SILVA, Ernesto. Plano Educacional. In: SILVA, Ernesto. Histσria de Brasνlia. 2a ed. Brasνlia: Senado Federal, 1985. p.235-252.

PLANO EDUCACIONAL

Não se aprende, Senhor, na fantasia,

Sonhando, imaginando ou estudando,

Senão vendo, trabalhando, planejando.

(CAMÕES)

Dentre as múltiplas atribuições na NOVACAP, coube-nos a ingente tarefa de organizar o SISTEMA EDUCACIONAL do novo Distrito Federal.

Sempre defendemos a tese de que não seria possível repetir, nesta cidade moderna, os mesmos antiquados métodos ainda existentes no ensino brasileiro.

É certo que iríamos enfrentar – como, de fato, ocorreu mais tarde - uma luta titânica. Sabíamos que forças poderosas se ergueriam contra as fórmulas progressistas. Pressentíamos que os rotineiros, os homens de alma velha, os eternos inimigos do progresso lançariam mão de todos os recursos para destruírem tais idéias rejuvenescedoras. Lançamo-nos, todavia, à luta.

Para a realização de uma grande obra é necessário recrutar uma equipe capaz.

E quem seria mais indicado que Anísio Teixeira para fornecer a chave-mestra e indicar as linhas básicas do plano?

Foi a ele que nos dirigimos.

Recebeu-nos de braços abertos. Elaborou a orientação geral e pôs à nossa disposição o competente Paulo de Almeida Campos, que deu tudo de si, que se integrou à missão, que representou à altura a figura do grande educador. Além de Paulo Campos, convocamos também, para tomar parte no trabalho de organização do Plano e seleção e orientação das professoras, a técnica de educação Nair Durão Barbosa Prata.

O trabalho começou em meados de 1957.

Quantas vezes fomos ao gabinete de Anísio Teixeira e de lá ao de Lúcio Costa! Quanta troca de idéias, quanto idealismo, quanto entusiasmo! Do cérebro de Anísio e da pena de Lúcio, íamos localizando no mapa de Brasília os jardins da infância, as escolas-classe, as escolas-parque, os Centros de Educação Média...

Tratamos também com desvelo da localização das escolas particulares, dos colégios religiosos...

Tudo representava um grande esforço e tudo fazíamos com a idéia fixa de dotar Brasília de um modelar sistema de ensino, digno da novel cidade.

Desde o início da construção de Brasília, em fins de 1956, criamos, na NOVACAP, o Departamento de Educação e Difusão Cultural.

No princípio havia poucas crianças: os operários, os funcionários vinham sós para o Planalto. Só em 1957 começaram a chegar as famílias.

As primeiras aulas foram ministradas debaixo de uma árvore pela professora ANAHIR PEREIRA COSTA, que fundou a primeira escola de Brasília no Instituto Batista, na Cidade Livre, ou Núcleo Bandeirante. Mas a NOVACAP providenciou desde logo uma sala de aula, no pavilhão da administração, para os filhos de seus funcionários e operários. Foram contratados dois professores: Amabile Andrade Gomes e Mauro da Costa Gomes.

A classe funcionava precariamente: aguardávamos o término da construção da primeira escola primária. O projeto do primeiro Grupo Escolar era de Niemeyer e constava de salas de aula, biblioteca, cozinha, refeitório, almoxarifado e recreio coberto. Tudo foi realizado às pressas, em 20 dias.

No dia da inauguração, 18 de outubro de 1957, na presença do Ministro Clóvis Salgado, Israel Pinheiro ficou surpreso: o traçado era muito simpático, a construção muito bem feita, mesas de fórmica no refeitório, geladeira na cozinha, dezenas de livros na biblioteca, um belo "play-ground", tudo doação de firmas particulares. O Israel olhou várias vezes para o prédio – o famoso GE-1 da Velhacap. Perguntei-lhe se estava gostando da escolinha, ao que ele respondeu: "Está bom demais!"

A seleção das professoras para o Grupo foi realizada inicialmente entre as esposas ou filhas de funcionários, portadoras de diploma de professor primário, expedido por escola oficial. Algumas foram selecionadas em Goiânia.

No princípio eram apenas oito e foi difícil escolher a diretora. Organizamos, então, um rodízio: cada professora dirigia a escola durante quinze dias e, no final, elas próprias, em votação, elegeriam a diretora. A escolhida foi a professora SANTA ALVES SOYER, cujo nome declino sempre com o maior respeito e admiração. Realizou ela trabalho sério e estafante durante toda a fase pioneira de Brasília, não só na direção do Grupo Escolar Número Um (GE-1) como, posteriormente, na organização de muitas outras escolas que construímos em Brasília.

É justo que citemos, para a posteridade, o nome das professoras primárias pioneiras que sofreram em Brasília as maiores dificuldades no seu esforço patriótico de servir ao País. Além da diretora, lecionaram naquela primeira escolinha: Maria Helena Parreiras, Amabile Andrade Gomes, Carmen Daher, Stela das Cherubins Guimarães, Maria Antônia Jacinto, Maria do Rosário Bessa, Maria de Lourdes Brandão, Célia Cheir, Ana Leal, Maria de Lourdes Moreira dos Santos, Maria Helena de Lana Torres. Muitas outras, chegadas em 1958 e 1959, contribuíram igualmente com a sua dedicação e esforço, com seu espírito de sacrifício e solidariedade, para a arrancada heróica que representou a construção de Brasília.

Quando estávamos para fixar o salário das professoras, defendíamos junto ao Israel Pinheiro um salário condigno para as mestras, principalmente pelo fato de muitas delas, solteiras, terem vindo de Goiânia, afastando-se das famílias, para aqui morarem em alojamentos coletivos de madeira.

O GRUPO ESCOLAR NÚMERO UM – o famoso GE-1, da Velhacap, - funcionava em dois turnos, mas as crianças permaneciam três horas extras em atividades sociais. O primeiro turno começava às 7:30 e ía até às 15 horas; o segundo tinha início às 9 horas e terminava às 17:30. As crianças de ambos os turnos tomavam merenda às 10, almoçavam na escola e faziam nova refeição às 15 horas. Nunca – até hoje – houve em Brasília um grupo escolar que tratasse com tanto carinho a criança e lhe proporcionasse esse suplemento alimentar, tão necessário às classes mais pobres. As refeições eram fornecidas pelo SAPS, cujo responsável em Brasília, o saudoso Francisco Manoel Brandão – autêntico líder, pioneiro infatigável, idealista sem jaça – não media esforços na sua ingente tarefa de amparo à criança e ao trabalhador.

Esse primeiro Grupo Escolar abrigou numerosas crianças. Muitas delas iniciaram seus estudos em 1957 e ali mesmo terminaram o curso primário, entre as quais Carlos Henrique Gomes da Cruz, Walter Taciano de Oliveira Filho, Raulino de Oliveira Tristão Filho, filhos de exemplares servidores da NOVACAP.

Em outubro de 1958, o GE-1 publica o primeiro número de seu jornalzinho "A VOZ DO ESTUDANTE", em cujo subtítulo se lia: "É com os pés da criança que a Pátria caminha." Órgão da terceira série primária, divulgava as notícias escolares e publicava pequenos artigos da criançada. Em seu primeiro número, a aluna Gessy Soares da Silva assim definia o que ela chamou de "NOSSA VIDA NO GRUPO ESCOLAR NÚMERO UM":

"Nossa vida aqui no Grupo Escolar nΊ1 é melhor que em qualquer outro lugar. Sabem por quê? Aqui nós estudamos, somos educados e aprendemos fazendo. Vou dar alguns exemplos:

"Em nossa classe, 3ͺ série, já fizemos muitas coisas importantes. Quase todas as lições que aprendemos nós as desenhamos. Por exemplo: o quadro dos vertebrados, as estações do ano, os movimentos da terra, as partes das plantas, frações ordinárias, o quadro de honra de leitura e muitos outros. Estamos organizando o Jornalzinho, o Museu do índio, e fazendo o aparelho de destilação.

"Na 4ͺ série há o Hospital Oswaldo Cruz e o jornalzinho "Gazeta Escolar". Na 1ͺ série há o correio e o teatrinho de sombras, a lojinha do "Chapeuzinho Vermelho"; e na 2ͺ série, o teatrinho de fantoches.

"Recebemos em nossa escola instrução, educação e alimentação. Ficamos no Grupo 7 horas. Como passam depressa! De manhã temos aula de classe e, à tarde, aulas de agricultura (horta e jardim), trabalhos manuais, desenho, modelagem, recreação e ainda biblioteca e canto.

"Nossa diretora faz tudo pelos alunos, para que a gente seja estudiosa e bem educada.

"Que Grupo maravilhoso! Temos aqui a melhor vida do mundo!"

Mas a atividade da NOVACAP não se resumiu nesse Grupo Escolar. À proporção que a cidade crescia, que os acampamentos se multiplicavam, novas escolas iam sendo construídas, de tal forma que não havia, à época da construção de Brasília, uma só criança sem escola. Algumas escolas particulares prestaram ótimos serviços, entre as quais o Ginásio D. Bosco e o Colégio Brasília, este inicialmente instituído sob a forma de Fundação e posteriormente entregue aos Irmãos Lassalistas.

Procurando qualificar o ensino, promovemos e facilitamos estágios e cursos intensivos em outros centros de renomada qualidade educativa (em 1958 e 1959, grupos de 10 e 12 professoras estagiaram na Escola Parque de Salvador; três no Rio e uma em Porto Alegre).

A admissão das professoras era procedida através de concurso (títulos, entrevista e prova prática), cujo rigor pode ser verificado pela percentagem de reprovação (40% das candidatas).

Os alunos recebiam assistência de ordem econômica, mediante facilidade para aquisição de vestuário e material escolar; assistência social, participando de concentrações escolares, festividades, concursos e permanentes contatos com a família; de ordem religiosa, observando-se a liberdade de culto e possibilitando aos católicos, por serem em número bem maior, a preparação para a primeira comunhão, realizada na própria escola.

Esforçando-nos ao máximo para dotar de relativo conforto o grande canteiro de obras do Planalto, amparando os que, corajosamente, se transferiam naquela época para Brasília, a NOVACAP, por nosso intermédio, firmou convênio com o Ministério da Educação e Cultura, a 30 de setembro de 1957, para a instalação e funcionamento da Escola de Ensino Industrial, destinada à formação de mão-de-obra qualificada. A Escola manteria os cursos de marcenaria, carpintaria, eletrecista-instalador, eletrotécnica, eletrônica, mecânica de máquinas, fundição, bombeiro hidráulico, artes gráficas, alfaiataria e artes de couro. Foi inaugurada em 1959, em Taguatinga. O Ministério da Educação e Cultura forneceu o equipamento e a NOVACAP construiu o edifício e, posteriormente, manteve a Escola, com corpo docente e discente em tempo integral (200 alunos entre 13 e 16 anos). O corpo docente foi recrutado em Curitiba (Centro de Treinamento de Professores Técnicos). Com duração de 20 a 36 meses, tais cursos foram de grande utilidade aos jovens.

Ainda em 1958, em duas casas geminadas da Av. W-3, pertencentes à NOVACAP, na então quadra 16, fizemos instalar uma biblioteca pública, mantida pela NOVACAP, com o nome de BIBLIOTECA E DISCOTECA VISCONDE DE PORTO SEGURO, em homenagem ao diplomata, sertanista, historiador e filólogo Francisco Adolpho de Varnhagen, um dos mais acirrados defensores da interiorização da Capital Federal.

A Biblioteca contava com cerca de três mil volumes e discos. As coleções foram formadas por doações de embaixadas, instituições culturais, Ministérios, outras bibliotecas e entidades particulares, bem como de escritores intelectuais do Brasil e do exterior. As coleções foram selecionadas. A Biblioteca possuía coleções sobre os seguintes assuntos: História Pedagógica Brasileira, História Geral dos Povos; a Coleção "L" Universe Pitoresque", em 80 volumes; a Coleção Brasiliana, com mais de cem volumes, ricamente encadernados, além de numerosos livros sobre literatura brasileira e estrangeira, literatura infantil, livros de sociologia, etc. A discoteca possuía música para todos os gostos e uma coleção de discos infantis, todos em LP, com uma sala especial para tal finalidade e uma cabina individual inteiramente independente. A Biblioteca dispunha também de uma sala de leitura e conferência. Sua finalidade era de proporcionar ao povo um meio de satisfazer às necessidades intelectuais, de orientá-lo para nível cultural mais elevado e para a formação de uma elite, principalmente no tocante à infância e à adolescência.

Numerosos cursos foram ministrados: o de línguas: inglês, francês, alemão, italiano, espanhol; o de música: iniciação musical, história da música, música vocal, conjunto de percussão; o de belas-artes: cerâmica, desenho, pintura.

Dirigiu a Biblioteca, de 1958 a 1961, a bibliotecária Lola Barrenechea, cujo esposo, Felix Alejandro Barrenechea, responsável pelos cursos de belas-artes, era tido como um dos maiores artistas plásticos do Peru.

Em 1961, com o advento de um novo Governo, o prefeito da época dissolveu a Biblioteca, não se sabendo até hoje que destino tomou tão valioso acervo.

Ainda em 1959, durante a construção da cidade, conseguimos que o MEC, o Serviço Social Rural e a NOVACAP firmassem convênio para a criação, instalação e manutenção de um CENTRO COOPERATIVO DE TREINAMENTO AGRÍCOLA PARA JOVENS.

Apesar de nossos esforços e por motivos que não pudemos superar, o Centro não se constituiu.

Também em 1959, a nosso pedido, a Divisão de Educação Física do MEC organizou o PLANO PRELIMINAR PARA AS ATIVIDADES RECREATIVAS EM BRASÍLIA. O trabalho, organizado pela professora Ethel Bauza Medeiros e revisado pelo Prof. Alfredo Colombo, não chegou a ser posto em prática, apesar da tenacidade e da energia do Prof. Hélio Medeiros, que se transferiu para Brasília em 1960.

Em fins de 1959, a NOVACAP contava com mais de 100 professoras primárias e orientava o ensino de 4.682 crianças, assim distribuídas:

1 – Grupo Escolar nΊ 1 (Velhacap)................................ 560 alunos

2 – Escola da Coenge-CCBE....................................... 60 alunos

3 – Escola do Acampamento do lpase.......................... 113 alunos

4 – Escola das Casas Populares.................................. 218 alunos

5 – Escola da Vila Amaury............................................ 480 alunos

6 – Escola da Metropolitana.......................................... 162 alunos

7 – Escola da Granja do Torto...................................... 86 alunos

8 – Escola da Granja do Tamanduá............................... 52 alunos

9 – Escola "Pery da Rocha França" (Planalto).............. 200 alunos

10 – Escola "Ernesto Silva" ............................................ 145 alunos

11 – Escola de Taguatinga.............................................. 785 alunos

12 – Escola da Papuda.................................................... 102 alunos

13 – Escola da Granja do Riacho Fundo.......................... 120 alunos

14 – Escola da Fercal...................................................... 40 alunos

15 – Escola Classe da Superquadra 308......................... 640 alunos

16 – Jardim da Infância "Ernesto Silva"............................ 45 alunos

17 – Jardim da Infância das Casas Populares.................. 44 alunos

18 – Jardim da Infância da Praça 21 de Abril.................... 160 alunos

19 – Escola da Fazenda do Gama.................................... 30 alunos

20 – Escola do Acampamento da Construtora Rabelo....... 320 alunos

21 – Escola da Candangolândia........................................ 320 alunos

 

As escolas primárias particulares abrigavam 1.996 alunos:

l - Ginásio D. Bosco.......................................................... 560 alunos

2 – Ginásio Brasília.......................................................... 412 alunos

3 – Instituto Educacional (Batista).................................... 275 alunos

4 – Escola Paroquial N. S. de Fátima............................... 330 alunos

5 – Escola Metodista........................................................ 133 alunos

6 – Escola das Irmãs Dominicanas................................... 150 alunos

7 – Escola Evangélica Presbiteriana................................. 70 alunos

8 – Escola Evangélica de Brasília..................................... 64 alunos

 

No ensino médio estavam matriculados 508 alunos:

Ginásio Brasília............................................................... 288 alunos

Ginásio D. Bosco............................................................ 220 alunos

 

Além da tentativa que fazíamos para prover de escolas toda a área do Distrito Federal e oferecer ensino a todas as crianças, estruturamos o PLANO EDUCACIONAL DE BRASÍLIA, que seria posto em prática após a inauguração da Capital. Como já afirmamos, mesmo nos idos de 1958, quando mais febricitante era a azáfama no Planalto, não nos foi fácil vencer a barreira dos rotineiros e convencê-los de que Brasília representava uma cunha revolucionária no interior do País e tinha de inovar em todos os setores, reformulando os arcaicos sistemas que tanto têm entravado o progresso de nossa Pátria.

O PLANO EDUCACIONAL DE BRASÍLIA foi elaborado tendo em vista, entre outros, os seguintes objetivos:

a) Distribuir eqüitativa e eqüidistantemente as escolas no Plano-Piloto e Cidades-Satélites, de modo que a criança percorresse o menor trajeto possível para atingir a escola, sem interferência com o tráfego de veículos, para comodidade e tranqüilidade de pais e alunos;

b) concentrar as crianças de todas as classes sociais na mesma escola (democratização);

c) possibilitar o ensino a todas as crianças e adolescentes;

d) romper com a rotina do sistema educacional brasileiro, pela elaboração de um plano novo, que proporcionasse à criança e ao adolescente uma educação integral;

e) reunir, em um só centro, todos os cursos de grau médio, permitindo-se maior sociabilidade aos jovens da mesma idade que, embora freqüentando classes diferentes, tivessem em comum atividades na biblioteca, na piscina, nos campos de esporte, nos grêmios, no refeitório, etc.;

f) facilitar o ensino particular, com fixação de áreas para externatos e internatos, vendidas a preço muito baixo, com pagamento facilitado (até através de bolsas de estudo).

 

O tipo de ensino a que se propunha o Plano:

a) elaboração de um original sistema de ensino em que fossem eliminados do curriculum temas inadequados e introduzidos os recursos da televisão, do rádio e do cinema;

b) dia letivo integral;

c) escola como centro de preparação para a vida moderna, firmando atitudes, cultivando aspirações;

d) escola oferecendo oportunidades à criança e ao adolescente para viverem uma civilização técnica e industrial, sempre em mutação;

e) escola como centro de educação sanitária, fornecendo alimentação à criança e fazendo a profilaxia das doenças, protegendo-a, assim, da subnutrição e das moléstias;

f) divisão da escola em dois setores:

1- o da instrução propriamente dita, com o trabalho tradicional da classe;

2- o da educação, com as atividades socializantes, recreativas e artísticas (música, teatro, dança, pintura, cinema, exposições, grêmios, educação física), trabalho manual e artes industriais (costura, bordado, encadernação, tapeçaria, cestaria, cartonagem, tecelagem, cerâmica, trabalhos em madeira, metal, etc.);

g) correção, enfim, do desajustamento que existe entre o nosso progresso material e o atraso educacional.

O Plano Educacional nasceu do esforço conjugado de Lúcio Costa, Anísio Teixeira, Paulo de Almeida Campos e nós. Anísio Teixeira indicou-nos a filosofia do Plano; Paulo Campos assessorou-nos permanentemente; Lúcio Costa transplantou-o ao terreno; nós o implantamos, vencendo as resistências à sua concretização e fazendo construir as primeiras e mais importantes obras escolares.

Coube ao Ministério da Educação fornecer as verbas orçamentárias e, através de uma comissão de homens ilustres, proporcionar-nos o estímulo e o apoio de que tanto necessitávamos.

O PLANO EDUCACIONAL DE BRASÍLIA foi assim elaborado:

I – EDUCAÇÃO ELEMENTAR a ser oferecida em:

1 – JARDINS DA INFÂNCIA – destinados à educação de crianças de 4 a 6 anos;

2 – ESCOLAS CLASSE – destinadas à educação intelectual sistemática de menores de 7 a 12 anos, em cursos completos de seis anos ou séries escolares;

3 – ESCOLAS PARQUE – destinadas a completarem a tarefa das escolas classe mediante o desenvolvimento artístico, físico e recreativo da criança e sua iniciação ao trabalho, por uma rede de instituições ligadas entre si, dentro da mesma área, assim constituída:

– biblioteca infantil e museu;

– pavilhão para atividades de artes industriais;

– conjunto para atividades de recreação;

–conjunto para atividades sociais (música, dança, teatro, clubes, exposições);

– dependências para a administração;

– refeitório.

Como a nova capital é constituída de quadras e como cada quadra abrigará população variável de 2.500 a 3.000 habitantes, foi calculada a população escolarizável para os níveis elementar e médio, ficando estabelecido o seguinte:

1 – Para cada superquadra:

a) um jardim da infância com quatro salas, para, em dois turnos de funcionamento, atender a 160 crianças (oito turmas de vinte crianças);

b) uma escola classe com oito salas, para, em dois turnos, atender a 480 crianças (16 turmas de trinta alunos).

2 – Para cada grupo de quatro superquadras:

a) uma escola parque, destinada a atender, em dois turnos, cerca de dois mil alunos das quatro escolas classe, em atividades de iniciação ao trabalho (para meninos e meninas de 10 a 14 anos) nas pequenas oficinas de artes industriais, além da participação dirigida dos alunos de 7 a 14 anos em atividades artísticas, sociais e de recreação.

Os alunos deveriam freqüentar diariamente a escola parque em regime de revezamento com o horário das escolas classe, isto é, quatro horas nas classes de educação intelectual e outras quatro nas atividades da escola parque, com intervalo para almoço.

 

ll – EDUCAÇÃO MÉDIA

A educação média seria ministrada nos CENTROS DE EDUCAÇÃO MÉDIA, oferecendo diversas oportunidades aos jovens de 11 a 18 anos. Tais Centros deveriam ser construídos na proporção de um para cada grupo populacional de 45.000 habitantes, com capacidade para abrigar 2.700 a 3.500 alunos.

Cada CENTRO DE EDUCAÇÃO MÉDIA compreenderia um conjunto de edifícios destinados a:

1 – "Escola Média Compreensiva", incluindo:

a) cursos acadêmicos;

b) cursos técnicos;

c) cursos científicos.

2 – Centro de Educação Física (quadras cobertas, piscina coberta, campos de futebol, pista de atletismo, quadras de vôlei e basquete, quadras de tênis, etc.)

3 – Centro Cultural, com auditório (teatro, cinema, exposições, clube dos alunos, etc.)

4 - Biblioteca e Museu

5 – Administração

6 – Restaurante

Cada Centro de Educação Média seria constituído de dez edifícios e uma área para atividades esportivas ao ar livre. Os edifícios serviriam ao curso ginasial, cursos clássico e científico, curso comercial, curso industrial, curso normal, centro cultural, centro de educação física, biblioteca e museu, administração e refeitório.

Este PLANO EDUCACIONAL seria aplicado da mesma forma em toda a área do Distrito Federal (Plano Piloto e Cidades-Satélites). Nas Penínsulas e Cidades-Satélites, haveria, para cada grupo populacional de 3.000 habitantes, um jardim da infância e uma escola classe e, para cada quatro escolas classe, uma escola parque. No que toca à educação média, haveria para cada grupo populacional de 45.000 a 50.000 habitantes um CENTRO DE EDUCAÇÃO MÉDIA.

Em junho de 1957, já estruturado o PLANO EDUCACIONAL, entregamos ao Departamento de Arquitetura da NOVACAP os programas para a elaboração dos diversos projetos de escolas. Somente em fins de 1958 (quinze meses depois) recebemos os projetos. Imediatamente pedimos ao Presidente que solicitasse ao Conselho de Administração a indispensável concorrência para a construção. O Conselho optou pela fórmula de administração contratada.

Sobre a construção da Escola Parque vamos revelar um pormenor:

Um dia, em conversa, o Dr. Israel Pinheiro contou-nos como lhe foi possível construir as Termas de Araxá, quando Secretário de Agricultura do Governo Benedito Valadares. Ele dizia sempre ao Governador que as obras seriam modestas e, aos poucos, ia conseguindo verbas para o empreendimento até finalmente terminar aquele magnífico hotel e centro de saúde, admirado por todos. Pois, foi aplicada, na construção da Escola Parque, a técnica que nos ensinara Israel. Conhecendo o seu temperamento, sabíamos muito bem que não concordaria com as reais dimensões da Escola, tal como existe hoje. Assim sendo, de início lhe dissemos que a escola comportaria somente dois pavilhões: o maior, para atividades diversas, e o auditório. Depois que estes estavam quase prontos, surgiu o projeto do campo de esportes e piscina e o do pavilhão de artes industriais. Num abrir e fechar de olhos, estava construída a ESCOLA PARQUE.

Não fora assim, nem mesmo essa Escola Parque seria construída. E o que é mais importante: durante cinco anos, o auditório da Escola Parque era o único existente em Brasília. Dessa forma, pôde a população conhecer artistas de grande valor, assistir a peças teatrais e concertos, graças à existência desse auditório, graças à nossa teimosia.

Mas precisamos falar também do trabalho da Comissão que constituía a CASEB. Em curto prazo, construiu-se um prédio para o curso ginasial - até hoje conhecido como CASEB – e realizou-se um concurso nacional para a seleção de professores.

Além das várias escolas por nós construídas até o dia da mudança da capital (escola parque, escolas classe das quadras 108, 106, 107, 304, 308, 206, a de Taguatinga – com 12 salas de aula e casas para professores; os jardins da infância da 107, 108, 208 e praça 21 de Abril; o prédio do Elefante Branco; as dezenas de escolas provisórias) ainda fizemos construir a Escola Profissional de Taguatinga, inaugurada antes da mudança da Capital. E ainda tivemos tempo para, a 5 de julho de 1959, realizar a Primeira Concentração de Escolas Primárias de Brasília, quando desfilaram, na Av. W-3, cerca de quatro mil crianças e oito carros alegóricos.

Constituída a Prefeitura de Brasília, ainda em abril de 1960, passou a outras mãos o comando do ensino em Brasília.

A 17 de junho de 1960, foi criada a FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE BRASÍLIA e coube-nos a honra de fazer parte do Conselho dessa Fundação. Nesse órgão, lutamos desesperadamente pela manutenção do Plano. Defendemos, cada dia, a preservação do ideal que nos animou durante a construção da cidade. Mas as nossas palavras não encontravam eco entre os nossos pares nem jamais conseguiram ressonância junto às autoridades.

A 11 de outubro de 1960, lançamos um apelo aos companheiros da Fundação Educacional, fazendo inserir em ata o nosso pensamento:

"Senhores Membros do Conselho Diretor:

"0 fato de termos estado durante longo período, desde a criação da NOVACAP, em contato com os problemas da educação, dá-nos certa liberdade para apresentar aos ilustres companheiros desta Fundação um estudo das questões referentes ao ensino, em Brasília, e de suas necessidades imediatas.

"Pensamos sempre em instituir em Brasília métodos e sistemas salutares, pois não seria admissível repetir nesta capital que nasce a humilhante situação das velhas cidades, onde a imprevidência tem gerado falhas imperdoáveis, que vão desde o número insuficiente de escolas até o espetáculo deprimente da disputa de vagas.

"Brasília não deve, não pode e não deseja apresentar-se com tais roupagens.

"Se Brasília começa agora, nosso dever é de planejar bem e realizar melhor; de prever para evitar os paliativos, de organizar e não improvisar.

"O planejamento e a organização nos levam à vitória, enquanto a improvisação e a panacéia conduzem à desagregação. O bom administrador deve se antecipar às reclamações do povo; o bom administrador prevê, planeja, organiza, se antepõe às necessidades; aquele que só age ante a crítica, que só providencia ante os reclamos, que só realiza ante o aguilhão das ameaças não se inclui no rol dos bons homens públicos.

"A educação não pode ser improvisada. A escola não deve ser construída por formalidade ou para atender aos reclamos da população. A educação não se resolve apenas com o aumento das salas de aula. Ela tem como finalidade precípua o desenvolvimento total da personalidade humana. Sua função é tornar o indivíduo um membro útil à sociedade, ajustá-lo ao meio em que vive. O exemplo dos povos aí está: Os Estados Unidos devem o seu progresso às escolas; a Alemanha foi edificada pelo professor; o Japão evoluiu de nação medieval, no início deste século, à potência mundial, através da educação e da cultura.

"A paz, a ordem e o progresso do País só serão conseguidos com a educação.

"Por isso, senhores Conselheiros, o nosso lema deverá ser o de iniciar certo, começar sem erros nem tibiezas, mas corajosamente, enfrentando o problema com ânimo forte e o pensamento voltado para os altos destinos da nossa Pátria.

"A Fundação Educacional, em regime de urgência, deve tratar não somente da construção material das escolas indispensáveis às necessidades da população, como também dos métodos educacionais e do programa a ser cumprido em Brasília. Cabe aqui lembrar que é preciso eliminar dos programas os métodos retrógrados, ainda em vigor na maioria de nossas escolas; a matéria supérflua; instituir novos sistemas, adequados à época atual, usando-se o cinema, a televisão, o rádio, as excursões, as viagens, adaptando, enfim, ao mundo de hoje as práticas do ensino. A mocidade já não suporta mais as mesmas lições e as mesmas aulas que há trinta anos nos foram ministradas.

"Outras tarefas: a questão de habitação dos professores, dignos de casa decente e confortável; o salário compatível com a dignidade da sua função social; a criação de bibliotecas públicas, de clubes sociais e desportivos; as atividades culturais; enfim, um enorme volume de obras e providências que já tardam e que já deviam estar prontas, mas que, infelizmente, apesar da nossa insistência, nunca foram cogitadas. Todo esse nosso esforço tem representado quase que um brado no deserto."

Embora atento, embora lutando, embora indicando a cada Secretário de Educação o caminho certo, tudo se foi diluindo. Não foram construídas as Escolas Parques indispensáveis à demanda (uma para cada 15.000 habitantes); os Centros de Educação Média não foram edificados, de acordo como que o Plano previra.

Um documento que revela, sem comentários, o estado de espírito que tomou conta de Brasília depois de 1960 é a carta que nos enviou, a 10 de maio desse ano, o Professor Paulo de Almeida Campos, membro da CASEB:

"Prezadíssimo Dr. Ernesto:

"Com um grande abraço, uma visita atenciosa.

"Desligando-me dia 6 do corrente da CASEB, que integrei na qualidade de Coordenador do Ensino Primário, de dezembro de 1959 até agora, retorno ao Centro de Pesquisas do INEP, onde, como sempre, me ponho para servi-lo com muita honra e grande prazer.

"Ao participar daquela Comissão do Ministério da Educação, fi-lo com o duplo objetivo de acompanhar e colaborar na implantação de um sistema educacional projetado por esse nosso amigo comum, o maior líder inconteste da educação nacional, que é o Prof. Anísio Teixeira, e, de outra parte, contribuir para o necessário entrosamento do novo sistema e o já mantido pela NOVACAP, graças ao seu patriótico interesse e a sua total dedicação aos assuntos de educação e saúde em Brasília. De sua dedicação, de seu entusiasmo, dou meu testemunho, desde fins de outubro de 1957, quando ali esteve em companhia do Ministro Clóvis Salgado para a inauguração da primeira escola (o GE-1, como nós o denominávamos) erguida em Brasília, por seu intermédio, pela NOVACAP. Vi como dia a dia aumentavam as escolas, como se procedia à seleção das professoras e como se promovia o seu aperfeiçoamento. Em tudo senti o seu pensamento alto, o seu interesse honesto em servir às crianças; fui testemunha de suas lutas por desejar realizar o melhor; testemunhei o seu interesse junto ao Ministério da Educação para que este estivesse presente e ativo na obra educacional de Brasília; conheci, desde o primeiro momento, o seu entusiasmo pelo magnífico plano do Prof. Anísio Teixeira para a Nova Capital; sei dos seus justíssimos aborrecimentos face às incompreensões e ao egoísmo de alguns.

"Por tudo isso, trago-lhe, nesta hora, minha palavra sincera de profundo reconhecimento ao seu mérito incontestável de lutador de primeira hora em favor da educação em Brasília, ao seu idealismo desinteressado, ao seu elevado espírito patriótico."

Mas a nossa contribuição não cessava mesmo ante os mais difíceis obstáculos. Ainda em nossa gestão, convocamos um grupo de educadores e elaboramos o anteprojeto da Lei Orgânica de Educação e Cultura do Distrito Federal, concluído em fins de 1959 e entregue às autoridades competentes tão logo foi instituída a Prefeitura local. O anteprojeto da lei se compunha de 78 artigos e tratava não somente dos Princípios e dos Métodos da Educação e Cultura, mas também da organização do ensino, em todas as suas facetas. A administração dos Serviços de Educação e Cultura se faria através de um Conselho Comunitário, de doze membros residentes em Brasília e de notória competência, os quais indicariam ao Prefeito três nomes para a escolha do Secretário de Educação. Perdida a confiança do Conselho, o Secretário seria obrigado a renunciar e o Prefeito a escolher outro de lista tríplice apresentada pelo órgão comunitário.

Felizmente, nestes últimos seis anos (1979-1985) a Secretaria de Educação e Cultura do DF tomou novos rumos e, hoje, o ensino em Brasíiia é considerado, com justa razão, o melhor do Brasil, graças ao espírito de união da equipe, à competência e dedicação dos professores.

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