que nos achamos para verdadeiros desafios, em meio aos projetos da sociedade em desenvolvimento.
O desenvolvimento da sociedade contemporânea, que a levou ao grau de organização e coalescência a que nos referimos, não foi desenvolvimento homogêneo nem uniforme e singelo, mas algo de extremamente complexo e contraditório...
... Não preciso encarecer que nossas
dificuldades são, sem dúvida, maiores do que as
que assaltaram em seu tempo, as sociedades hoje desenvolvidas.
Dentre todas aquelas instituições criadas então
para atender à adaptação à transformação
social, nenhuma será, por certo, mais importante que a
educação. Ela é que poderá ter a flexibilidade
e a virtuosidade necessárias para se erguer à altura
de nossas dificuldades."
E adiante Anísio propõe uma saída para essas dificuldades, geradoras da "crise de compreensão", cada vez mais complexa nas sociedades em desenvolvimento. É preciso tornar o presente compreensível, o que é possível através da cultura.
E no caso, como entender cultura? A definição é dele próprio: é o conjunto de idéias e sentimentos que desenvolvemos para buscar entender ou controlar o nosso complicado e difícil presente.
Em seguida, completa o seu pensamento:
"Cabe-nos, afinal, acompanhar o processo
de iniciação e integração social de
cada indivíduo no mundo confuso e tumultuado de nossa sociedade
em transformação."
Os Educadores e a Elite Condutora da
Vida Nacional
Anísio Teixeira procura explicar as principais causas da transformação social: "O novo dinamismo social se faz assim extenso, geral e insopitável e outro o estado de espírito do povo. E como a distância cultural entre o País disperso pela vastidão territorial, sem maiores tradições locais, pobre e ignorante, e o País dos poucos localizados nos centros urbanos, sedes do poder e da modesta mas controlada riqueza. . ."
Em seguida vai concluir as suas considerações
e dizer do papel que caberá ao educador brasileiro diante
da realidade social:
"Mobilidade populacional e expansão demográfica produzem uma multiplicação de números nos centros anteriormente organizados do País, que só por si sugere períodos históricos de declínio, senão extinção de civilização, chegando a lembrar longinquamente a invasão dos bárbaros na Europa.
No entanto, há mais do que essas mudanças, por assim dizer físicas, do nosso quadro social. Há mudanças da natureza do conhecimento ou saber agora utilizável, há mudança no comportamento do homem novo que as condições atuais estão gerando, há mudança na difusão da informação e na forma de comunicação entre os homens, que nos afetam ainda mais, como educadores, do que o já referido anteriormente, embora aquele problema do número e da concentração populacional seja por si só enorme.
A mudança da natureza do conhecimento ou saber a ser transmitido é a mais importante para nós educadores. Com a existência de dois países, o dos educados e o dos chamados ignorantes, a nossa tarefa seria a de formar a elite condutora da vida social, cujos conhecimentos eram dominantemente de deliberação e escolha na ordem política e social, de aplicação de normas e regras profissionais na medicina (altamente individualizada), na atividade liberal de base prática ou jurídica e na engenharia civil ou militar aplicadas. Ao lado disso procurávamos dar a essa elite uma cultura geral (hoje chamada educação de consumo) para aprimorar-lhes as artes da convivência social e da vida elegante e civilizada."
"Para isso, desde a escola primária,
acentuávamos os aspectos intelectuais da educação,
a ser desenvolvidos e disciplinados na escola secundária,
para o ingresso na escola superior de habilitação
para as profissões liberais. . . "
As idéias de Anísio Teixeira, à medida que vão sendo expostas, nos vão sugerindo uma série de outras indagações, mesmo quando em seguida ele próprio vai explicando os seus argumentos. Analisando os problemas educacionais do Brasil sempre o faz com profundidade, o que requer uma certa cultura da parte de quem pretende interpretá-lo.
Outro aspecto que nos parece interessante ressaltar é que Anísio Teixeira jamais revelou a preocupação de sistematizar a sua grande obra pedagógica. Dos seus livros somente um parece haver refletido a preocupação didática, ou seja a sua Pequena Introdução à Filosofia da Educação. Os demais, qualquer que seja a área de estudos pedagógicos, podem ser considerados livros apropriados para estudantes, professores e estudiosos de educação. Diríamos, enfim, que a sua ampla visão dos problemas de educação se refletiram na grande obra pedagógica que nos legou, toda ela de uma atualidade impressionante.
No seu estudo sobre a longa revolução
de nosso tempo vamos encontrar as suas idéias finais,
idéias que se constituem o objeto principal das meditações
atuais de quantos desejam renovar a educação brasileira.
Os Fundamentos para a Reforma
Educacional dos Nossos Dias
Os que acompanhamos e participamos das últimas reformas educacionais ainda em curso, os que estamos permanentemente empenhados em estudar, discutir e propor rumos novos para a educação nacional, além de reconhecermos em Anísio Teixeira um pioneiro, também devemos reconhecer que as suas idéias mais do que nunca estão presentes.
Sempre acreditei, desde quando - com isenção - comecei a estudar a sua obra e a analisar o seu pensamento, que as suas idéias passariam a ser idéias nossas, isto é idéias que todos terminariam por aceitá-las. Efetivamente Anísio Teixeira foi um homem por demais avançado para o seu tempo. Muitos dos seus críticos não puderam perceber que Anísio falava uma linguagem nova. Foi homem que não se limitou. Era um pensador livre, totalmente despreocupado com o impacto que as suas idéias pudessem causar. Não soube cultivar a vaidade - nem poderia fazê-lo, pois era um filósofo - por isso raramente se preocupou em defender suas idéias. Somente o fez quando duramente atacado ou quando injustiçado. Ainda assim, soube vencer as adversidades e as incompreensões. Jamais desanimou, pois a educação foi a paixão de toda a sua vida, e a ela sempre serviu sem jamais se preocupar com títulos e honrarias.
Não sei contar o número de pessoas - estudantes, professores e mesmo políticos - que, com o tempo, reformularam o juízo apressado que inicialmente fizeram, em torno de Anísio Teixeira. Não obstante a imensurável legião de seguidores e admiradores, cada vez mais Anísio será melhor compreendido e respeitado. É preciso que se analise o seu pensamento, que se debatam as suas idéias - pois os seus livros, quem viver verá, serão obras clássicas da literatura pedagógica brasileira.
Verifique-se, adiante, que profundidade de
pensamento, que maravilhosa antevisão dos caminhos a serem
percorridos na busca de soluções para a educação
do Brasil. Observe-se que até expressões que hoje
passam a ser utilizadas comumente na linguagem nova dos educadores
e professores de todos os recantos do país, eram expressões
utilizadas pelo saudoso Anísio, que, melhor do que ninguém
soube explicar - para nós educadores - a longa revolução
de nosso tempo. Vejamos:
Mudança Institucional - Mudança
Educacional
Muito interessante, para melhor compreensão
das suas palavras, pensarmos no Brasil dos nossos dias. Vamos
às palavras textuais de Mestre Anísio Teixeira:
"São aspectos da mudança institucional em processo, que irá determinar a mudança no tipo de educação que virá a precisar...
... faz-se necessário uma educação para a produção e a capacitação de cada indivíduo para aplicar, nas formas de trabalho modificadas, o conhecimento científico e técnico dos dias de hoje.
Isto corresponde a uma mudança no espírito e nos métodos de ensino que se inicia desde a escola primária.
Primeiro, a educação se
faz necessária para todos. Segundo, há uma
modificação profunda na qualidade da educação
a oferecer."
Escola Polivalente
Lembra Anísio Teixeira que mesmo nos
países desenvolvidos não foi fácil melhorar
a qualidade da educação. Esses países tiveram
que enfrentar as mais sérias dificuldades. Comparando o
Brasil com países da Europa, antevê o nosso caminho:
"Geralmente, os países da Europa resolveram o problema oferecendo diferentes tipos de educação, em instituições separadas.
Entre nós parece que nos encaminhamos para uma instituição única polivalente.
Contudo, a marcha é para uma modificação
profunda de conteúdo e de método."
Os Tipos de Educação -
Objetivos
"O essencial é que o conhecimento
já não é apenas necessário para
melhor compreender a vida, mas é instrumental para o
próprio trabalho, que se vai fazer cada vez mais
científico tecnicamente qualificado.
Educação para o Trabalho
"A educação passa a ser fundamentalmente a educação para ensinar a trabalhar, desde o nível primário ao superior.
As formas de trabalho, sejam as de produção ou de serviço, passam todas a exigir treino escolar e saber de tipo intelectual e técnico.
Tal educação vai servir a um
aluno desperto em suas aspirações individuais,
altamente motivado para encontrar na educação
os meios de vencer as dificuldades da competição
social e muito mais amplamente informado do que a criança
dócil ou preguiçosa dos períodos anteriores."
Comunicação
"Os meios chamados de comunicação
de massa põem-no em contato com uma informação
geral que, de algum modo, o desenraíza do seu meio imediato
e até de sua família, correspondendo a sua iniciação
em uma sociedade mais ampla que a sua imediata, e, sobretudo,
mais impessoal."
Aprendizagem
"A comunicação entre o mestre e o aluno, em qualquer dos níveis de ensino, faz-se algo muito mais difícil.
Sempre fomos, como educadores, convidados a uma tarefa quase impossível.
Para educar temos de:
- conhecer a criança, o adolescente ou o adulto,
- conhecer a parcela de conhecimento humano cuja aprendizagem vamos conduzir e orientar, e temos de
- conhecer a sociedade e a cultura a que pertencemos."
Cada um desses setores se fez hoje todo um mundo de estudos e conhecimentos. Acrescente-se que já não recebemos o aluno como a página em branco que pedagogos antigos imaginavam, mas como um ser humano vitalizado e alerta, com uma massa informe de experiências em sua cabeça, que não recebeu tanto da família e da vizinhança mais ou menos eclipsados, mas de seus pares, do transistor, do rádio e da televisão. (Caminha-se para tornar o estudo crítico desses meios de comunicação um dos pontos fundamentais da educação escolar.)
Esse novo aluno, vivo e ativo pela sua participação fora da escola na difusão oral e visual da cultura-ambiente, é um desafio ao mestre, que lhe parece distante e estranho.
Pode-se ver por aí como se fez complexa e difícil a tarefa de educar. Tudo isso, contudo, é apenas um lado do problema.
Ao novo aluno, ao seu número multiplicado dezenas de vezes,
ao novo saber,
à difusão e ao alargamento da informação oral, comercializada e propagandística,
junta-se o problema da nova sociedade em formação, junta-se o desaparecimento dos dois países...
... Se nos pudéssemos deter na análise da situação que essa simples enumeração nos deixa entrever, teríamos de concluir com
Uma imensa admiração pelo homem brasileiro, de que é o professor e o educador um exemplo,
que perdido neste báratro que
mal podemos descrever, ainda consegue guardar tantas qualidades
e até uma certa fundamental bondade e espírito de
conciliação e brandura, sem falar na extraordinária
capacidade de alegria, que atinge tantas vezes a expressão
artística."
Nessas palavras podemos perceber o quanto de admiração pelo professor devotava o Prof. Anísio. Aliás, devemos salientar que o professor sempre constituiu objeto de suas preocupações, não somente no estudo dos problemas pedagógicos, mas também quando à frente dos diversos órgãos educacionais que dirigiu. Do mesmo modo a sua crença no homem brasileiro e a sua fé no Brasil eram, incontestavelmente, inabaláveis.
Vamos voltar às palavras textuais:
"É que, a despeito de tudo, a despeito da divisão, do abandono e do sofrimento, ou talvez por tudo isto, vem-se formando o que se poderia chamar o povo brasileiro, que não é um aglomerado de pessoas mas uma experiência histórica, uma soma de alegrias e tristezas, de vicissitudes em comum, de disposições, temperamentos e hábitos longamente desenvolvidos, de tudo resultando um estilo, uma forma comum de responder à vida, um tom, um senso de humor, um caráter nacional.
É esse espírito que forma uma nação e talvez ele se encontre mais no povo do que nas elites que nominalmente deveriam tê-lo dirigido.
É nesse povo que se veio formando, ao
longo da nossa História, por uma experiência que
não chegou a ser escrita e que só ultimamente aparece
na literatura moderna brasileira - que vamos encontrar razões
para esperar poder sair da confusão que marca a nossa fase
de mudança e transformação social."
Este importante pronunciamento de Anísio Teixeira foi feito em 1967. Foi uma das últimas vezes que visitou a sua terra natal, como padrinho dos professores que se licenciavam pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. Acreditamos tenha sido das mais brilhantes e lúcidas páginas que escreveu, sobretudo pela precisão dos conceitos emitidos e pela capacidade de se colocar acima de quaisquer contingências. A sua linguagem, repetimos, é a do livre pensar, do homem de ciência, preocupado acima de tudo com o destino do seu povo e a felicidade da sua Pátria.
Depois das palavras que transcreveremos, encerrando
este capítulo, nada mais teremos a comentar:
"Contudo, depois dessa esperança a que não falta a nota, antes de fé que de comprovação, o nosso apoio, a base de um esforço voluntário, dirigido e consciente, para vencer a crise em que nos debatemos, é a educação, é a escola, é a descoberta, a formação e a difusão de cultura brasileira, mediante a qual buscaremos pôr sob controle a transformação social.
A extensão e a qualidade da educação e a incorporação por ela do desígnio nacional, do projeto nacional, daquela alma comum que entrevemos no povo brasileiro, poderá levar-nos a vencer a extensa e árdua conjuntura brasileira e consolidar a Nação, que não é um produto espontâneo mas algo que temos de ajudar o povo a construir e fazer com o material de toda a História brasileira, somando o exemplo e a experiência, os erros e os acertos dos que já morreram, dos que vivem e dos que irão viver, a fim de prosseguir na obra sempre inacabada de criação, revisão, adaptação e contínua reconstrução do caráter nacional.
E dessa imensa tarefa somos nós os educadores as testemunhas mais vigilantes e ouso dizer os colaboradores mais próximos.
A velha metáfora salta-me à pena: o sal da terra. A nação francesa, tão profundamente ligada ao início dessa longa revolução, que está ainda em curso e que vive agora entre nós a sua hora de partida para o desenvolvimento, deu a seus professores primários a designação de instituteurs, instituidores.
Gostaria de ver o nome estendido a todos os professores, de todos os níveis. Profundamente agradecido à honra que me destes, fazendo-me paraninfo de vossa formatura, permiti-me que vos saúde com esse nome ...
Sois, como educadores, os instituidores
do Brasil."
* * *