FREYRE, Gilberto. Um grande renovador da cultura brasileira. Diário de Pernambuco. Recife, 1 jan. 1961.

UM GRANDE RENOVADOR DA

CULTURA BRASILEIRA (*)

Gilberto FREYRE

(Para os D.A.)

É fato inegável que, atualmente, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e o sistema de centros regionais de pesquisas educacionais, organizados pelo professor Anísio Teixeira, reúnem algumas das mais altas competências brasileiras em assuntos de educação e de cultura: mestres de renome internacional como Fernando de Azevedo e Abgar Renault, por exemplo; inteligências de pesquisadores ainda jovens, por êle prestigiadas ao máximo, como, dentre outros, o etnólogo Darcy Ribeiro, para quem - como para o próprio Anísio Teixeira - entre os problemas pré-nacionais de etnologia e os plenamente nacionais e vivamente atuais de educação e de cultura há correlações íntimas.

Aliás, na sensibilidade a essas e outras correlações, das quais raro se apercebem os pedagogos convencionais, está outro dos fortes característicos daquele poder genial de compreensão de problemas complexos e de utilização de competências diversas em esforços inteligentemente unificados - barroquismo essa unificação até de contrários, do melhor, diga-se de passagem - que distinguem Anísio Teixeira. É êle uma das mais completas personalidades de renovador da educação correlacionada com a cultura em geral - cultura no largo sentido sociológico - que a América já conheceu.

O desenvolvimento da cultura brasileira está, há um quarto de século - mais do que isto: há trinta anos - de tal modo impregnado do que em Anísio Teixeira é espírito amplamente compreensivo tanto dos vários problemas de cultura, como das diferentes personalidades representativas de cultura com que tem sabido lidar, que erra, ao meu ver, quem pretender classificá-lo como puro educador ou simples pedagogo. Não que não seja imensa a missão do educador; nem complexa a responsabilidade do pedagogo. É.

Mesmo assim, vem sendo ultrapassada por um Anísio Teixeira para quem os problemas do Homem, das Sociedades, das Culturas existem como profundos complexos universais ao mesmo tempo que regionais, dentro dos quais - e não a parte deles - devem ser consideradas e, quanto possível, resolvidas as questões de ensino.

Essa a sua orientação de grande renovador da cultura brasileira, incessante em seu esforço de condutor de orquestra de especialistas harmonizados para difíceis tarefas de colaboração de artistas com cientistas e de cientistas com pensadores e que vem executando sinfonias mais profundamente brasileiras que o do próprio O Guarani. Orquestra em que tocou o grande Villa-Lobos, não como músico mas como renovador do ensino da música e do canto nas escolas brasileiras.