ARAÚJO, Marta Maria de. Uma trajetória engajada com a reconstrução da educação pública. Diário de Natal. Natal, 2000.

Uma trajetória engajada com a reconstrução da educação pública

Marta Maria de Araújo

Neste ano de 2000, quando se comemora o centenário de nascimento de Gilberto Freyre e de Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte não poderia ficar de fora e promoveu, ontem à tarde, no Auditório da Reitoria, juntamente com a Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Norte, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTE) e o Diário de Natal, através do Projeto Ler/DN-Educação, uma Mesa Redonda sobre o Educador Anísio Teixeira.

Em abril último, foi realizado um seminário enfocando o escritor e sociólogo Gilberto Freyre. O Seminário Debate mostrou, dentre outras exposições e argumentos por parte de seus conferencistas e debatedores, Gilberto Freire como sendo intelectual fundador de uma das mais vigorosas interpretações da formação histórica do Brasil, registradas, sobretudo, em Casa-Grande & Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936), Ordem e Progresso (1956), série que chamava de Introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil.

Se a obra de Freyre traz a marca de uma interpretação da formação histórica do Brasil, o pensamento e a prática pedagógica de Anísio Teixeira são flagrantes na sua obstinação de levar a efeito o Programa de Reconstrução Educacional, inscrito no célebre Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932.

O fascínio desse compromisso político-intelectual residia, justamente, na reorganização da educação escolar com base no conhecimento científico disponível, para que esta se tornasse um instrumento efetivo e dinâmico de reorganização pedagógica da nação. A proposição de reorganização da nação pela reorganização da educação no Brasil, sob a inspiração de novos ideais educacionais, sintetizava as utopias ilustradas do Programa de Reconstrução Educacional dos Pioneiros, em cujo êxito em sua direção e realização, indubitavelmente, competia à intelectualidade brasileira e aos educadores profissionais encarnados de aspirações investigativas, analíticas, reconstrutivistas, enfim, empenhados em levar á prática projetos políticos educativos - pelo espírito cosmopolita do século XX, ou seja, da sociedade industrial, democrática e científica.

Anísio Teixeira, impregnado da filosofia socrática de pôr em questão o conhecimento estabelecido e, a partir de apropriações seletivas do pensamento de John Dewey, procurou formular e praticar uma matriz pedagógico-educacional a propósito de fundar em base científica e democrática a reconstrução da educação pública. Ao assumir, em 1952, a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), setor então responsável pela política de mellhoria e de expansão do ensino primário público, o vetor pedagógico do seu programa educacional centrou-se em dar condições científicas à atividade educacional da escola e á do professor na arte de ensinar.

Com essa perspectiva, criou o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, diretamente vinculado ao Inep, e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais relativamente autônomos sediados nas capitais dos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Um e outros tinham a finalidade de, além de pesquisar as condições culturais e escolares de cada região para efeitos de intervenções nos sistemas educacionais estaduais, elaborar material pedagógico e estudos especiais para a revisão da gestão escolar, promovendo, ainda, cursos de treinamento e aperfeiçoamento de professores, especialistas e administradores visando a uma mudança de mentalidade pedagógica dos professores e a nova atitude científica na arte de ensinar. Conseqüentemente, pela proeminência desse tipo de magistério, se estaria formando o homem novo para a convivência social e profissional na sociedade industrial, científica e tecnológica em permanente mutação.

Não obstante, a matriz pedagógico-educacional formulada por Anísio, informando o programa de reconstrução educacional a cargo do Inep, iluminando a história da educação brasileira em grande parte do século XX, constituiu-se, inegavelmente, numa formulação avançada por sua identificação com estratégias universalistas, favorecendo a justiça social e a igualdade de oportunidades para todos na esfera da educação pública.

A propósito do engajamento de Anísio Teixeira na reconstrução da educação pública de 1952 a 1964, pode ser lido no artigo de Clóvis Rossi intitulado "Subir na Vida" (Folha de São Paulo, 23/05/2000) contendo o seguinte testemunho: "há 30 anos ou 40 anos, a escola pública era de qualidade salvo exceções, e a ela se dirigiam os filhos da classe média tanto quanto os mais pobres". Estudar em escola pública era, assim, quase, a única garantia para subir salarial e socialmente na vida.

Por esse seu engajamento e por tantas outras iniciativas no âmbito da esfera pública educacional sempre com veemente compromisso e paixão, é que a UFRN, SEC, SINTE e DN-EDUCAÇÃO nas comemorações do seu centenário de nascimento, prestou-lhe uma homenagem com a realização de um Ciclo de Palestras, iniciando-se com a Mesa-Redonda: O Educador Anísio Teixeira, contando com a participação dos professores Sandra Maria Borba, Marta Maria de Araújo, Arnon A. M. de Andrade e Carlos Antônio Fonseca Teixeira, filho de Anísio Teixeira.

Marta Maria de Araújo é professora do Departamento de

Educação da UFRN e pesquisadora em História da Educação

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