A Escola brasileira e a estabilidade social*
Não é fácil dar, em uma
só palestra, descrição suficientemente exata da situação educacional brasileira
e indicar os principais aspectos que mostram como e quanto ela é pouco
satisfatória. Em todo caso, tal é a minha tarefa, hoje, aqui, e vou buscar
cumpri-la como me for possível. Tomaremos em cada um dos níveis de ensino -
primário, médio e superior - os fatos que nos parecem mais significativos,
buscando interpretá-los à luz de uma compreensão ampla da função de todo o
sistema de educação, a fim de caracterizar-lhe as tendências e indicar as
correções mais recomendáveis. A educação, sendo um processo de cultivo ou de
cultura, há de ser sempre algo em permanente mudança, em permanente
reconstrução, a exigir, por conseguinte, sempre novas descrições, novas
análises e tratamentos novos. Como a agricultura ou como a medicina, a educação
está em permanente transformação, não só em virtude de conhecimentos novos,
como em virtude de mudanças decorrentes da própria dinâmica da sociedade.
A situação educacional
brasileira apresenta-se como uma pirâmide, em que a base não chega a ter
consistência e solidez de tão tênue que é, logo vai se afilando, mais à maneira
de um obelisco do que mesmo de uma pirâmide. Tal aspecto manifesta-se desde a
escola primária.
Para uma população
escolar de
.
A educação sempre se
apresentou como a alternativa para a revolução e a catástrofe, mas, para isto,
é necessário que não se faça ela própria um caminho para o privilégio ou para a
manutenção de privilégios.
Façamos do nosso
sistema escolar um sistema de formação do homem para os diferentes níveis da
vida social. Mas com um vigoroso espírito de justiça, dando primeiro aos muitos
aquele mínimo de educação, sem o qual a vida não terá significação nem poderá
sequer ser decentemente vivida, e depois, aos poucos, a melhor educação
possível, obrigando, porém, estes poucos a custear, sempre que possível,
pelo menos parte dessa educação, e, no caso de ser preciso ou de justiça, pelo
valor do estudante, dá-Ia gratuita, caracterizando de modo indisfarçável a
dívida que está ele a assumir para com a sociedade. A educação mais alta que
assim está a receber não lhe dá direitos nem o faz credor da sociedade, antes
lhe dá deveres e responsabilidades, fá-lo o devedor de um débito que só a sua
produtividade real poderá pagar.
Bem sei o quanto é
difícil criar, entre nós, um tal espírito. Muitos dirão que será mesmo
impossível. Persisto em crer o contrário. Os nossos jovens das escolas
superiores podem não possuir a consciência perfeitamente nítida de quanto são
privilegiados. Mas, é indiscutível que os agita um certo senso de dever social.
Esclarecimentos como estes que estive aqui a procurar prestar juntar-se-ão a
outros, até que se forme a consciência necessária para as duas reformas
indispensáveis: a reorientação da escola para que a mesma se faça uma escola de
trabalho e de preparo real e não apenas de atividades rituais para o diploma, e
a redistribuição dos recursos para a educação, estabelecendo-se a prioridade da
gratuidade do ensino popular universal e o custeio do ensino pós-primário e
superior em parte com recursos públicos e em parte com recursos do estudante,
salvo se lhe não assistirem condições para tal e houver obtido a matrícula em
concurso público feito em escolas oficiais.
Com estas duas
reformas, teremos corrigido, acredito, as duas tendências menos promissoras e
de certo modo graves do nosso sistema educacional e, ao mesmo tempo, aberto um
novo caminho para a sua expansão que se vem fazendo e se há de fazer cada vez
maior e mais ampla, constituindo cada desenvolvimento a base sólida para um
novo desenvolvimento e não um progresso ilusório, destinado tão-somente a criar
amanhã problema ainda maior para a escola e para a sociedade.
Referências Bibliográficas
SÉRIE NACIONAL. Rio de Janeiro, IBGE, 1956. v. 1
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Serviço de Estatística da
Educação e Cultura. O ensino no Brasil em 1948-50; ll: ensino
extraprimário. Rio de Janeiro, 1957.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Laboratório de Estatística. Estimativas
da população em idade escolar. s.n.t.