PIGMALEÃO. Uma entrevista. Última Hora . Rio de Janeiro, 19 jul. 1958.

NO MUNDO DAS IDÉIAS

Uma Entrevista

Teve mais profunda repercussão, pelo menos entre os que sabem ler, a entrevista em que Anísio Teixeira denuncia o arcaísmo da estrutura educacional brasileira, aparecida na semana passada. Demonstrando, com objetividade exemplar, como o nosso sistema educacional permanece orientado no sentido de formar uma elite, Anísio Teixeira frisa muito bem que êsse tipo de educação está vinculado a um período histórico em que a sociedade estava organizada na base de camponeses ignorantes, artesãos autodidatas e uma elite governante, quando a escola não tinha outra finalidade que preparar o grupo grande ou pequeno de especialistas indispensáveis ao manêjo dêsses dois grupos, comportando-se uns como governantes e outros como súditos. Acaba por caracterizar o penoso e esterilizante ritual para a consagração pomposa do diploma e da graduação a que se reduziu o nosso ensino superior. Situa, no caso da proliferação de escolas dêsse nível em nosso País, a posição do Estado como a de um órgão que está "emitindo cultura por decreto".

Define os currículos como necessários ao preparo do cidadão comum, ao contrário do que vem acontecendo. Mostrando, com a sua clareza costumeira, que, numa escola dêsse tipo "a língua materna e a literatura nacional, a matemática elementar e aplicada, a geografia e a história brasileiras e a introdução à ciência e estudos de ciência aplicada, de desenho e de artes industriais, constituirão seu currículo fundamental". Acrescentando: "Línguas estrangeiras e antigas, estudos científicos propedêuticos serão enriquecimentos de currículo que as melhores escolas, com alguns excepcionais tentarão, é certo, mas que também não darão nenhum direito especial, nem privilégio algum".

NACIONALISMO

Até aí, Anísio Teixeira falou como especialista, sôbre assunto de sua vitrina, com a segurança de seus conhecimentos de técnico em educação. Mas a parte final de sua entrevista, perfeitamente entrosada com o preâmbulo, tem uma importância que escapa ao campo educacional, para integrar-se no largo movimento de idéias que vem empolgando a consciência brasileira. Anísio Teixeira mostra, com rigor de argumentos, que é preciso criar escolas para o Brasil, cujo ensino sirva ao Brasil, que sejam úteis para a vida no Brasil, que tenham por base o conhecimento do Brasil. E diz: "Tais escolas deverão ser mais do que tudo centros de estudo do Brasil, da cultura brasileira, da língua, da literatura, da geografia, da história e das ciências sociais brasileiras. Só a matemática e a ciência físicas seriam universais. Em tudo mais, o Brasil seria o motivo, a intenção e o objeto. Somos já uma cultura cuja aquisição deverá bastar para educar o brasileiro".

Poucos depoimentos poderiam ser tão impressionantes em sua gravidade e tão graves e lúcidos e seus têrmos. Trata-se de um mestre de seu ofício, que passou uma existência inteira manejando a ferramenta em que se esmerou, que conhece a fundo o problema e que depõe com uma clareza que dispensa comentários. Aos que cuidam ser o nacionalismo uma aventura de poucos, de subversivos, de marginais, visionários ou jacobinos, o testemunho de um homem da idoneidade e da isenção de Anísio Teixeira aparece como sanção irrecorrível. Só os desfibrados e corruptos, cuja inteligência se presta apenas a confundir, poderão omitir-se nessa luta. Anísio Teixeira assumiu a sua posição. Milhões o acompanham.

PIGMALEÃO

| Artigos de Jornais ou Revistas | Entrevistas |