UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DARCI RIBEIRO

Da Universidade do Brasil

Tradição Universitária

Não temos, no Brasil, uma verdadeira tradição universitária a defender e preservar. Nossa universidade mais antiga foi instituída depois de 1920 e só anos mais tarde conseguiu estruturar-se. Esta, como as que se seguiram, constituiu-se pela reunião nominal de escolas pré-existentes que, apesar de congregadas, permaneceram estanques e auto-suficientes. Nestas circunstâncias, poucas puderam passar de reitorias, montadas para serviços centralizados de orçamento e administração, para atos solenes de abertura e encerramento do ano letivo e para o debate, ainda tímido, sôbre a inviabilidade da própria estrutura e a necessidade de preceder-se à reforma universitária.

Seria, talvez, mais apropriado dizer instauração que reforma, tão pouco há de universitário em nosso ensino superior. Nossa tradição é de escolas independentes, eriçadamente defensoras de sua autonomia, organizadas para receber alunos graduados no curso secundário e segregá-los para ministrar-lhes preparo profissional em algumas poucas modalidades de formação, autorizadas por uma legislação formalística e rígida.

Alunos e professôres de cursos equivalentes, duplicados na mesma universidade, se ignoram completamente. Assim, o ensino de matemática, de física, química, biologia ou economia, compartimentado em dezenas de províncias, a cargo de catedráticos autônomos, se repete, escola por escola, multiplicando equipamentos, instalações e professôres. A julgar pelo número de professôres catedráticos, cada qual com uma equipe independente, mantidos por nossas universidades, elas fariam boa figura em comparação com as maiores do mundo. Lamentàvelmente, raras dessas equipes têm condições de funcionamento eficaz, pois são tantas, que a cada uma sempre falta e sempre sobra pessoal e material para o exercício de suas funções.

Uma das causas dessas situações é a instituição da cátedra, tal como a concebemos; ou seja, o loteamento do saber em províncias vitalícias, outorgáveis através de certos procedimentos de seleção, que asseguram a um professor-donatário a propriedade do ensino de uma disciplina, em certa série de dado curso, a determinada Faculdade. Após o concurso, o usufrutuário vitalício da cátedra se liberta da obrigação de estudar e de atualizar-se. Pairando acima de qualquer juízo, orienta o ensino como bem entende ou desendente, se quiser, pode dar ou não dar aulas e até ensinar outra disciplina, desde que esta não tenha donatário.

Os constituintes de 1946, justificadamente zelosos para com a liberdade docente – duramente desrespeitada em tantos professôres presos e destituídos no período estadonovista – procuraram defendê-la, instituindo como norma constitucional o concurso para o provimento de cátedra no ensino superior e assegurando vitaliciedade ao catedrático. A doutrina constitucional é, porém, perfeitamente compatível com a concepção da cátedra como um grau universitário que assegure o provimento dos cargos de magistério por concurso público e garanta ao professor estabilidade e liberdade docente, sem atribuir-lhe a propriedade de certo ramo do saber. Para isso, a unidade universitária passará a ser o Departamento, dentro do qual se deverá estruturar a carreira do magistério, escalonando hieràrquicamente os cargos – professor-assistente, professor-adjunto e professor-titular –- e os graus universitários correspondentes – doutorado, docência e cátedra – de modo a garantir o provimento, por concurso, a estabilidade do professor em cada etapa da carreira e a liberdade de ensino, sem o prejuízo das duplicações, e do esclerosamento.

Outro óbice institucional com que se defronta nosso ensino superior é a legislação casuística e rígida que estabelece receitas fixas para a graduação em cada categoria profissional. Currículos obrigatórios fixam as matérias que devem ser ministradas em cada série, ano após ano, do primeiro ao último, de cada curso. Nenhuma há de faltar, ainda que se tenha de improvisar o professor e os meios didáticos e fazer do ensino mera simulação. Nenhuma pode ser acrescentada, tal a pletora da lista mínima obrigatória.

Entretanto, já é evidente para todos que, em seu desenvolvimento atual, as ciências e a tecnologia não podem ser contidas na estreiteza desta compartimentação. Por outro lado, com a industrialização, as atividades produtivas se tornaram mais complexas e estão a exigir um número crescente de modalidades novas de especialização em que se têm de improvisar, como autodidatas, nossos engenheiros, médicos, advogados ou economistas, depois de formados. Assim, após anos de estudos e provas para obter licença legal de trabalho em certo campo, é que muitos de nossos graduados vão dominar, pela prática profissional ou em cursos de "recuperação" no país ou no estrangeiro, o saber e a técnica que os habilitarão para diversos tipos novos de atividades tornados indispensáveis.

Essa rigidez tem, também, a conseqüência de condenar o jovem egresso do curso colegial a uma escolha definitiva e prematura da carreira. Se dois ou três anos depois de iniciar o curso médico, de engenheiro civil ou professor, verifica que não tem aptidões para aquêle campo, vê-se compelido a recomeçar tudo, perdendo o tempo e os estudos realizados.

RIBEIRO, Darcy. Universidade de Brasília. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. v.36, n.83, jul./set. 1961. p.161-230.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DARCI RIBEIRO

Da Universidade do Brasil

Tradição Universitária

            Não temos, no Brasil, uma verdadeira tradição universitária a defender e preservar. Nossa universidade mais antiga foi instituída depois de 1920 e só anos mais tarde conseguiu estruturar-se. Esta, como as que se seguiram, constituiu-se pela reunião nominal de escolas pré-existentes que, apesar de congregadas, permaneceram estanques e auto-suficientes. Nestas circunstâncias, poucas puderam passar de reitorias, montadas para serviços centralizados de orçamento e administração, para atos solenes de abertura e encerramento do ano letivo e para o debate, ainda tímido, sôbre a inviabilidade da própria estrutura e a necessidade de preceder-se à reforma universitária.

            Seria, talvez, mais apropriado dizer instauração que reforma, tão pouco há de universitário em nosso ensino superior. Nossa tradição é de escolas independentes, eriçadamente defensoras de sua autonomia, organizadas para receber alunos graduados no curso secundário e segregá-los para ministrar-lhes preparo profissional em algumas poucas modalidades de formação, autorizadas por uma legislação formalística e rígida.

            Alunos e professôres de cursos equivalentes, duplicados na mesma universidade, se ignoram completamente. Assim, o ensino de matemática, de física, química, biologia ou economia, compartimentado em dezenas de províncias, a cargo de catedráticos autônomos, se repete, escola por escola, multiplicando equipamentos, instalações e professôres. A julgar pelo número de professôres catedráticos, cada qual com uma equipe independente, mantidos por nossas universidades, elas fariam boa figura em comparação com as maiores do mundo. Lamentàvelmente, raras dessas equipes têm condições de funcionamento eficaz, pois são tantas, que a cada uma sempre falta e sempre sobra pessoal e material para o exercício de suas funções.

            Uma das causas dessas situações é a instituição da cátedra, tal como a concebemos; ou seja, o loteamento do saber em províncias vitalícias, outorgáveis através de certos procedimentos de seleção, que asseguram a um professor-donatário a propriedade do ensino de uma disciplina, em certa série de dado curso, a determinada Faculdade. Após o concurso, o usufrutuário vitalício da cátedra se liberta da obrigação de estudar e de atualizar-se. Pairando acima de qualquer juízo, orienta o ensino como bem entende ou desendente, se quiser, pode dar ou não dar aulas e até ensinar outra disciplina, desde que esta não tenha donatário.

            Os constituintes de 1946, justificadamente zelosos para com a liberdade docente – duramente desrespeitada em tantos professôres presos e destituídos no período estadonovista – procuraram defendê-la, instituindo como norma constitucional o concurso para o provimento de cátedra no ensino superior e assegurando vitaliciedade ao catedrático. A doutrina constitucional é, porém, perfeitamente compatível com a concepção da cátedra como um grau universitário que assegure o provimento dos cargos de magistério por concurso público e garanta ao professor estabilidade e liberdade docente, sem atribuir-lhe a propriedade de certo ramo do saber. Para isso, a unidade universitária passará a ser o Departamento, dentro do qual se deverá estruturar a carreira do magistério, escalonando hieràrquicamente os cargos – professor-assistente, professor-adjunto e professor-titular –- e os graus universitários correspondentes – doutorado, docência e cátedra – de modo a garantir o provimento, por concurso, a estabilidade do professor em cada etapa da carreira e a liberdade de ensino, sem o prejuízo das duplicações, e do esclerosamento.

            Outro óbice institucional com que se defronta nosso ensino superior é a legislação casuística e rígida que estabelece receitas fixas para a graduação em cada categoria profissional. Currículos obrigatórios fixam as matérias que devem ser ministradas em cada série, ano após ano, do primeiro ao último, de cada curso. Nenhuma há de faltar, ainda que se tenha de improvisar o professor e os meios didáticos e fazer do ensino mera simulação. Nenhuma pode ser acrescentada, tal a pletora da lista mínima obrigatória.

            Entretanto, já é evidente para todos que, em seu desenvolvimento atual, as ciências e a tecnologia não podem ser contidas na estreiteza desta compartimentação. Por outro lado, com a industrialização, as atividades produtivas se tornaram mais complexas e estão a exigir um número crescente de modalidades novas de especialização em que se têm de improvisar, como autodidatas, nossos engenheiros, médicos, advogados ou economistas, depois de formados. Assim, após anos de estudos e provas para obter licença legal de trabalho em certo campo, é que muitos de nossos graduados vão dominar, pela prática profissional ou em cursos de "recuperação" no país ou no estrangeiro, o saber e a técnica que os habilitarão para diversos tipos novos de atividades tornados indispensáveis.

            Essa rigidez tem, também, a conseqüência de condenar o jovem egresso do curso colegial a uma escolha definitiva e prematura da carreira. Se dois ou três anos depois de iniciar o curso médico, de engenheiro civil ou professor, verifica que não tem aptidões para aquêle campo, vê-se compelido a recomeçar tudo, perdendo o tempo e os estudos realizados.

Reforma Universitária

            Os melhores professores de nossas universidades têm plena consciência dessa situação. Muitos procuram atender a ela em setores particulares, criando instituições complementares ou extracurriculares, sobretudo nos campos em que alcançamos mais alto padrão técnico, como a engenharia e a medicina. Mas todos se defrontam nas principais universidades e escolas isoladas, cada vez que procuram renovar o ensino superior, como a massa de interesses constituídos, os óbices de uma legislação rígida e de uma burocracia educacional estreita.

            No passado, foram feitas diversas tentativas para romper com esta estrutura obsoleta. Tal foi o propósito da Universidade do Distrito Federal e, também, do projeto original da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras que Armando de Sales Oliveira procurou instituir como órgão integrador da Universidade de São Paulo. A primeira foi fechada na onda de reação que varreu o mundo inteiro, nos anos de ascensão do fascismo. A segunda não conseguiu vencer a resistência das Faculdades tradicionais que teimavam em continuar estanques e auto-suficientes. E a conseqüência foi a consagração do modêlo de Faculdade de Filosofia com que contamos, cindida entre as tarefas de formar professores e de preparar quadros científicos e intelectuais, e, para isto, compelida a reproduzir, em miniatura, uma universidade inteira, da forma mais precária.

            Nas condições presentes, só uma universidade nova, inteiramente planificada, poderá estruturar-se em bases mais flexíveis e abrir perspectivas de pronta renovação de nosso ensino superior.

            O modêlo que se recomenda nada tem de inovador já que constitui a estrutura universitária usual, largamente experimentada e comprovada em sua eficácia, em todos os países desenvolvidos. A renovação do ensino superior na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Rússia, se fêz ao integrarem-se nos seus cursos universitários a ciência moderna e a tecnologia e processou-se por um caminho que ainda hoje se recomenda ao Brasil. Somos, talvez, o único país que ainda pretende formar cientistas e tecnólogos segundo o modo tradicional de ensinar e cultivar a erudição clássica.

            Há poucos anos, êste atraso não tinha grande relevância, porque a tarefa de nossos estabelecimentos de ensino superior era qualificar socialmente, pela diplomação, uns poucos doutôres para o exercício de uma medicina só acessível às camadas mais abonadas ou de uma engenharia destinada à construção de casas senhoriais ou de umas tantas obras públicas.

            As tarefas da produção recaíam, inteiramente, nos seus executores mais imediatos: sôbre o lavrador que cultivava algodão e café, o vaqueiro que cuidava dos rebanhos, o garimpeiro que bateava ouro ou pedras preciosas, o seringueiro que colhia borracha. Filho de fazendeiro, de criador, de seringalista, ia à escola para se fazer doutor. A produção não era tarefa de doutôres, não exigia saber técnico nem qualificação profissional. Por isto, em parte, fomos superados em tantos ramos da produção, cada vez que outro país decidia entrar em competição conosco. Quando técnicos eram exigidos para instalar ou movimentar uma usina, uma fábrica, para construir uma rodovia ou explorar uma jazida, tratava-se de importá-los juntamente com a maquinaria e as normas de procedimento.

            Ao ingressar na era tecnológica, a ciência e a técnica passaram a constituir para nós, também, ingredientes fundamentais dos processos produtivos e seu domínio, um imperativo da autonomia nacional. Se fracassarmos neste desafio, justamente no momento em que nos tornamos independentes sob tantos títulos, ver-nos-emos novamente subordinados. Já não dependeremos da importação de automóveis, geladeiras e televisores, mas da técnica que os produziu e os aperfeiçoa incessantemente.

            Por muitos anos estivemos na condição dos índios Xavantes que, ao aprenderem a utilizar machados de aço, não mais puderam prescindir dêles e se viram atados a seus fornecedores. Agora que já produzimos aço, telefones, penicilina e com isto muito acrescentamos à nossa autonomia, caímos em nôvo risco de subordinação, representada pela dependência de normas e de saber técnicos. Só seremos realmente autônomos quando a renovação das fábricas aqui instaladas se fizer pela nossa técnica, segundo procedimentos surgidos do estudo de nossas matérias-primas e de nossas condições peculiares de produção e de consumo. Só por êste caminho poderemos acelerar o ritmo de incremento de nossa produção, de modo a reduzir e, um dia, anular a distância que nos separa dos países tecnològicamente desenvolvidos e que se apartam cada vez mais de nós pelos feitos de seus cientistas e técnicos.

            A reforma do ensino superior, para ajustá-lo às exigências da formação de tecnólogos, é, pois, imperativo a que não podemos fugir. A oportunidade para iniciar, na prática, esta reforma foi criada com a mudança da sede do Govêrno Federal para uma cidade especialmente edificada para recebê-lo, a que não pode faltar um centro cultural e científico.

A Universidade de Brasília

            Por que criar uma universidade em Brasília?

            A resposta a esta questão deveria ser óbvia, em face do número de universidades inviáveis com que contamos, a reclamar recuperação ou mesmo fusão que as torne capazes de funcionar adequadamente como instituições de ensino superior e de pesquisa.

            Seria igualmente óbvia se considerássemos as dificuldades com que se defrontam nossas principais universidades para concluir seus programas de obras, equipar seus laboratórios, enriquecer e atualizar o acervo de suas bibliotecas, aperfeiçoar seu pessoal docente e proceder às reformas estruturais reclamadas, há tantos anos, por seus professores e alunos.

            A realidade, porém, nos coloca diante de um problema diferente. Não se trata de saber se convém ou não criar mais uma universidade, nem de examinar a capacidade de recuperação das nossas escolas superiores, mas de reconhecer que, construindo-se uma cidade no centro do país e nela instalando o Govêrno da República, se tornou inevitável a instituição ali de um núcleo cultural a que não pode faltar uma universidade.

            Nestas circunstâncias, nossa área de opção é bem estreita. Trata-se de escolher entre deixar que surja em Brasília, espontâneamente, uma série de escolas superiores precárias como as que se vêm multiplicando por todo o país que em breve se aglutinariam em mais uma universidade inviável, ou aproveitar a oportunidade para, com os mesmos recursos, provavelmente até com maior economia, dotar o país de uma universidade moderna, estruturada nos moldes que vêm sendo recomendados pelos nossos mais capazes professores e pesquisadores.

            A inevitabilidade da criação de estabelecimentos de ensino superior em Brasília está evidente, também, no fato de que já tramitam no Congresso projetos de criação de duas faculdades, uma de Direito, outra de Economia, modeladas segundo nossa tradição de improvisar escolas e professôres.

            Acresce, ainda, que os diversos órgãos do poder público, transferidos para uma cidade artificial, necessitam da assistência de centros culturais e científicos que só uma universidade pode prover. Quando êstes órgãos se encontravam no Rio de janeiro, cidade dotada de tradição cultural própria e servida por grande variedade de instituições científicas, tal assessoramento se processava quase espontaneamente Especialistas de todos os campos do saber podiam ser chamados a pronunciar-se sôbre cada problema, em tôdas as fases de formulação de soluções por parte do executivo, do legislativo e do judiciário. Com a transferência da capital para uma cidade nova, vêem-se os podêres públicos diante do grave risco de perderem êsse assessoramento intelectual e científico.

            É certo que a nova capital manterá necessariamente estreitos vínculos com os principais centros culturais do país. Mas não poderá depender exclusivamente dêles e, sobretudo, não será capaz de compreendê-los, de utilizá-los e de estimular-lhes o desenvolvimento se não constituir-se, ela própria, em centro cultural autônomo, à altura dos melhores.

            Aliam-se, pois, um imperativo inelutável e uma necessidade prática para recomendarem a criação, em Brasília, de uma universidade projetada nas mesmas bases dos centros de ensino e de pesquisa que estão revolucionando o mundo moderno.

            Nestes têrmos é que foi pensada a Universidade de Brasília. Suas funções básicas serão:

*         Ampliar as exíguas oportunidades de educação oferecidas à juventude brasileira.

*         Diversificar as modalidades de formação científica e tecnológica atualmente ministradas, instituindo as novas orientações técnico-profissionais que o incremento da produção, a expansão dos serviços e das atividades intelectuais estão a exigir.

*         Contribuir para que Brasília exerça, efetivamente, a função integradora que se propõe assumir, pela criação de um núcleo de ensino superior aberto aos jovens de todo o país e a uma parcela da juventude da América Latina e de um centro de pesquisas científicas e de estudos de alto padrão.

*         Assegurar a Brasília a categoria intelectual que ela precisa ter como capital do país e torná-la, prontamente, capaz de imprimir caráter renovador aos empreendimentos que deverá projetar e executar.

*         Garantir à nova capital a capacidade de interagir com os nossos principais centros culturais, para ensejar o pleno desenvolvimento das ciências, das letras e das artes em todo o Brasil.

*         Facilitar aos podêres públicos o assessoramento de que carecem em todos os ramos do saber, o que somente uma universidade pode prover.

*         Dar à população de Brasília perspectiva cultural que a liberte do grave risco de fazer-se medíocre e provinciana, no cenário urbanístico e arquitetônico mais moderno do mundo.

            Nenhuma dessas funções poderia ser exercida por uma universidade de tipo tradicional. Se tais universidades não conseguem funcionar de modo adequado, mesmo nos nossos principais centros culturais tradicionais, numa cidade artificial e nova, sua réplica estaria condenada a uma mediocridade ainda maior.

            Conjugam-se, pois, vários fatôres para ensejar a instituição, no Brasil, de uma universidade moderna, defendida dos principais percalços com que lutam as já existentes, porque planejada à base da experiência dos erros e acertos destas, o que será mais viável conseguir-se através de edificação de nova estrutura que pelo aproveitamento e recondicionamento das estruturas viciadas com que contamos.

Estrutura da Universidade

            A estrutura da Universidade de Brasília baseia-se na integração de duas modalidades de órgãos: os Institutos Centrais e as Faculdades.

            Aos Institutos Centrais compete ministrar:

*         cursos introdutórios de duas séries para todos os alunos da Universidade, a fim de dar-lhes preparo intelectual e científico básico para seguir os cursos profissionais nas Faculdades;

*         cursos de bacharelado de 3 séries em qualquer disciplina departamental, para os alunos que desejem seguir a carreira do magistério;

*         cursos de formação científica de dois anos mais, após o bacharelado, para os alunos que revelem maior aptidão, para pesquisas e estudos originais;

*         programas de estudos pós-graduados de dois anos para os candidatos ao doutoramento.

            Funcionarão, portanto, em quatro níveis: o introdutório (2 séries) que pode estender-se até o bacharelado (3 séries), o de formacão especializada (5 séries) e o de pós-graduação (7 séries) ao nível de doutoramento.

            As Faculdades receberão alunos já preparados pelos cursos introdutórios e ministrar-lhes-ão treinamento especializado tendo em vista o exercício de uma profissão.

            A diplomação nas carreiras tradicionais far-se-á após cursos que, somados ao dos Institutos, perfaça o mínimo de anos de estudo exigido pela legislação do ensino para cada tipo de formação superior.

            A Universidade deverá contar, inicialmente, com oito Institutos Centrais, a saber: Matemática, Física, Química, Biologia, Geo-Ciências, Ciências Humanas, Letras e Artes, que poderão ser desdobrados mais tarde. Cada um dêles se dividirá em Departamentos. Êstes constituirão as unidades básicas da Universidade onde se reunirão os professôres coletivamente responsáveis pelas atividades de ensino e de pesquisa, em cada especialidade.

            Assim, o Instituto de Ciências Humanas, por exemplo, dividir-se-á em Departamentos de Antropologia, Sociologia, Psicologia, Economia, Ciência Política, História, Filosofia e Demografia. A êle serão encaminhados os alunos que se proponham fazer cursos nas Faculdades de Direito, Serviço Público, Diplomacia, Administração de Emprêsas, e Ciências Econômicas, ou graduarem-se como professôres secundários de História, Filosofia, Psicologia ou Sociologia.

            No Instituto, os alunos realizarão cursos introdutórios de dois a três anos, o primeiro dedicado a estudos gerais que completem a formação básica, dando-lhes nível universitário: o segundo e o terceiro já com tendência à especialização. Após esses dois a três anos, o estudante poderá permanecer no Instituto, se fôr aceito como aluno para formação especializada em um dos departamentos, com o objetivo de fazer-se antropólogo, psicólogo, sociólogo, analista-econômico, demógrafo, historiador, etc. A maioria dirigir-se-á, naturalmente, para as Faculdades citadas, onde receberá formação profissional através de dois a três anos mais de estudos.

            O sistema funcionará nas mesmas bases para os demais cursos. Exemplificando: o candidato a qualquer dos ramos especializados de Engenharia, fará seus estudos básicos nos Institutos Centrais de Matemática, de Física e de Química, podendo, ao fim permanecer em um dêles, para se fazer pesquisador, ou encaminhar-se para a carreira que escolhera originalmente; ou, ainda, dirigir-se ao magistério secundário daquelas matérias, mediante cursos complementares na Faculdade de Educação. Poderá, também, orientar-se para a documentação, inscrevendo-se, para isto, na Faculdade de Biblioteconomia.

            O estudante de Medicina receberá seus créditos básicos nas matérias pré-médicas nos Institutos Centrais de Biologia, de Física e de Química, podendo, igualmente, optar por outras carreiras após os dois anos introdutórios, ou, já na Faculdade de Ciências Médicas, permanecer em um dos Departamentos para especializar-se em certo campo como farmacologia, microbiologia, fisiologia, sem fazer-se médico.

            As principais vantagens dêsse sistema duplo e integrado consistem em:

*         Evitar a multiplicação desnecessária e onerosa de instalações e equipamentos, e permitir a concentração dos recursos de pessoal. Assim, um único Instituto Central de Química, de Física ou de Biologia pode ser melhor equipado e ter seus recursos melhor utilizados que com a proliferação de pequenos laboratórios, bibliotecas e equipes dispersas pelas Faculdades cujos alunos requerem formação básica nesses campos.

*         Dar ao estudante a oportunidade de optar por uma orientação profissional, quando mais amadurecido e melhor informado sôbre os diferentes campos a que se poderia devotar.

*         Proporcionar modalidades novas de formação científica e de especialização profissional que o nosso sistema atual não pode ministrar. E, graças a esta flexibilidade, atender aos reclamos de qualquer nova modalidade de formação tecnológica por parte do mercado de trabalho, mediante a combinação de certos tipos da formação básica com linhas especiais de treinamento profissional.

*         Selecionar melhor os futuros quadros científicos e culturais do país, porque, ao invés de fazer-se esta seleção dentre os poucos alunos que, concluindo o curso secundário, se decidem por essa orientação, far-se-á dentre todos os estudantes que freqüentem os Institutos Centrais e aí revelem especial aptidão para a pesquisa fundamental.

*         Estabelecer mais nítida distinção entre as atividades de preparação científica e as de treinamento profissional, libertando as Faculdades da tarefa de formar pesquisadores, que às vêzes intempestivamente se atribuem, permitindo, assim, que cuidem melhor de seu campo específico de ensino e de pesquisa aplicada.

*         Ensejar uma integração mais completa da Universidade com os setores produtivos que deverão empregar os técnicos que ela formar.

            Assinale-se, ainda, que essa estrutura dará oportunidade de constituir-se um verdadeiro campus universitário. Quando estiverem em funcionamento os diversos Institutos Centrais, tôdas as Faculdades e órgãos auxiliares, alunos e professores viverão numa comunidade efetivamente universitária. O estudante de medicina fará uma formação científica básica junto com o de engenharia, por exemplo, nos mesmos Institutos Centrais; residirá na mesma casa com colegas que seguem os mais diversos cursos: com êles praticará esportes e freqüentará os centros recreativos e culturais da Universidade. Os Museus, o Instituto de Arte, a Biblioteca Central, a Rádio Universidade de Brasília funcionarão como Centros de integração que, além de suas funções específicas, permitirão constituir um lastro de experiência cultural básica para todos os que passem pela Universidade, qualquer que seja a carreira que abracem.

            Mestres inteiramente devotados ao ensino e à pesquisa, convivendo com seus alunos no campus comum, comporão o ambiente próprio à transmissão de experiência, não apenas por meio de atividades curriculares como, ainda, através do convívio e da interação pessoal, com o que se poderão plasmar mentalidades mais abertas, mais generosas e mais lúcidas.

Órgãos Complementares

            A Universidade de Brasília deverá manter, também, um corpo de órgãos Culturais destinados a funcionar supletivamente como centros de extensão para a cidade e para o país. Tais serão:

*         A Aula Magna, grande auditório montado para atender às necessidades da Universidade e da Capital Federal, dotado dos recursos audiovisuais que possibilitam a realização de reuniões e congressos internacionais. A construção desta unidade deverá ser encetada prontamente, porque Brasília servirá de sede à Assembléia Geral da UNESCO, em 1964 e precisará contar, então, com um auditório com capacidade para acolher as representações de mais de 90 países para reunião em que serão faladas simultâneamente cinco línguas. Contando com a Aula Magna e com os recursos de hospedagem que a Universidade poderá proporcionar nos períodos de férias, Brasília far-se-á um dos principais centros latino-americanos de conferências internacionais.

*         A Biblioteca Central que coordenará uma unidade principal com obras gerais e de referência, serviços de documentação e intercâmbio científico e cultural e dezesseis bibliotecas especializadas, sediados nos Institutos Centrais e nos conjuntos e faculdade afins. O acervo básico destas bibliotecas deverá montar a um milhão de obras, representando um dos principais investimentos da Fundação e aquêle para cuja constituição mais se necessitará apelar para a ajuda de instituições estrangeiras e internacionais. Na Biblioteca Central funcionará o curso de Biblioteconomia montado para receber alunos bacharelados pelos Institutos Centrais e especializá-los na biblioteconomia e documentação nos respectivos campos de especialidade.

*         A Rádio Universidade de Brasília, que terá como programa básico a difusão cultural e artística, através de emissoras de ondas médias e curtas. Deverá, contudo, especializar-se em cursos por correspondência e radiodifusão para aperfeiçoamento do magistério de nível médio. A relevância dessa tarefa é evidente, em face do crescimento das matrículas nesse nível de ensino que ascenderam de 60.000 alunos em 1933, para mais de um milhão, atualmente. Êsse extraordinário incremento foi acompanhado da inevitável improvisação do professorado.

*         A Editôra Universidade de Brasília, que se destina a traduzir para o português as principais obras do patrimônio cultural, científico e técnico da humanidade que ainda não são acessíveis em nossa língua e,

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

SERVIÇOS AUXILIARES

sobretudo, fazer elaborar e editar textos básicos para o ensino em nível superior, além de editar a produção científica e literária da própria Universidade. Somos, hoje, um dos maiores importadores de livros técnicos da Espanha, do México e da Argentina. Vale dizer que os alunos de nossas universidades estão estudando em espanhol. A exemplo do que fizeram todos os países modernos, impõe-se editar em português a bibliografia básica para a formação profissional comum, em nível universitário.

*         O Museum, que compreenderá o Museu da Ciência, o Instituto de Artes e o Museu de Civilização Brasileira. Êste último com o objetivo de vincular Brasília às nossas tradições históricas e artísticas e dar, aos moradores da nova capital e aos visitantes que a procurarem, uma visão do nosso esfôrço secular para criar uma civilização.

*         As Casas de Cultura, para o ensino de línguas e o estudo da literatura e da tradição cultural das nações a que estamos vinculados e que se disponham a manter, junto à Universidade de Brasília, um centro de difusão cultural.

            Dentre os órgãos Culturais, contam-se, ainda, o Centro Educacional – com escolas primárias e média de demonstração para os alunos da Faculdade de Educação, – o Centro Recreativo e Cultural e o Estádio Universitário.

            Estão previstos, também, Serviços Auxiliares, como o Centro de Assistência Médica e Dentária, a Casa Internacional, destinada a abrigar estudantes estrangeiros, principalmente latino-americanos, aos quais deverá ser reservada certa percentagem de matrículas, e o setor de habitações de estudantes e professôres, além dos diversos serviços públicos indispensáveis a uma cidade universitária.

Organização administrativa

            Uma instituição, planejada para funcionar em moldes pioneiros, não poderá ser estruturada na forma de autarquia, como ocorre com as nossas universidades federais. O que se recomendava e foi consagrado no projeto de lei que institui a

FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE BRASÍLIA

ÓRGÃOS DE DIREÇÃO E DE COORDENAÇÃO

Universidade de Brasília, era a estrutura de Fundação, suscetível de assegurar a indispensável autonomia na organização e na direção de seus órgãos. Fundação de caráter especial, como outras já criadas pelo Poder Público, por êle dotadas de patrimônio e providas nas necessidades de manutenção, para exercerem funções de alta relevância nacional.

            A iniciativa se impõe, mais uma vez, em vista da necessidade de dotar a nova capital, produto mais amadurecido da cultura brasileira, especialmente em sua feição urbanística e arquitetônica, de uma Universidade moderna que a torne capaz de imprimir às obras que planejará e executará, amanhã, por todo o país, o mesmo sentido renovador que presidiu sua criação.

            O órgão supremo da Fundação Universitária de Brasília será o Conselho Diretor, composto de seis membros nomeados livremente pelo Presidente da República da primeira vez e, daí por diante, renovado sob seu contrôle, através de nomeações dos novos membros por escolha sôbre listas tríplices elaboradas pelo Conselho.

            O Conselho Diretor elegerá o Presidente da Fundação que terá o título de Reitor e um Vice-Reitor, com funções executivas no que respeita à vida escolar e às atividades de ensino e de pesquisa.

            O corpo docente da Universidade terá plena autonomia didática, técnica e científica. Para exercê-la, os professores titulares, adjuntos e assistentes reunir-se-ão em Conselhos Departamentais, nas Congregacões de Carreiras e em Assembléia Universitária, como órgão deliberativo supremo da Universidade.

            Às Congregações de Carreiras compete estabelecer os currículos e suas variantes, em cada modalidade de formação e acompanhar individualmente, através de tutôres, cada um dos alunos, desde seu ingresso na Universidade até a graduação. Para isto serão integradas por todos os professores dos Institutos Centrais e das Faculdades que tenham participação em cada modalidade de formação. Assim, a Congregação da Carreira de Engenheiro-Mecânico, por exemplo, será integrada por professôres dos Institutos Centrais de Matemática, de Física, de Química e de Ciências Humanas (Economia) e mais pelos professôres dos Institutos Tecnológicos de Mecânica e outros da Faculdade de Tecnologia, cujos cursos os alunos respectivos devam seguir.

            As Congregações elegerão para cada tipo de formação dois Decanos, um para os cursos de graduação, outro para os cursos de pós-graduação. Todos os membros das congregações terão obrigações de tutoria de alunos, sob a supervisão dos respectivos Decanos.

            A Direção de cada unidade universitária caberá ao Conselho Diretor, integrado pelos respectivos chefes de Departamento e a um Diretor, eleito pelos professôres que a integram.

            O órgão supremo de coordenação da universidade é a Corporação Universitária formada por três Conselhos Coordenadores, um dêles integrado pelos diretores dos Institutos Centrais; outro, pelos diretores das Faculdades; o terceiro, pelos diretores dos órgãos Culturais. Êstes Conselhos elegerão os três respectivos Coordenadores Gerais que serão as autoridades superiores da Universidade e a representação diante do Reitor e do Vice-Reitor.

            Os diversos órgãos de deliberação e coordenação entrarão em funcionamento depois de inaugurados os cursos, à medida que cada unidade universitária se estruture. Até então, a direção caberá ao Conselho Diretor, ao Reitor e ao Vice-Reitor que serão assistidos por assessores de sua livre escolha, um para cada unidade universitária a ser criada.

            A êsses assessôres caberá: contratar e preparar as equipes com que se instalarão em Brasília, em data prevista; dar assistência aos arquitetos no planejamento das respectivas unidades; planejar e promover a aquisição dos respectivos equipamentos e bibliotecas; preparar a elaboração dos livros de texto e outros materiais que devam ser adotados pela Universidade para os cursos iniciais.

            A Fundação e a Universidade deverão contar, também, com a colaboração de diversos órgãos auxiliares, incumbidos de serviços específicos. Tais serão, entre outros:

*         Um setor encarregado de coordenar com as Fôrças Armadas a prestação do serviço militar pelos universitários, através de Centros de Preparação de Oficiais da Reserva, do tipo tradicional, ou de modalidades novas e formação de especialistas em tecnologia militar;

*         Um comitê de coordenação das relações entre a Universidade e a Indústria, encarregado de desenvolver os serviços de assistência técnica, planejamento econômico e pesquisa aplicada;

*         Uma comissão incumbida do levantamento de fundos para obras e serviços e de relações públicas com os patrocinadores de unidades específicas da Universidade;

*         Um serviço de admissões, encarregado dos exames vestibulares e do contrôle permanente da validade dos critérios de seleção;

*         Uma curatoria, responsável pelos problemas de disciplina e um serviço de assistência social ao universitário.

Lotação da Universidade

            A lotação da Universidade deverá ser calculada tendo em vista um número de matrículas que assegure por baixo custo aluno-ano e permita proporcionar formação de alto nível. Exigindo-se que a maioria dos professôres regulares e dos alunos resida na Universidade e que todos trabalhem em regime de dedicação exclusiva, os dois propósitos podem ser alcançados com uma matrícula total da ordem de 10.000 alunos.

            Essa lotação nada teria nem de modesta, nem de exagerada, nas condições brasileiras, pois nossa maior Universidade, a de São Paulo, contava em 1959 com 9.058 alunos, a do Brasil com 8.225, a de Minas Gerais com 3.601 e tôdas elas têm demonstrado pequena capacidade de expansão para os tipos de formação mais requeridos, como engenharia e medicina.

 

QUADRO l

MATRíCULA E CORPO DOCENTE DAS UNIVERSIDADES E DOS

ESTABELECIMENTOS ISOLADOS - BRASIL, 1959

 

UNIVERSIDADES

 

 

Universida-des

Escolares

 

Corpo

Docente

 

Matrícula

Geral

 

Conclusão

de Curso

 

Relação

Prof./Alu.

 

de São Paulo .....................

do Brasil ............................

do Rio Grande do Sul .......

de Minas Gerais ................

do Paraná .........................

do Recife ..........................

da Bahia ...........................

 

 

42

57

41

37

31

41

37

 

1.870

1.617

1.599

951

494

723

509

 

9.058

8.225

4.250

3.601

3.239

3.175

2.562

 

1.204

1.317

616

614

520

740

364

 

1:4,8

1:5,0

1:2,6

1:3,7

1:6,5

1:4,3

1:5,0

Tôdas as Universidades

 

 

504

 

11.703

 

54.933

 

9.511

 

1:4,6

 

Est. Isolado .......................

 

 

492

 

6.934

 

32.670

 

5.991

 

1:4,7

 

Total Geral ........................

 

 

996

 

18.637

 

87.603

 

15.502

 

1:4,8

           

Ainda que só se efetive completamente em 1970, o acréscimo de 10.000 matrículas será uma contribuição ponderável para atender à exigüidade de oportunidades de educação superior que oferecemos a nossa juventude. Para avaliar essa carência basta compulsar estatísticas recentemente divulgadas pela UNESCO, demonstrando que, em 1957, para cada 100.000 habitantes, os Estados Unidos mantinham 1.773 estudantes em suas escolas superiores, o Japão 690, a França, 410, a Argentina, 783, o Chile, 237, a índia, 212 e o Brasil, tão-sòmente, 130. Assim se vê o grau de atraso em que permanecemos também no ensino superior, fator decisivo para o desenvolvimento e setor educacional em que os investimentos são mais prontamente reprodutivos.

            Torna-se ainda mais evidente essa exigüidade de oportunidades de estudo em nível superior, quando se analisa sua distribuição pelos ramos. Uma quarta parte dos nossos estudantes cursaram, em 1959, Faculdade de Direito (21.977) ; a metade se encontrava nos cursos de Filosofia, Ciências Econômicas e ramos menores (45.053), mas apenas 10.325 (11,8%) estudavam Engenharia e 10.248 (11,7%) freqüentavam os cursos de Medicina.

            Na primeira série dos cursos de medicina de todo o país, ingressaram, em 1959, 1.789 alunos, número tão desproporcional para uma população de 60 milhões que equivale a condenar o nosso povo a ser tratado por curandeiros. Para preencher estas vagas concorreram aos exames vestibulares 12.403 candidatos, só alcançando matrícula 15,9%, não porque apenas êstes fôssem capazes de acompanhar o curso com proveito, mas pela exigüidade do número de vagas postas em concurso.

QUADRO 2

RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO EM CADA RAMO DE ENSINO

BRASIL - 1959

 

 

 

Ramos de

Universidades

Estabel.

Total

Relação

Ensino

 

 

Isolados

 

Prof.: Aluno

 

Matr.

Doccn.

Matr.

Docen.

Matr.

%

Doc.

%

Univ.

E.IS

Direito

11828

529

10149

572

21977

25,1

1101

5,9

1:22,3

1:17,7

Engenharia

9124

3867

1201

331

10325

11,8

4198

22,5

1: 2,3

1: 3,6

Medicina

7215

1111

3033

407

10248

11,7

1518

8,2

1: 6,4

1: 7,4

Filosofia

12670

2714

5783

2170

14040

16,0

4884

26,2

1: 4,6

1: 2,6

Outros

14096

3482

12504

3454

31013

35,4

6936

37,2

1: 4,0

1: 3,6

Todos os

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ramos

54933

11703

32670

6934

80603

100

18637

100

1: 4,6

1: 4,7

            O mesmo se dá com o ensino de engenharia já que dos 10.055 candidatos que fizeram exames vestibulares em 1959 só 2.510 (23,5%) alcançaram inscrição. Em conseqüência, êste será o número de engenheiros que estaremos formando em 1963, cêrca de 70% dos quais especializados em construção civil. A carência salta aos olhos, sobretudo quando se considera que somavam 50.000 as matrículas iniciais em cursos de engenharia nos Estados Unidos em 1950 e que aquêle país já no século passado, quando sua produção industrial era inferior à nossa atual, formava um número muito maior de engenheiros. Como manter em funcionamento nossas fábricas e usinas, como expandi-Ias e aperfeiçoá-las nestas condições de carência técnico-científica quando aumenta cada vez mais a proporção da mão-de-obra altamente especializada que se exige para a produção industrial?

            A taxa de incremento das matrículas em nossas faculdades é também muito baixa. Na década de 1950 a 1959 as matrículas de medicina passaram de 100 a 116, em engenharia, de 100 a 151. Assinale-se que a quase totalidade do incremento nesse período se fêz pela criação de novas faculdades. Em alguns casos como os das Faculdades de Medicina mantidas pela União, que são das melhores equipadas do país, muitas das quais contam com pessoal docente altamente qualificado, as matrículas iniciais foram reduzidas, – em certos casos de forma drástica – passando cada escola a formar metade e até mesmo uma quarta parte dos médicos que graduavam no passado.

QUADRO 3

OPORTUNIDADE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

BRASIL, 1959

 

Exames

Matrícula na 1ª Série

Concl. 1958

Incremento

Ramos de

Vestibulares

 

 

 

 

 

Ensino

Candi-

%

Ho-

Mulhe-

Total

Nos.

%

Mat.Global

1959

 

datos

aprov.

mens

res

 

absol.

 

em 1950

(1950=100)

Direito

11.430

42,5

4.664

795

5.459

3.240

21,5

11.393

193

Engenharia

10.055

23,6

2.471

39

2.510

1.239

8,0

7.103

151

Medicina

12.403

15,9

1.586

203

1.789

1.578

10,2

8.854

116

Filosofia

8.444

60,4

3.078

4.832

7.910

4.206

27,1

6.397

288

C.Econ.

3.651

58,5

2.504

144

2.648

997

6,4

2.924

241

Outros

7.282

96,0

4.142

2.850

6.992

4.142

26,8

12.328

194

Todos os

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ramos

53.265

37,3

18.445

8.863

27.308

15.402

100

48.999

178

           

            Nestas circunstâncias a oferta de dez mil novas oportunidades de matrícula pela Universidade de Brasília será altamente desejável, sobretudo na medida em que estas se concentrarem nos setores em que são maiores as nossas carências, empenhando-se na formação de profissionais habilitados ao exercício de atividades técnicas mais urgentemente requeridas pelo desenvolvimento econômico.

            A lotação total da Universidade de Brasília, se fixada em 10.000 matrículas, poderá distribuir-se de modo que os Institutos Centrais acolham, em média, 1.000 alunos cada, 800 para os cursos introdutórios e 200 para os cursos de formação de especialistas e de pós-graduação. Como os cursos introdutórios para cada tipo de formação serão feitos simultâneamente em diversos institutos Centrais – conforme os créditos que o aluno deva perfazer – as 1.000 vagas previstas não equivalem a igual número de alunos, mas um montante substancialmente menor.

            A lotação das Faculdades em 1970 deverá ser prevista para os tipos correntes de graduação e com vagas suplementares, em número pelo menos igual, para modalidades novas de formação especializada.

*         O grupo de Faculdades, que formarão quadros para a administração pública e a diplomacia e ministrarão cursos especiais, como por exemplo o de superintendente municipal, poderia oferecer 450 matrículas ou 150 vagas iniciais.

*         As Faculdades de Direito, de Ciências Econômicas e de Administração de Emprêsas, para as modalidades tradicionais de cursos e para currículos novos, especializados, poderiam atender a um total de 1.200 alunos, ou 400 vagas iniciais.

*         A Faculdade de Educação, destinada a formar professôres e especialistas em administração escolar, em currículos e programas, testes e medidas, etc., para o ensino elementar e médio, poderia ter uma lotação de 1.000 alunos para cursos de duas a três séries anuais.

*         As Faculdades de Artes e de Comunicação Visual preencherão as funções hoje exercidas pelas Escolas de Belas Artes, de Arquitetura e de Urbanismos, mas manterão além dos cursos tradicionais, currículos especializados de desenho industrial, arte do livro, artes gráficas, cinema, teatro, televisão e propaganda. Poderão ser montadas para 500 alunos.

*         O grupo de Ciências Agrônomas, compreendendo cursos de Agronomia, Veterinária e Zootecnia, Engenharia Florestal e Tecnologia Rural deverá ser estruturado em bases inteiramente novas, em vista do fracasso do padrão tradicional que se tem revelado pouco capaz de atrair estudantes, apesar de sua extraordinária importância econômica. O que se recomenda, nesse campo, à Universidade de Brasília, é criar núcleos de pesquisa e experimentação capazes de desenvolver bases tecnológicas, para a ocupação econômica do Centro-oeste e da Amazônia. Para isto deveria desenvolver, de preferência, a formação de especialistas altamente qualificados para a pesquisa e a assistência técnica naquelas áreas, além de tecnólogos para o estudo dos nossos principais ramos de produção agronômica, florestal e pastoril.

*         O setor de Ciências Médicas, compreendendo a Medicina, a Farmácia, a Odontologia, a Higiene e a Enfermagem, é daqueles em que contamos com maior nível técnico e mais alto grau de profissionalização. Apesar disso, raras vêzes se ofereceu a oportunidade de reestruturá-lo em bases melhor ajustadas às condições e às necessidades brasileiras como a que se apresenta, agora, na Universidade de Brasília. A experiência das nossas melhores escolas recomenda a estruturação desta unidade em Institutos Especializados cada um dos quais capaz de dar formação básica para o médico comum, e de abrir perspectivas de especialização para os que desejem dedicar-se a um dado ramo das ciências médicas. A lotação dêste conjunto poderá ser da ordem de 1.500 matrículas, sendo 500 iniciais para os diversos ramos.

*         A Faculdade de Engenharia, dividida em Institutos Tecnológicos de Construção Civil, Hidráulica, Mineração, Metalurgia, Mecânica, Eletricidade, Eletrônica e Química Industrial deverá constituir-se como a principal unidade universitária. Receberá, como as demais escolas, alunos bacharelados pelos Institutos Centrais ou alunos já formados em alguns dêstes campos, para ministrar-lhes formação profissional, tendo em vista prepará-los para as atividades produtivas e para a pesquisa aplicada. Formará as modalidades correntes de engenheiros e outras, segundo recomendações dos setores produtivos interessados em mão-de-obra com qualificação específica. Para alcançar êste objetivo os cursos dividir-se-ão em períodos de estudos nos Institutos Tecnológicos e períodos de treinamento na indústria. Além dos engenheiros com currículo completo da Universidade, poderão ser formados técnicos de nível mais baixo que ingressarão diretamente nos Institutos Tecnológicos para completar formação prática ou teórica obtida alhures. Para tôdas estas modalidades de formação, a Faculdade de Engenharia deverá manter matrícula total de 2.100 alunos, cem, em média, para cada unidade.

Professôres e alunos

            A relação professor-aluno em nosso ensino superior é, em média de um docente para 4,7 estudantes, variando relativamente pouco de uma universidade a outra, mas, de maneira acentuada, em cada ramo de ensino. Esta proporção seria ótima se se tratasse de professores com dedicação exclusiva, o que, lamentàvelmente, não ocorre, pois nosso magistério superior é geralmente exercido como atividade parcial que só ocupa o docente poucas horas por semana.

            A Universidade de Brasília, adotando o regime de dedicação exclusiva para professores regulares, poderá tomar, como têrmo médio, a proporção de um docente para seis alunos, que permite distribuir as tarefas de modo que cada professor tenha um encargo máximo de 10 horas de aula em 40 horas semanais de trabalho. Neste caso, calculando-se sempre em têrmo médio, teríamos para 1.500 alunos, em 1964, a necessidade de um mínimo de 250 docentes e, para 1970, quando a matrícula ascender a 10.000 alunos regulares, cêrca de 1.650 professores. Êste dado aproximativo permite avaliar o vulto da tarefa de selecionar e aperfeiçoar tão grande número de professores em um país carente de pessoal qualificado como o nosso.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

I – LOTAÇÃO PROGRESSIVA - 1964-1970

 

 

ALUNOS

Conclusões

Corpo

Pós-

Anos

Institutos

Faculdades

Total

de Curso

docente

Graduação

1964

1.500

-

1.500

-

250

100

1965

3.500

-

3.500

-

600

150

1966

4.000

1.000

5.000

-

850

200

1967

5.000

2.000

7.000

-

1.200

250

1968

5.500

3.500

9.000

1.500

1.490

750

1969

5.500

4.000

9.500

1.500

1.580

1.000

1970

5.500

4.500

10.000

2.000

1.650

1.000

                                  

            Diante dêstes números se verifica que a mais grave responsabilidade da Universidade de Brasília será a formação de seu corpo docente e que os prazos de três anos para a etapa inicial de instalação e de dez para o conjunto, representam o tempo mínimo necessário para selecioná-lo e prepará-lo em centros de aperfeiçoamento do país e do estrangeiro.

            Esta tarefa há de constituir o programa principal da Universidade e para levá-la a cabo será indispensável socorrer-se da ajuda das nossas universidades já amadurecidas, bem como dos organismos internacionais, de fundações estrangeiras que atuam no campo e dos governos que queiram e possam auxiliar neste empreendimento.

            Avaliamos que o número de bôlsas de aperfeiçoamento no estrangeiro, necessário para formar as diversas equipes que entrarão em atividade a partir de 1964, será de cêrca de 1.000 em dez anos. Como estas necessidades se concentrarão no período inicial e muitas das bôlsas deverão ser de dois anos, o cumprimento dêsse programa exigirá, de 1962 a 1966, cêrca de 350 disponibilidades anuais de estudos na América do Norte, ou na França, ou na Inglaterra ou em outros países.

            Os alunos da Universidade de Brasília serão selecionados em todo o país, através de concurso como o que realiza, hoje, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, mas assegurando-se a cada unidade da Federação uma quota preferencial de matrícula, proporcional ao número de jovens que terminam o curso médio.

            Assim, um Estado que conte com uma quota anual de 100 matrículas preenchê-la-á inteiramente se apresentar igual número de jovens com capacidade de seguir os cursos que se proponham realizar. Neste caso, os candidatos só competirão com seus coestaduanos, naturalmente a partir de um nível mínimo de suficiência exigido pela Universidade. Êsse nível será avaliado através de provas que levem em conta o quociente intelectual do candidato, a sua capacidade de aprender, o domínio dos instrumentos elementares de estudo, como capacidade de redação em português e de leitura em línguas estrangeiras e, finalmente, o grau de aproveitamento revelado nas diversas matérias ministradas no curso médio. Assim, de cada candidato se traçará um perfil intelectual que indicará se êle tem nível para ser admitido na Universidade e, neste caso, para que campos gerais do saber e da técnica revela aptidão.

            Como os alunos vindos dos Estados residirão necessariamente na Universidade, deverão contar com bôlsas que cubram todos os seus gastos com estudos e manutenção. Para isto a União deverá custear certo número de bôlsas de valor igual à despesa por aluno-ano da Universidade. Outras bôlsas poderão ser custeadas por Estados Municípios e por emprêsas privadas, estas últimas podendo ser para tipos particulares de formação em que estejam interessadas. Admite-se, também, que certo número de vagas possa ser reservado para alunos em condições de pagar os próprios estudos.

            O custeio dos alunos latino-americanos far-se-á com bôlsas parciais do govêrno brasileiro e dos países de origem, mas se deverá apelar para a OEA e para entidades intercontinentais semelhantes, com o objetivo e ampliar êste serviço.

            Dada a dificuldade de pessoal destinado a serviços gerais de conservação, já que a cada pessoa contratada para servir em Brasília se precisa prover de residência, êstes serviços recairão principalmente sôbre os estudantes, como ocorre, de resto, nas universidades norte-americanas. Para isto, a bôlsa-de-estudo deverá ser estipulada de modo a estimular os alunos a complementá-la com obrigações de trabalho remunerado durante algumas horas, diariamente, em serviços de conservação de equipamento, catalogação, contrôle, etc.

Programa de obras

            Um programa desta envergadura só poderá ser pôsto em execução através de etapas progressivas e bem marcadas. A estrutura da Universidade de Brasília adapta-se, aliás, a êsse procedimento uma vez que os Institutos Centrais, ministrando os cursos introdutórios, devem ser instalados antes das Faculdades; estas só poderão iniciar suas atividades dois anos após a, inauguração dos cursos básicos. Acresce ainda que a singularidade da estrutura da Universidade de Brasília não admitindo transferência de alunos, no período de instalação, permitirá inaugurar, série por série, os diversos cursos, à medida que os serviços respectivos entrem em atividade.

            Ao Conselho Diretor apresentar-se-á, portanto, a oportunidade de adotar um programa decenal que preveja, numa primeira etapa, a edificação dos Institutos Centrais, o equipamento dos respectivos laboratórios e o preparo do pessoal docente que nêles deverá trabalhar. Numa etapa posterior, seriam iniciadas as obras das Faculdades e órgãos Culturais. Dado o vulto do empreendimento, se a primeira etapa fôr iniciada em 1961, poderá concluir-se em 1964, quando seriam inaugurados os Institutos Centrais. Neste caso, as Faculdades deveriam ficar concluídas em 1966, de modo que, já em 1968, estariam graduando as primeiras turmas.

            Iniciando suas obras em 1961, a Universidade poderia receber, em 1964, os primeiros 1.500 alunos para os cursos introdutórios dos Institutos Centrais e, daí em diante, dois mil novos alunos a cada ano, até completar-se a lotação em 1970, quando teria 10.000 alunos, descontados os graduados no correr do decênio. Êste programa permitiria distribuir as despesas por vários exercícios e evitar, tanto quanto possível, a acumulação dos gastos de edificação com gastos de manutenção.

            O plano de cada unidade universitária deverá ser elaborado pelo respectivo assessor, nomeado pelo Conselho Diretor. Mas, tomando-se por base instituições semelhantes, nacionais e estrangeiras, pode-se ter uma idéia global do montante das obras requeridas.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

II - MODULO DOS INSTITUTOS CENTRAIS

 

LOTAÇÃO

 

 

Biblioteca dos

 

500 m²

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Institutos

 

 

 

 

 

 

 

Séries

 

Alunos

Turmas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cursos

400

10

 

Serviços

 

20% de área

 

 

 

 

 

Introdutórios

400

10

 

Administrativos

 

construída

 

 

 

 

 

Cursos

50

2

 

UNIDADE DIDÁTICA

 

Unid.

 

Área m²

de

50

2

 

Grande Anfiteatro ....................

 

1

 

500

 

Formação

50

2

 

Sala de Conferências ..............

 

2

 

250

 

Pós-Graduação

 

50

5

 

Aulas para 50 alunos ..............

 

10

 

1.000

 

 

 

 

 

 

Aulas para 25 alunos ..............

 

15

 

750

 

LOTAÇÃO

 

1.000

31

 

TOTAL ..........................

 

28

 

2.500

 

DEPARTAMENTOS

 

 

 

Unid.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chefia

 

 

1

50

 

 

 

 

 

 

 

Conjuntos

Professôres

 

 

 

 

LABORATÓRIOS

 

Unid.

m2

Depar-

Titulares

 

 

2

60

 

 

Laborat.

 

 

 

tamen-

Professôres

 

 

 

 

Laboratórios

Didático

 

1

500

tais

Adjuntos

 

4

100

 

dos

Laborat.

 

 

 

 

 

Assistentes e

 

 

 

 

Institutos

Pesquisas

 

5

250

 

 

Estagiários

 

10

250

 

 

Oficinas

 

1

150

 

 

Serviços

 

1

140

 

 

Serviços

 

1

100

 

 

Total

 

 

18

600

 

 

Total

 

8

1.000

            Admitindo-se que a matrícula por Instituto seja de 1.000 alunos, 400 na primeira série introdutória e igual número na segunda, 50 em cada uma das três séries de formação e 50 nos cursos de pós-graduação, procuramos estabelecer um módulo arquitetônico. Para atender simultâneamente a tantos alunos, deverá cada Instituto Central contar com um anfiteatro de 5OOm2, duas salas de conferência para 100 alunos com um total de 25Om2; 10 salas de aula com o total de 1.000m2, 15 salas de estudos e seminários com um total de 750m2, o que, somado, dá o total de 2.500m2 para cada unidade didática.

            Os Institutos Centrais, como as Faculdades, se dividem em Departamentos que são as unidades básicas da Universidade. A cada um dêles será necessário assegurar instalações apropriadas para o pessoal docente e os estudantes de nível pós-graduado. Para isto, o departamento-tipo deverá contar com uma sala de chefia que servirá para reunião de professores (5Om2); duas salas para professores titulares (6Om2) ; quatro salas para professôres-adjuntos (100m2) ; dez salas para professor-assistente, instrutores e estagiários (25m2) ; espaço para os serviços administrativos (l40m2) o que soma 600m2 por unidade.

            Os laboratórios dos Institutos Centrais ou instalações equivalentes das Faculdades poderão ter como módulo uma unidade didática, com área de 500m2, 5 unidades de pesquisa com o total de 250m2 e igual área para oficinas e serviços, perfazendo um total de l.000m2 por laboratório.

            Os diversos Institutos deverão contar, ainda, com áreas de 500m2 para biblioteca e com espaços para serviços, avaliados em 2O% da área total.

            À base dêstes módulos, foi montado o seguinte quadro que permite avaliar, aproximadamente, o vulto das obras do conjunto de Institutos Centrais.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

III - INSTITUTOS CENTRAIS

Institutos

Matrí-

Salas

Departament.

Laboratór.

Bibliote-

Admin.

Total

Centrais

culas

Aula m²

Unid.

Unid.

cas m²

1. Matemática

1.000

2.500

4

2.400

1

1.000

500

1.280

7.680

2. Física

1.000

2.500

10

6.000

5

5.000

500

2.800

16.800

3. Química

1.000

2.500

10

6.000

5

5.000

500

2.800

16.800

4. Biologia

1.000

2.500

12

7.200

7

7.000

500

3.440

20.640

5. Geologia

500

2.000

8

4.800

3

3.000

500

2.060

12.360

6. C. Humanas

1.000

2.500

8

4.800

2

2.000

500

1.960

11.760

7. Letras

2.000

2.500

5

3.000

1*

1.000

1.00

1.500

9.000

8. Artes

500

2.000

8

4.800

2*

2.000

500

1.860

11.160

TOTAIS

8.000

19.000

65

3.900

26

26.000

4.500

17.700

106.200

Área equivalente a laboratório, destinada a outros fins)

            Para as Faculdades o cálculo é mais difícil em vista do número de serviços complementares de demonstração e treinamento que deverão manter. Êstes podem ter expressão maior ou menor, conforme as conveniências locais e as possibilidades de utilizar órgãos estranhos como centros de treinamento. No caso de Brasília, porém, a Universidade terá de edificar todos êstes serviços, devendo contar, para tanto, com especial ajuda governamental em vista de seu valor extra-universitário. Assim, em lugar de construir-se em Brasília um grande hospital de especialidades para atender à população regional como prevêem os planos da NOVACAP, os mesmos recursos poderão ser destinados a um Hospital de Clínicas que cumprirá êstes objetivos e poderá servir como Hospital-Escola à Faculdade de Ciências Médicas. O mesmo ocorre com respeito a um grande número de instituições e serviços que não podem faltar a uma cidade-capital e que, com vantagens recíprocas, se estruturariam no corpo da Universidade.

            O quadro seguinte procura dar uma idéia da área a ser construída, por grandes conjuntos, para as Faculdades, no período 1963/1970.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

IV - FACULDADES

 

 

 

 

 

Lotação

Área m²

9.

Serviço Público - Diplomacia - Ciência Política

400

4.000

 

e Jornalismo ........................................................

 

 

10.

O Direito - Administração de Empresas - Ciências

1.000

7.000

 

Econômicas .........................................................

 

 

11.

Educação e Centros de Educação Elementar e

1.000

20.000

 

Média ...................................................................

 

 

12.

Arquitetura - Urbanismo - Comunicação Visual

500

5.000

13.

Ciências Agronômicas - Agronomia - Veterinária

 

 

 

- Zootecnia - Engenharia Florestal - Tecnologia

 

 

 

Rural ....................................................................

500

10.000

14.

Ciências Médicas - Hospital- Escola. Medicina -

 

 

 

Odontologia - Farmácia - Higiene - Enfermagem

1.500

30.000

15.

Engenharia - Institutos Tecnológicos de Cons-

 

 

 

trução Civil - Hidráulica - Mineração - Metalurgia

 

 

 

- Mecânica - Eletricidade - Eletrônica - Quími-

 

 

 

ca Industrial ........................................................

2.100

34.000

 

 

 

 

 

7.000

110.000

                                  

            Além dos Institutos Centrais e Faculdades, o programa de obras deverá prever a instalação dos diversos órgãos Culturais e Serviços Auxiliares da Universidade. Alguns dêles como a Biblioteca Central e a Reitoria serão obrigatòriamente incluídos na primeira etapa de instalação, outros deverão ser escalonados de acôrdo com o preenchimento das matrículas e um plano de prioridade estabelecido pelo Conselho Diretor.

UNIVERSIDADE DE BRASILIA

V - ÕRGÃOS CULTURAIS

A - AULA MAGNA

 

 

 

 

 

 

Área - m²

Total

16. Auditório para 2.000 pessoas

8.000

 

17. Reitoria e Prefeitura Universitária

4.000

 

18. Biblioteca Central

 

6.000

 

19. Editôra Universidade de Brasília

2.500

 

20. Rádio Universidade de Brasília

2.500

 

21. Centro Recreativo e Cultural

5.000

28.000

 

 

 

 

 

B - MUSEUM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

22. Museu da Civilização Brasileira

5.000

 

23. Museu da Ciência

 

5.000

 

24. Instituto Central de Arte

 

(7.500)

 

25. Arquitetura - Urbanismo - Comunicação Visual

(5.000)

10.000

 

 

 

 

 

C - ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO

 

 

 

 

 

 

 

26. Construções cobertas

 

10.000

 

27. Construções a descoberto

40.000

50.000

 

 

 

 

88.000

 

 

 

 

 

            Dentre os Serviços Auxiliares destacam-se, pelo seu vulto, dois itens, a saber: o programa de habitações e os serviços públicos e de urbanização. O primeiro equivalerá à metade da área edificada da Universidade. Sua realização poderá efetuar-se num período de 10 anos acompanhando a progressão das matrículas até completar-se com o preenchimento da lotação da Universidade. Para 1964 serão necessários, só neste item, quase 80.000m2 de obras. O segundo compreenderá obras de grande envergadura que ficarão a cargo da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, por disposição da lei que institui a Fundação Universidade de Brasília.

UNIVERSIDADE DE BRASILIA

VI - SERVIÇOS AUXILIARES

 

28. Habitações (programa para 1964)

 

 

 

A. Professôres e Funcionários

 

 

 

 

 

a) 50 casas ou apartamentos de 200m²

10.000

 

 

 

b) 100 casas ou apartamentos de 150 m²

15.000

 

 

 

c) 200 apartamentos de 100 m²

20.000

 

 

 

d) 100 apatamentos de 50 m²

5.000

50.000

 

 

 

 

 

 

 

 

B. Estagiários e alunos

 

 

 

 

 

a) 4 edifícios para 400 rapazes cada um

16.000

 

 

 

b) 1 edifício para 400 môças

4.000

 

 

 

c) 2 edifícios para 200 estagiários

6.000

26.000

 

 

 

 

 

 

 

29.

Serviços Públicos (a cargo da NOVACAP)

 

 

 

A. Água - Luz - Energia - Esgotos

 

 

 

B.

Restaurantes - Comércio - Cooperativas -

 

 

 

 

Lavanderias

 

 

 

 

 

C.

Transportes e comunicações

 

 

 

D.

Almoxarifado - oficinas de manutenção e

 

 

 

 

reparos - Limpeza pública

 

20.000

20.000

 

 

 

 

 

 

96.000

 

 

 

 

 

 

 

            O programa de habitações para 1970 exigirá a construção de mais de 200.000 m2 de residências para atender a tôda a população universitária, residente no campus, que deverá alcançar, naquele ano, 15.000 pessoas.

            O conjunto de obras da Universidade de Brasília deverá orçar, portanto, em cêrca de 600.000 m2, a serem edificadas em 10 anos. O cronograma seguinte procura exprimir como as obras se distribuirão ao longo do período 1961/1970, indicando os momentos de início e término de cada conjunto e a área a ser construída por ano.

UNIVERSIDADE DE BRASILIA

VII - CRONOGRAMA DAS OBRAS - 1961/1970

UNIDADES

1961

1962

1963

1964

1965

1966

1967

1968

1969

1970

1. Institutos

>.......

.........

 

......<

 

 

 

 

 

 

 

2. Faculdade

 

 

>.......

.........

 

.......<

 

 

 

 

 

3.Aula Magna

 

>.......

.........

.........

.........

.........

.........

.........

 

.......<

 

4. Museum

 

 

 

>.......

 

.........

.........

.........

.........

.........

.......<

5. Habilitações

>.......

.........

.........

.........

.........

.........

.........

.........

.........

 

.......<

6. Estádio

 

 

 

>.......

.........

.........

.........

.........

.........

 

.......<

7. Serviços Auxiliares

>.......

.........

.........

.........

.........

.........

.........

.........

.........

.......<

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Milhares de m²

50

100

200

300

350

400

450

500

550

600

Programa financeiro

            Para calcular o orçamento total do empreendimento se devem prever, como principais parcelas, o custo das edificações, do equipamento didático, dos laboratórios e bibliotecas e o financiamento do programa de aperfeiçoamento do pessoal docente, no país e no estrangeiro. As despesas com a urbanização da área e com serviços públicos de água, luz, esgotos, transporte e comunicações ficarão, como foi dito, a cargo da Companhia Urbanizadora da Nova Capital.

            O custeio das despesas com edificações que ascendem a 9 bilhões de cruzeiros poderá ser feito com os recursos do patrimônio da Fundação que será de dois bilhões de cruzeiros (dotação inicial e 12 superquadras de Brasília, para venda) e de sua renda, no período, que deverá orçar em cinco bilhões de cruzeiros, complementados com dotações orçamentárias globais da União. Estas não serão muito vultosas, levando-se em conta o que despendemos anualmente com a rêde de universidades federais e que muitas despesas serão meramente substitutivas porque se aplicarão em obras que, se não forem feitas através da Universidade, teriam que ser efetuadas de qualquer maneira para dotar a cidade de hospitais, escolas de demonstração, museus, e outros serviços indispensáveis.

            A instalação e manutenção da Rádio Universidade de Brasília será custeada, por determinação legal, com metade dos rendimentos da Rádio Nacional. A Editôra Universidade de Brasília deverá operar com um fundo rotativo de 50 milhões de cruzeiros, criado pela lei que institui a FUB.

            Para o custeio da aquisição do equipamento dos laboratórios e do acervo básico das bibliotecas, avaliado em 4.750 milhões de cruzeiros, poderia ser solicitada a colaboração do Fundo Especial das NAÇÕES UNIDAS mediante o acôrdo que fizesse da Universidade de Brasília um centro-pilôto de formação técnica e científica para a América Latina. Aquela instituição tem dado contribuições dêsse gênero, é certo que de menor vulto, mas conta com recursos financeiros suficientes para o empreendimento e teria, no presente projeto, a oportunidade de associar-se a um programa universitário completo para servir a um grande número de países, num campo em que se defrontam todos com enormes deficiências.

            O aperfeiçoamento do pessoal docente da Universidade demandará, também, despesa ponderável, avaliada em 2.250 milhões de cruzeiros, a maior parte a ser realizada em moeda estrangeira. Nesse campo também se deverá apelar para a ajuda de instituições corno a OEA e a UNESCO que mantêm serviços de bôlsas-de-estudo, e para Fundações como a Ford, Rockefeller e outras devotadas à assistência técnica e à formação de pessoal cientlfico. Dado o vulto do programa e a influência que a nova universidade deverá exercer no país, poder-se-á solicitar, também, a colaboração governamental de países como os Estados Unidos da América do Norte, a França, a Inglaterra, a Alemanha, o Japão e outros que, preoccupados em manter vínculos culturais com nosso povo, provavelmente conviriam em participar do empreendimento.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

VIII - ORÇAMENTO DE CUSTO EM MILHÕES DE

CRUZEIROS - 1961/1970

Despêsas

1961

1962

1963

1964

1965

1966

1967

1968

1969

1970

Totais

1. Edificações

750

750

1.500

1.500

750

750

750

750

750

750

9.000

2. Equipamento

-

500

500

500

1.000

1.000

500

250

250

250

4.750

3. Aperf. de Pessoal

250

250

250

250

250

200

200

200

200

200

2.250

Totais Anuais

 

1.000

1.500

2.250

2.250

2.000

1.950

1.450

1.200

1.200

1.200

16.000

                Podem contribuir ponderàvelmente para atender esta classe de despesa, diversas instituições particulares, sindicatos, grupos econômicos e emprêsas privadas e de economia mista que operam serviços ou se dedicam a formas de produção que exigem pessoal de alta qualificação técnico-científica. Esta colaboração poderá efetuar-se através de convênios que interessem determinadas instituições, na instalação de unidades específicas da Universidade. Êste é o caso, por exemplo, da Petrobrás, com respeito ao Instituto de Geo-Ciências da Universidade que poderá ser projetado, mediante convênio e financiamento daquela emprêsa, para formar os especialistas de que ela mais necessita. Acôrdos da mesma natureza poderão ser propostos à indústria automobilística, em relação ao Instituto Tecnológico de Mecânica; à indústria eletrônica com relação ao Instituto Tecnológico de Eletrônica; à indústria farmacêutica, com respeito ao Instituto de Farmacologia e, ainda, às emprêsas metalúrgicas, de mineração, de produção de energia elétrica e outras, para o patrocínio de órgãos universitários de pesquisa, de assistência técnica e de formação de pessoal especializado nos respectivos campos.

            O Banco de Desenvolvimento Econômico, o Banco do Brasil, e órgãos de desenvolvimento regional como a Sudene, poderão contribuir para a instituição, na Universidade, de um Centro de Pesquisas Econômicas e de formação de economistas, bem como de pessoal para a administração de empresas.

            Naturalmente muitas dificuldades se apresentarão para a execução dêste programa, dado o isolamento em que têm vivido nossas instituições de ensino superior, habitualmente desvinculadas dos problemas da produção e dada a falta de uma tradição de convívio e ajuda entre a Universidade e a Indústria. Mas, nos últimos anos, os dois setores vêm tomando consciência de sua recíproca complementariedade e um programa desta ordem já encontraria algumas condições de realização que permitiriam acelerar o plano de instalação da Universidade de Brasília de modo que alguns dos seus setores entrassem em funcionamento antes dos prazos previstos.

PRONUNCIAMENTO DE EDUCADORES SÔBRE O PROJETO

            A Revista Anhembi, dirigida pelo Prof. Paulo Duarte, publicou, em seus números 126, 127 e 128, correspondentes aos meses de maio, junho o julho de 1961, depoimentos de vários educadores sôbre a estrutura e organização da Universidade de Brasília.

            Divulgamo-Ios juntamente com pronunciamentos de professôres universitários e cientistas a O Metropolitano, órgão oficial da União Metropolitana de Estudantes.

            Abrindo a série, o Prof. A. Almeida Júnior, da Fac. de Direito da Univ. de S. Paulo:

            "1. Fim do século XIX. Consulta do govêrno japonês ao químico Wilhelm Ostwald: "Queremos mandar à Europa moços inteligentes e promissores, para que pelo estudo se convertam ern grandes homens. Como escolhê-los?" Resposta de Ostwald: "Processo infalível não há. O melhor é mandar os que se mostrarem descontentes com o ensino de seus professôres. Há muito tempo tive um aluno descontente com o ensino de seus professôres". Inclusive com o meu. Formado, sumiu. Decorridos alguns anos, ouvi falar nêle: já era um nome consagrado entre os indianistas da América. Depois, um sociólogo. Hoje, uma autoridade em educação. Chama-se Darci Ribeiro. Não é que deu certo o testo do alemão?

            2. A "Universidade de Brasília", de Darci Ribeiro, merece atenção e estudo. É o trabalho de um líder. Antes de construir o futuro edifício, o ilustre renovador procura pôr abaixo tudo quanto nesta área mal cuidada existe no país: para "as condições presentes (diz êle) só uma universidade nova", convindo falar em "instauração" e não em "reforma". Dando-se um certo desconto ao seu impeto iconoclasta, concorda-se quase sempre com o diligente coordenador do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais.

            3. A cátedra vitalícia tem defeitos – e, êsses defeitos, Darci os aponta com acêrto. Mas a inexistência do "loteamento" (como êle diz) e da "vitaliciedade" - êle próprio o reconhece – seria muito pior. O loteamento, no caso, significa especialização (não é monopólio); a vitaliciedade representa, tanto no Brasil como no estrangeiro, o baluarte da liberdade de cátedra. Os males que Darci Ribeiro enumera, e que de fato infelicitam certos setores de nosso ensino superior, residem muito menos na instituição da cátedra do que na personalidade de uns tantos catedráticos (que não cultivam devidamente o seu lote de terreno) e também na inércia dos órgãos que fecham os olhos aos abusos. Temos leis: mas os que as cumprem são poucos. Volto, portanto, ao lugar-comum de que me apropriei há muitos anos: o de que precisamos é de reformar as autoridades, os professôres, os estudantes, a sociedade. E isto está acontecendo, embora devagar.

            4. Darci Ribeiro acredita na eficácia das reformas institucionais. Eu tarnbém. A diferença está na dose: êle acredita muito; eu, muito menos que êle. Tomo para exernplo o confronto entre a cátedra (que Darci condena) e o departamento (que êle preconiza). Pois a realidade brasileira, ao alcance da nossa inspeção, pode mostrar cátedras eficientes e cátedras ineficienes, tanto quanto departamentos produtivos e departamentos estéreis. Outro exemplo, o regime de tempo integral, ou de "dedicação exclusiva". Foi um passo feliz a sua instituição na Faculdade de Medicina de São Paulo, que a êle deveu, em grande parte, o seu progresso. Mas de então para cá, quantos abusos têm ocorrido!

            5. No tocante ao currículo do sistema em vigor, o arquiteto da "Universidade de Brasília" formula duas críticas: a imposição de padrões idênticos para cada categoria profissional, e a rigidez dos currículos normais, que impede combinações curriculares adequadas às novas profissões. Ambas as críticas procedem; mas até certo ponto. Por que? Porque de uns anos a esta parte, graças à nova jurisprudência do Conselho Nacional de Educação, tem havido afrouxamento no respeito sagrado aos velhos padrões de 1930 (como se pode ver em relação a certas escolas médicas, por exemplo). De outro lado, nada impede (salvo a falta de verba) que os institutos de ensino superior façam funcionar cursos pós-graduados de especialização; mesmo porque os certificados que lhes correspondem não conferem novos direitos aos respectivos titulares e, assim, independem de registro. Veja-se, nesse sentido, a recente lei estadual paulista que, para substituir o obsoleto curso de doutorado em direito, da reforma federal de 1931, instituiu cursos de especialização bastante flexíveis. Cursos superiores para as novas profissões, também podem ser criados, e a velha e inexplicável condição de pré-existência de padrão federal, foi derrogada em 1946. Todavia, devemos reconhecer que os cursos dêsse tipo, previstos na "Universidade de Brasília", podem organizar-se mais facilmente e em maior escala.

            6. Entre as inovações da "Universidade de Brasília" figura o método "tutorial" de certas universidades inglêsas, e que a Harvard, nos Estados Unidos, adotou parcialmente. O livro admirável de Gilbert Highet, A Arte de Ensinar, tradução de Lourenço Filho, mostra as inegáveis virtudes do método, mas refere também suas dificuldades e limitações. De idêntico sentido, e muito mais severas, são as páginas que a êste assunto dedicou o conhecido relatório harvardiano publicado em 1946 sob o título de General Education in a Free Society. As críticas podem resumir-se do seguinte modo: o método "tutorial" é ótimo, mas para determinados alunos; só produz bons resultados nas mãos de uns poucos professôres; só dá certo em relação a alguns ramos de estudo; só é possível quando a instituição pode gastar muito dinheiro. Por minha conta pergunto ainda: deve a lei, o estatuto, ou o regulamento impor à universidade o uso deste ou daquele método didático?

            7. Da administração da Universidade de Brasília há muito que dizer; mas as aperturas do tempo me obrigam a parar aqui. O mérito principal do exaustivo trabalho de Darci Ribeiro está, para mim, na seriedade e meticulosidade, com que o eminente educador examinou o seu tema e, acima de tudo, na sua atitude francamente renovadora. Com a grande inteligência, a grande cultura e o infatigável desejo de "servir", que o caracterizam, Darci Ribeiro irá desempenhar, certamente, papel de relêvo na formulação das reformas educacionais que o Brasil vem reclamando. É um líder que aí está, e do melhor padrão".

            O Prof. Jayme Abreu, Coordenador da Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais:

            "Ao ensejo da Instituição da Universidade de Brasília, vários são os temas que a êsse importante propósito devem ser postos.

            Pode discutir-se se existem em Brasília condições culturais que estimulem o funcionamento de uma Universidade, representando aquêle necessário fermento alentador do viço de frutos naturais da cultura, sem o qual se poderia resvalar para uma inautenticidade artificial, inoperante.

            Pode debater-se, em relação ao desenvolvimento cultural do país, se é justificável, prioritàriamente, o grande Investimento financeiro a fazer e a mobilização do rico capital humano de uma fina flor de professores a técnicos, nacionais e estrangeiros, face a necessidades outras já agudamente sentidas em áreas brasileiras de clientela universitária certa e de tradição cultural consistentemente consolidada, como, por exemplo, São Paulo, Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia.

            Pode questionar-se, e seria pertinente se seria viável obter-se no rlgidamente estratificado aparelho universitário brasileiro, as imperiosas modificações estruturais que o nosso desenvolvimento exige inadiàvelmente, diante da soma de interesses investidos e de direitos adquiridos no status quo "latifundiário" das cátedras.

            Podem ser postos em exame os virtuais reflexos saudáveis que uma organização universitária em novos moldes acarretaria para rejuvenescer e vitalizar a recente e já ultrapassada estrutura universitária nacional.

            Pode e deve debater-se a estrutura organizatória mais própria a essa Universidade, os princípios que a devem reger, incorporando à básica consideração dos aspectos brasileiros, as necessárias conexões com modelos universitários outros da cultura universal, com a atenção devida ao sentido do universal próprio a uma Universidade.

            As considerações a seguir visam a uma abordagem do último desses tópicos, vale dizer, da estrutura geral da novel Universidade em relação ao que há de mais definidor de modelos universitários mais próximos, como seriam o europeu ocidental, o norte-americano e o latino-americano.

            Em verdade, é de tôda oportunidade êsse debate, aqui apenas suscitado, entre o clássico modêlo europeu e o novel modêlo norte-americano, por isto que há entre ambos diferenças tão essenciais, fruto de propósitos tão diversos, que chegam a tornar questionável a possibilidade do paralelo.

            É efetivamente difícil ao scholar europeu clássico entender e aceitar os moldes universitários americanos que rejeita, por isso que se lhe afiguram êles uma extravagante distorção e um espúrio abastardamento do seu tradicional conceito de universidade.

            Cremos, outrossim, que não seria uma pura falácia conjectural o admitir-se que boa parte da elite cultural brasileira reagiria à moda européia ao modêlo universitário norte-americano, pois, em que pêse à penetração e à assimilação de certos modos de ser da cultura americana em áreas urbanizadas e industrializadas do Brasil, no campo da educação institucionalizada, de vagarosa dinâmica, e, dentro dela, no aparelho universitário, ainda prepondera o espírito europeu, francês particularmente, que chegou a ser, praticamente, o dominante na elite brasileira da belle époque, que se estendeu até a revolução de 1930 e que persiste inconformada ante o advento do "barbarismo" tecnológico norte-americano.

            Não são assim raras entre nós as manifestações de horror e repúdio, no melhor estilo europeu, ao "abastardamento" americano de cursos universitários como, entre outros, aquêle freqüentemente glosado, da Universidade da Flórida, "de venda científica de passagens aéreas", possivelmente, à luz de um entendimento construtivo, não preconceituoso, uma atividade prática no campo de estudos de psicologia que não se querem limitar a eruditas dissertações sôbre teorias psicológicas.

            Tampouco são infreqüentes distorções, incompreensões totais da filosofia educacional de Dewey, e suas implicações no sistema educacional americano, na rnedida em que representa ela uma teoria instrumental do conhecimento ao invés de constituir pura área de especulação metafísica, posição que comentadores menos atentos errôneamente admitem limitada por Dewey apenas para valer para a escola primária, sem aplicação à escola média e muito menos à superior, como se pudesse ser êste o caso.

            Vamos procurar, assim, resumir alguns daqueles aspectos mais definidores do espírito geral da educação nos Estados Unidos, na parte que contém maiores implicações no campo universitário, segundo os aponta George S. Counts em "O espírito da educação nos Estados Unidos".

            É preciso, preliminarmente, não perder de vista uma circunstância muito importante e que explica muita coisa, no cotejo entre a educação européia e a norte-americana, qual seja a de que o contrôle das escoias americanas em última análise compete ao povo, em que pesem intervenções sofridas de parte de grupos ou de classes privilegiadas, por motivos religosos ou de outra natureza.

            Não é da tradição educacional americana e o mesrno não pode ser dito da Europa – pura e simples imposição de cima para baixo de modelos escolares por altas castas burocráticas, conselhos de sábios ou de sacerdotes, estadistas ou por alguns poucos membros da classe intelectual de um governo centralizado, sem considerar qualquer diálogo com o povo.

            No nível primário e médio são juntas escolares, com o caráter de representação social, quase tôdas eleitas pelos membros da comunidade, que controlam e aprovam os rumos de funcionamento das escolas.

            No nível superior, mais particularmente nas escolas públicas, é ainda relevante êsse contato com o povo mediante o canal de comunicação dos boards diretivos, de composição social, que evitam se clausure a escola na tôrre de marfim de sua própria corporação, desvinculada senão alienada, dos interesses compartilhados de sua matriz social.

            Êsse pormenor, que pode quiçá parecer menos importante à primeira vista, em verdade não o é, pois é por êle que se chega a dar ênfase à orientação social da Universidade, evitando a freqüente distorcão de passar ela a se nutrir de sua própria substância, considerando-se um fim absoluto em si rnesma, ao invés de ser órgão a serviço de um Organismo muito mais amplo, que é a nação.

            Outra idéia-fôrça da democracia, atuante necessariamente no seu aparelho escolar, é a da igualdade de oportunidades, implicando o desenvolvimento de um sistema educacional público, universal, aberto a tôdas as classes sociais, da escola primária à Universidade, muito ao contrário da comum tradição européia de um programa escolar restrito para as massas e extenso e rico para as classes privilegiadas. Se ainda existem sensíveis violações a essa conquista máxima da democracia americana – um sistema escolar universal – como é, por exemplo, o caso dos negros no Sul, são, todavia, exceções que, combatidas, vão gradualmente desaparecendo.

            É preciso não perder de vista, por sua importância, êsse aspecto que é daqueles donde emanam as mais relevantes diferenças entre o sistema universitário americano e o europeu: em 1958 tinham os Estados Unidos, da população escolarizável em nível universitário, 25% de matrículas contra 5%, na Europa Ocidental...

            Outro valor plenamente atuante na cultura americana com implicações necessárias na educação, em todos os seus graus e ramos, é o da utilidade prática do conhecimento.

            Instrumentalizá-lo para ganhar a vida, melhorar seus níveis, ao invés de sua pura fruição estética, foi sempre preocupação essencial ao modo de ser americano.

            "Desde a época de Benjamin Franklin se veio edificando um sistema escolar afastado da estreita tradição do clero e da aristocracia, adaptando-se, sem reservas, às necessidades da indústria, da agricultura, do comércio, da vida diária" (George S. Counts – "O espírito da educação nos Estados Unidos").

            Isto trouxe como corolário, é ainda George S. Counts quem o acentua, no trabalho acima citado, "uma revolução na escola média e na universitária", refletida seja no tremendo aumento de matrícula, seja nas alterações dos planos de estudos, montados essencialmente para o desenvolvimento de ciência o de tecnologia, ao invés de o serem para o prevalecimento de estudos à base da erudição contemplativa, para gôzo de uma elite aristocrática.

            As escolas médias e superiores dispõem-se assim a ensinar os assuntos que representem ponderável interesse dos seus clientes e da sociedade a que servem, sem rejeições liminares por intelectualismos aristocráticos, sem estabelecer uma rígida discriminação de dignidade acadêmica de assuntos.

            Expressão dêsse valor cultural americano, que é a instrumentalidade do conhecimento, é a filosofia experimentalista de John Dewey, permeando afinal tôda a teoria educacional americana e representando, do mesmo passo, justificação filosófica do método científico experimental e expressão própria ao espírito da civilização industrial que vigora na América.