JORNAL DO COMÉRCIO. Reafirma sua orientação o prof. Anísio Teixeira. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 17 abr. 1958.

Reafirma sua orientação o Professor Anísio Teixeira

Novas declarações do Diretor do INEP - "Os espíritos devem voltar à calma", aconselha Dom Hélder Câmara

- A atitude dos Bispos do Rio Grande do Sul revela-se contra a escola pública e não em defesa da escola particular, que declaram hostilizada" - afirmou, ontem, ao "Jornal do Commercio", o Prof. Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Ensino Pedagógico do Ministério da Educação.

Afirmando que a escola particular, longe de ser combatida, é amparada pelo Poder Público com verbas cada vez maiores, acrescentou o Professor Anísio Teixeira: "- Os prelados riograndenses não concretizaram, em seu memorial, a hostilidade a que se referem".

Problema Constitucional

Esclarecendo que antes do memorial dos Bispos já havia sido honrado com acusações proferidas no altar pelo Arcebispo de Pôrto Alegre, contra sua defesa da escola pública", o diretor do INEP comentou o teôr do memorial à base das seguintes informações: 1) órgãos do Govêrno "propugnam a implantação executiva de sistemas de ensino oficial em todo o país; 2) órgãos do Govêrno "hostilizam sem tréguas, a iniciativa particular nesse mesmo campo de atividade".

- Que provas - interrogou - oferecem os Bispos dessas duas afirmações? No início do memorial encontramos trechos da Constituição em que a mesma fixa a "educação como direito de todos", isto é, estabelece o princípio da "igualdade de oportunidades", declara ser livre o ensino à atividade particular", determina a obrigação das emprêsas privadas de manter ensino primário gratuito e a ministrar, em cooperação, aprendizagem profissional, na forma da lei e, no ensino superior, livre, determina a vitaliciedade do professor por concurso, na forma da lei, concluindo-se daí, segundo o memorial, que a Constituição reconhece a insuficiência do ensino oficial, proclama a liberdade de ensino em todos os ramos. É, portanto, discrepante da Constituição "a atitude daqueles órgãos governamentais - disse, citando o memorial - que se orientam contra êsses princípios, ao rumo da crescente limitação coerciva do ensino privado, guerreando-o, como adverso aos interêsses nacionais".

Exame das provas

Dizendo que o trecho mencionado "repete simplesmente a acusação e dá-lhe os fundamentos constitucionais em que se apoia o memorial, o professor Anísio Teixeira analizou:

- Há a notar, apenas, o esquecimento de citar êstes dois princípios da Constituição: 1) o ensino primário é obrigatório; 2) o ensino primário oficial é gratuito para todos. Estas duas citações anulariam tôda a fundamentação da acusação.

E, prosseguindo:

- Mas, vamos ver se há provas de que os fatos da acusação são verdadeiros antes de saber se a acusação é justa, isto é, se é acusação.

Educação e socialismo

- Adiante - continuou o Sr. Anísio Teixeira - o memorial refere-se à idéia de que todo o ensino deve emanar do Estado, cita uma frase de Pontes de Miranda sôbre a "escola única" e a posição dos "extremistas" e dos "socialistas" a respeito, para depois dizer que isto é "o que prega abertamente o professor Anísio Teixeira" e para prová-lo começa por reconhecer que não advogo "o monopólio da educação pelo Estado". É verdade - reclamou o entrevistado - que não repete minha frase textual que é esta que aí citei, mas, declara que "embora inculque não advogar" o "monopólio da educação pelo Estado", espero da escola pública ou comum "os mesmos resultados pré-revolucionários, previstos com ansiosa expectativa pela doutrina socialista". E para provar essa minha "esperança" cita frase em que me refiro à obrigação da escola pública de não fazer discriminação por "classe" dentro da escola (obrigação constitucional) e procuro mostrar as vantagens dêsse princípio de igualdade social e para provar defendo a "escola única"; cita frase de outro trabalho em que, referindo-me às três ordens do govêrno - federal, estadual e municipal - digo que "a escola primária seria "uma só", administrada pelo município e organizada pelo Estado, dentro das bases e diretrizes federais e que as escolas médias e superiores seriam instituições autônomas, à maneira de autarquias, organizadas pelo Estado e sujeitas aos princípios da lei federal".

Monopólio do Estado

- O Memorial dá-me como defensor da "escola única" e do "monopólio da educação pelo Estado" - disse o Diretor do I.N.E.P.:

- "Confessemos que é demais. Não fica nisto, porém, essa parte da representação. Cita-me ainda a seguinte frase, extraída de "Educação não é privilégio", de minha autoria: "Reivindicações sociais, para que a escola iria preparar o povo, amadureceram e estão sendo quiçá atropeladamente satisfeitas, com ou sem fraude aparente, dentro da aceleração do processo histórico impedindo-nos de ver, com a necessária exatidão, quanto nos faltam ainda de reivindicações anteriores e condicionadoras não satisfeitas no devido tempo e, por isto mesmo, mais difíceis ainda de apreciar e avaliar exatamente".

- Esta frase - assevera o educador - é retirada de um contexto em que procuro caracterizar o anacronismo de estarmos ainda hoje a lutar pela educação pública e gratuita de todos os brasileiros".

Interpretação da frase

Declarando que acredita que "os senhores Bispos do Rio Grande do Sul reconhecem que a escola gratuita seja uma reivindicação social", salientou o professor Anísio Teixeira:

- Essa reivindicação já deve haver sido atendida e muito antes de reivindicações sociais (as das leis trabalhistas) mais avançadas. A subversão de atender primeiro a reivindicações educativas havia-nos levado à confusão educacional, do momento presente brasileiro. A frase elucida também, no momento presente brasileiro. A frase elucida também, no que lhe está implícito, que a escola iria preparar o brasileiro para as reivindicações ulteriores, isto é, levá-lo a compreender o sentido das mesmas e não se perturbar nem entrar em desordem com a sua conquista prematura".

- A frase - continuou - é tudo que há de mais ordem e progresso que se possa imaginar. Estava a defender a idéia de preparar os homens para entenderem a revolução social, em que estamos imerso, queiramos ou não queiramos, e não a preparar a revolução social. A idéia de levar pela escola os brasileiros a se prepararem para as mudanças sociais, que estão ocorrendo e que continuarão a ocorrer, é o que há de mais comesinho na própria doutrina social da igreja".

Revolução social na Escola

É ainda o professôr Anísio Teixeira quem fala:

- A última parte do memorial declara que "não é lícito que órgãos governamentais preparem, entre nós, uma revolução social através da escola". Veja-se bem que o memorial representava contra "a implantação exclusiva de sistemas de ensino oficiais" e contra a hostilização "sem tréguas da iniciativa particular nesse mesmo campo de atividades". Quanto à primeira parte em vez de prova reconheceu que "inculco não advogar o monopólio da educação pelo Estado". Na realidade não inculco, mas o declaro enfàticamente.

E, prosseguindo:

- Quanto à hostilidade ao ensino particular, nenhuma palavra. E agora sôbre a idéia verdadeiramente extraordinária de que a escola pública prepara uma revolução social, que seria a revolução socialista devo dizer que em nenhum país capitalista do mundo a escola pública gerou o socialismo. Em nenhum país do mundo a revolução foi feita pela escola. O que dizem todos os pensadores prudentes e sensatos é que a escola pode evitar a revolução, no sentido de preparar os homens para entender as transformações sociais em curso, a elas adaptar-se, evitando as explosões violentas e as subversões dos valores e da ordem. Ninguém mais do que a Igreja compreende e aceita êsse progresso dentro da ordem".

Recuperação das Escolas

Concluindo, o professôr Anísio Teixeira justificou sua ação frente ao órgão que dirige:

- A campanha, se campanha se pode chamar o modesto esfôrço do Instituto Nacional de Ensino Pedagógico, pela recuperação da escola pública, hoje em grave estado de deterioração, por uma série de causas - que venho procurando analisar em meus escritos, pertence ao Govêrno Brasileiro. Ela é objeto hoje do esfôrço não só do Brasil, mas, de todo o Continente, estimulada e apoiada por uma reunião de Ministros de Educação de tôda a América, realizada em Lima, Peru, sob os auspícios da OEA e da UNESCO. O projeto maior da UNESCO para o estabelecimento definitivo da escola primária gratuita e obrigatória para a América Latina, recebeu a aprovação de todos os Estados membros, inclusive do delegado do Vaticano, havendo sido expressamente aprovada pelo Papa".

Ânimos exaltados

A reportagem do "Jornal do Commercio" procurou ouvir a opinião de D. Helder Câmara sôbre a questão suscitada pelos Bispos do Rio Grande do Sul. Esquivando-se de qualquer pronunciamento "até que os espíritos se acalmem", disse:

- Só então é que o problema poderia ser examinado com isenção de ânimos, sem a repercussão que se está verificando, e visando essencialmente à melhoria do nosso ensino".

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