FREYRE, Gilberto. Anísio Teixeira: a universidade que ele organizou. Diário de

Pernambuco. Recife, 25 dez. 1960.

ANÍSIO TEIXEIRA: A UNIVERSIDADE

QUE ÊLE ORGANIZOU

Gilberto FREYRE

À nova espécie de cientificismo surgida no Brasil por volta de 1930, do mesmo modo que ao antigo academicismo de todo livresco ligado ao nome da sociologia, as cátedras de Antropologia e de Sociologia criadas em 1935 na Universidade do Districto Federal, opuseram um espírito de análise e um gôsto pela pesquisa de campo que creio poder dizer-se hoje terem dado novo sabor, nova profundidade e novo sentido nos estudos antropológicos e sociais no nosso país. A começar pelo fato de haver a nova Universidade, por sugestão minha aceita imediatamente por Anísio Teixeira, dado de início aos estudos de Sociologia e de Psicologia Social - então muito procurados - base antropológica. Foi considerada essencial aos mesmos estudos a iniciação do estudante tanto em Antropologia Social e Cultural como em Antropologia Física e em Seroantropologia.

Com essa orientação, a Universidade do Distrito Federal iniciou no Brasil e talvez na América do Sul tanto o ensino de Antropologia Social e Cultural como de Seroantropologia - iniciativas que marcam o seu pioneirismo e caracterizam o alto espírito científico com que a dirigiu, nos dias heróicos da instituição, o Professor Anísio Teixeira. Posteriormente, outra cátedra pioneira foi estabelecida na Universidade do Distrito Federal: a de Pesquisa Social. Vê-se, assim, que foi uma universidade - graças a Anísio Teixeira - intimamente ligada ao desenvolvimento dos estudos sociais no Brasil; à sua modernização; e também ao seu desenvolvimento sob o aspecto de estudos ligados à vida brasileira e às condições de existência e de convivência peculiares ao brasileiro, embora para tanto nunca se chegasse a qualquer deformação da sociologia quanto possível científica em sociologia carnavalescamente <<nacionalista>>.

Tanto quanto a Universidade de São Paulo, a do Distrito Federal, nos dias de Anísio Teixeira - que foram também os da minha associação mais íntima com a nova instituição - deu ao Brasil o bom exemplo de importar para várias das suas cátedras mestres estrangeiros conhecidos pelo seu saber ou respeitados pela sua competência; e vindos de alguns dos melhores centros universitários da Europa. Quase todos, da França.

O que êsses mestres franceses trouxeram da Europa para a renovação da cultura brasileira, através daquela universidade fecundamente experimental, importa noutro corajoso serviço prestado por Anísio Teixeira ao nosso país. Pois sem tradição universitária, não era possível que se improvisasse entre nós universidade valendo-se os organizadores do sistema universitário brasileiro apenas de bons professores dos chamados de humanidades, vindos do ensino secundário para o universitário; ou simples especialistas nisto ou naquilo, recrutados de escolas superiores apenas profissionais para cátedras que devessem ser verdadeiramente universitárias.

Anísio Teixeira, seguindo, aliás, neste particular, os paulistas, não só importou mestres estrangeiros cuja formação ou experiência universitária se comunicasse vantajosamente ao Brasil, como incorporou à nova universidade de amplitude nacional quanto brasileiro idôneo tivesse essa formação ou experiência, adquirida no estrangeiro. Daí o relêvo que teve, na organização da Universidade do Distrito Federal, o Professor Delgado de Carvalho. Com o seu saber especializado e com a sua formação européia, o Professor Delgado de Carvalho foi um dos principais colaboradores de Anísio Teixeira no esfôrço pioneiro de estabelecer-se, na então capital do Brasil, não um arremêdo ceneográfico mas um bom e honesto comêço de universidade.

A capacidade, o gosto, a alegria, até, de cercar-se de colaboradores de primeira ordem tem sido um dos mais fortes característicos de Anísio Teixeira em tôdas as atividades de organizador do ensino e de renovador da cultura em que se tem empenhado lúcida e fervorosamente no Brasil. Nunca lhe faltou tal capacidade como nunca lhe faltou a capacidade de admiração: é um entusiasta tanto do saber já tranqüilamente fecundo dos mestres como do talento ainda em ascensão dos jovens. Inclusive do talento extremamente jovem que deva ser prestigiado nos seus começos de expressão.

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