A Escola brasileira e a estabilidade social*

            Não é fácil dar, em uma só palestra, descrição suficientemente exata da situação educacional brasileira e indicar os principais aspectos que mostram como e quanto ela é pouco satisfatória. Em todo caso, tal é a minha tarefa, hoje, aqui, e vou buscar cumpri-la como me for possível. Tomaremos em cada um dos níveis de ensino - primário, médio e superior - os fatos que nos parecem mais significativos, buscando interpretá-los à luz de uma compreensão ampla da função de todo o sistema de educação, a fim de caracterizar-lhe as tendências e indicar as correções mais recomendáveis. A educação, sendo um processo de cultivo ou de cultura, há de ser sempre algo em permanente mudança, em permanente reconstrução, a exigir, por conseguinte, sempre novas descrições, novas análises e tratamentos novos. Como a agricultura ou como a medicina, a educação está em permanente transformação, não só em virtude de conhecimentos novos, como em virtude de mudanças decorrentes da própria dinâmica da sociedade.

            A situação educacional brasileira apresenta-se como uma pirâmide, em que a base não chega a ter consistência e solidez de tão tênue que é, logo vai se afilando, mais à maneira de um obelisco do que mesmo de uma pirâmide. Tal aspecto manifesta-se desde a escola primária.

            Para uma população escolar de 7 a 11 anos de idade, num total de 7.595.000, a escola primária acolhe 4.921.986, ou seja, cerca de 70%. Destes alunos, porém, encontram-se no 1º ano 2.664.121, quando ali só se deviam encontrar 1.600.000 (grupo de idade de 7 anos), no 2º, 1.075.792, quando aí se deviam achar 1.500.000, no 3º.,735.116, onde deviam estar outros 1.500.000, no 4º e 5º anos, 466.957, quando aí deviam estar 1.480.000; só este fato já afila singularmente a pirâmide, conforme se pode ver no gráfico, que ora apresentamos, das matrículas por séries nas escolas brasileiras de nível primário, médio e superior** .

           

           

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            A educação sempre se apresentou como a alternativa para a revolução e a catástrofe, mas, para isto, é necessário que não se faça ela própria um caminho para o privilégio ou para a manutenção de privilégios.

            Façamos do nosso sistema escolar um sistema de formação do homem para os diferentes níveis da vida social. Mas com um vigoroso espírito de justiça, dando primeiro aos muitos aquele mínimo de educação, sem o qual a vida não terá significação nem poderá sequer ser decentemente vivida, e depois, aos poucos, a melhor educação possível, obrigando, porém, estes poucos a custear, sempre que possível, pelo menos parte dessa educação, e, no caso de ser preciso ou de justiça, pelo valor do estudante, dá-Ia gratuita, caracterizando de modo indisfarçável a dívida que está ele a assumir para com a sociedade. A educação mais alta que assim está a receber não lhe dá direitos nem o faz credor da sociedade, antes lhe dá deveres e responsabilidades, fá-lo o devedor de um débito que só a sua produtividade real poderá pagar.

            Bem sei o quanto é difícil criar, entre nós, um tal espírito. Muitos dirão que será mesmo impossível. Persisto em crer o contrário. Os nossos jovens das escolas superiores podem não possuir a consciência perfeitamente nítida de quanto são privilegiados. Mas, é indiscutível que os agita um certo senso de dever social. Esclarecimentos como estes que estive aqui a procurar prestar juntar-se-ão a outros, até que se forme a consciência necessária para as duas reformas indispensáveis: a reorientação da escola para que a mesma se faça uma escola de trabalho e de preparo real e não apenas de atividades rituais para o diploma, e a redistribuição dos recursos para a educação, estabelecendo-se a prioridade da gratuidade do ensino popular universal e o custeio do ensino pós-primário e superior em parte com recursos públicos e em parte com recursos do estudante, salvo se lhe não assistirem condições para tal e houver obtido a matrícula em concurso público feito em escolas oficiais.

            Com estas duas reformas, teremos corrigido, acredito, as duas tendências menos promissoras e de certo modo graves do nosso sistema educacional e, ao mesmo tempo, aberto um novo caminho para a sua expansão que se vem fazendo e se há de fazer cada vez maior e mais ampla, constituindo cada desenvolvimento a base sólida para um novo desenvolvimento e não um progresso ilusório, destinado tão-somente a criar amanhã problema ainda maior para a escola e para a sociedade.

Referências Bibliográficas

SÉRIE NACIONAL. Rio de Janeiro, IBGE, 1956. v. 1

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Serviço de Estatística da Educação e Cultura. O ensino no Brasil em 1948-50; ll: ensino extraprimário. Rio de Janeiro, 1957.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Laboratório de Estatística. Estimativas da população em idade escolar. s.n.t.