CARRANCA, Luis F. A revolta de Anísio Teixeira. A Tribuna. Santos, [1958].
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

A revolta de Anísio Teixeira

LUIS F. CARRANCA

Revolta-se Anísio Teixeira, e a sua revolta deveria propagar-se a tôda a nação, em saber que a metade da população brasileira não sabe ler e que mais de sete milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escola.

E, dos proporcionalmente poucos privilegiados que frequentam a escola primária, apenas 9% chegam ao fim do 4º ano.

Mas, como se há de sensibilizar a nação, ante a monstruosidade de tal miséria, se precisamente metade dela, não tem consciência nem ciência do fato, exatamente porque é analfabeta?

O boletim n. 2 da Campanha de Educação de Adolecentes e Adultos mostra os excelentes resultados do ensino por correspondência na Polônia e na Suécia e em todos os países onde os serviços postais funcionam com regularidade e onde o analfabetismo tenha sido vencido.

Para nós as desgraças correm aos pares porque, além do flagelo do analfabetismo, sofremos do infortúnio dos correios.

Enquanto tal miséria se abate sobre o ensino fundamental da nação os interesses eleitoreiros distribuem sem qualquer critério subvenções, como aquela, denunciada por Lourenço Filho, de dois milhões e meio de cruzeiros a uma Faculdade de Filosofia particular em nosso Estado, abrigando cêrca de 200 alunos, quando a oficial oferecia em vagas mais que o triplo dos alunos matriculados na escola favorecida.

Isto é, o dinheiro público a fazer concorrência ao dinheiro público, a estimular a formação de novas fornadas de licenciadozinhos em poucas letras.

Regozija-se Anísio Teixeira, em meio a tanta coisa que o revolta, choca, contrista, escandaliza em nosso ensino, com o grande progresso da consciência brasileira que significa a expansão do ensino médio.

Mas não com a forma unilateral como se vem verificando esse desenvolvimento do ensino médio com o "seu caráter confuso e enciclopédico de falsa formação acadêmica".

Pretende Anísio Teixeira uma "escola média que continue em nível mais alto o espírito da educação primária mais preparatório para a vida do que simplesmente propedêutica aos estudos superiores, organizada em tôrno de um currículo mais simples e verdadeiramente brasileiro, em que a língua nacional, a civilização nacional e a ciência sejam os verdadeiros instrumentos de cultura do aluno".

Não se queira inferir que pretenda o ilustre diretor do INEP a geral transformação dos cursos médios em escolas técnicas.

Existem numerosas funções e carreiras na indústria, no comércio, nos transportes, que não exigem formação técnica nem acadêmica, mas para as quais o ensino primário é insuficiente.

Tão grande descoco seria a geral profissionalização do ensino médio como disparate do atual tipo acadêmico que nem ao menos prepara para os cursos universitários.

Até mesmo na França, o grande bastião do ensino acadêmico, tal tipo, com o seu caráter exclusivista, vem sendo "battu en bréche" e o famoso "baccalaureat" já pode ser obtido sem as tradicionais humanidades clássicas.

Afligem os pedagogos franceses não apenas os 14% dos alunos com capacidade para estudos acadêmicos mas o aproveitamento de todos os adolescentes porque de todos necessita a França.

E a França, diz o prof. Louis Well, preocupada com a sua situação de inferioridade, diplomando atualmente 3.500 engenheiros por ano, quando necessitaria, no mínimo, 15.000, situação modesta em relação aos 60.000 engenheiros formados pelos americanos, e 80.000 pelos soviéticos, lança-se à luta para o aproveitamento da técnica superior da grande massa da juventude francesa. E Grenoble é chamada a "capitale des ingénieurs sans bachot", exemplo que se estende agora pelos demais centros universitários franceses.

Em um ou outro pormenor podemos oferecer restrições às idéias do prof. Anísio Teixeira.

A mim mesmo me parece exagerada a sua confiança na iniciativa local, muito otimista a sua fé na capacidade de os municípios brasileiros assumirem maiores responsabilidades no setor da educação popular.

Mas o que se não pode negar, sem injúria à verdade, é a sua arraigada vocação democrática nunca desmentida por ações ou omissões, seu profundo conhecimento das coisas da educação, sua infatigável capacidade de trabalho, sua franqueza sem ambages, sua coragem de atitudes, e mais do que tudo, seu amor à mocidade brasileira à totalidade da qual deseja ver extendida a educação sem privilégios odiosos decorrentes de raça, cor, convicções filosóficas ou religiosas, situação econômica.

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