TEIXEIRA, Anísio. Zelando pela verdade. O Globo. Rio de Janeiro, 12 jun. 1958.

ZELANDO PELA VERDADE

Com relação ao editorial publicado sob o título acima, recebemos do Professor Anísio Teixeira a seguinte carta:

"Rio de Janeiro, em 5 de junho de 1958.

Sr Diretor-Redator-Chefe de O GLOBO:

Com o título "Zelando Pela Verdade", publica hoje O GLOBO editorial que reproduz uma afirmação e uma acusação, ambas tão infundadas que me surpreendendo de vê-las encampadas por um jornal com a responsabilidade de O GLOBO.

A afirmação seria de que a escola pública devidamente generalizada no país importaria em "laicizar e materializar a vida brasileira". A acusação é de que esteja eu, na posição de diretor do INEP, "consciente ou inconscientemente contrariando a formação cristã do povo brasileiro, promovendo a laicização do ensino e o materialismo da vida", o que seria um "abuso".

Não é possível admitir que êsse jornal julgue que promover o cumprimento da obrigação constitucional do Estado (obrigação e não monopólio) de manter escolas suficientes para tôda população constitua "a laicização e o materialismo da vida", como ainda mais absurdo será considerar que quem esteja promovendo o desenvolvimento da escola pública, no exercício de um cargo na administração federal do ensino, esteja cometendo um "abuso".

Vejamos as citações e mais uma vez mostremos o contexto de onde foram tiradas, para lhes explicar o sentido verdadeiro, tão diverso do que lhes quer emprestar o editorial.

1ª citação: "Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser ministrada pelo Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois êstes sòmente poderiam oferecê-la aos que tivessem posses (ou "protegidos") e daí operar antes para perpetuar as desigualdades sociais que para removê-las". Esta citação, retirada de um trecho de minha conferência sôbre "Escola Pública Universal e Gratuita", publicado no citado boletim da CAPES, faz parte de um contexto, em que procuro caracterizar o aparecimento da educação obrigatória, gratuita e universal no curso da história, afirmando então que uma vez instituído tal princípio, a educação se teria de fazer pública, pois não se poderia obrigar os particulares a oferecer educação obrigatória, gratuita e universal.

Jamais poderia julgar possível que O GLOBO, em 1958, se julgasse autorizado a insinuar direta ou indiretamente que a referência a essa ocorrência histórica das primeiras décadas do século XIX, isto é, o aparecimento da escola pública, pudesse ser considerado como algo de contrário à liberdade do ensino privado.

2ª. citação: "A escola particular, por sua vez, não só é livre na educação brasileira, como altamente amparada e subvencionada pelos podêres públicos" (28-2-1958). Esta segunda citação foi colhida em reposta (que nada teve de copiosa, diga-se de passagem, a despeito do que afirma O GLOBO), que ofereci à primeira manifestação dos senhores bispos do Rio Grande do Sul. Trata-se de afirmação de fato insuscetível de ser refutada.

O GLOBO, entretanto, declara que nenhuma das duas alegações procede. Para provar que a escola particular não é livre faz-me a honra de citar dois trechos de artigo meu sôbre "Lei e Tradição" publicado no boletim de maio de 1957 da CAPES. Rejubilo-me com essas citações, pois em meio a tanta citação maliciosa, essa realmente põe em relêvo a posição antiestatista que tenho em relação a todo problema educacional. Propugno efetivamente que não só a escola particular como a pública sejam livres, isto é, orientadas pela consciência profissional do magistério e dos educadores. Esta posição, que caracteriza mais do que liberdade, a independência da escola, está longe de ser a propugnada pelas escolas particulares, que não desejam ser particulares mas "de concessão pública". Os particulares no Brasil desejam ser concessionários de ensino público. Daí não ser muito apropriado para justificar reivindicações dos particulares na questão de liberdade do ensino.

Resta a última citação retirada da mensagem presidencial do corrente ano: "O custeio da educação particular deve caber totalmente à sua clientela".

Para esclarecê-la, basta reproduzir os dois parágrafos de onde foi isolado o pequeno período. São êstes os parágrafos:

"Cumpre observar, porém, que não é possível deixar apenas a cargo do Poder Público o ônus de um programa de tal envergadura. É preciso que se canalizem, para o ensino, recursos privados, em proporção cada vez maior. A própria escola pública necessita dêsses recursos privados, em sua obra de assistência ao aluno e para enriquecimento de programas e atividades extraclasse.

Até aqui, vimos fazendo exatamente o contrário. As escolas privadas apelam cada mais para o erário, em busca de recursos, reduzindo assim fundos notòriamente escassos para o custeio da rêde escolar a cargo dos Pôderes Públicos. O custeio da educação particular deve caber totalmente à sua clientela. O auxílio do Estado à escola só se justifica sob a forma de bôlsas a estudantes pobres".

Como vê, meu nobre Redator, o Sr. Presidente da República em sua mensagem do corrente ano, sublinhando o terrível encargo para a nação que representa manter um sistema de educação elementar para tôdas as crianças brasileiras, salienta a necessidade de que venha acrescer aos impostos públicos a generosidade dos recursos privados, para que se torne possível o ônus de um programa de tal envergadura. Será que haja alguém com isto não concorde, em um país em que os que têm cada vez mais recebem e os que nada têm arrastam-se nas filas noturnas à busca de um lugar na escolas públicas?

A obra brasileira de educação, Sr. Redator, não merece o ardil de citações tendenciosamente isoladas para comunicar ao público um sentido diverso do que elas têm. Estou certo que tenha escapado à sua leitura os trechos de onde foram extraídas as citações, pois não lhe farei a injustiça de o supor contrário à severa advertência com que o Sr. Presidente da República encareceu a necessidade de uma cooperação com o ensino privado em que os recursos públicos e particulares se somem e não se dividam, a fim de se tornar possível a obra de emancipação do brasileiro pela educação.

Confiando que esta resposta seja publicada no mesmo local e com o mesmo título que o referido editorial, subscrevo-me, seu leitor constante, ass: Anísio Teixeira.

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