DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Projeto deixou de lado papel relevante da escola pública. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 20 abr. 1960.

DIRETRIZES E BASES

Projeto Deixou de Lado Papel Relevante da

Escola Pública

"LONGE de monopólio, o Estado brasileiro vem sistemàticamente deixando para os particulares o encargo da educação. Com efeito, isto tivemos antes de 1930, assim continuamos pela revolução afora. Depois de 1946, valemo-nos da ausência da lei de Diretrizes e Bases para justificar atitude ainda mais acomodada quanto à inação oficial>> - afirmou o prof. Anísio Teixeira durante a entrevista que concedeu ao <<Diário de Notícias>> e que estamos publicando parceladamente.

Acentuou, também, que, enquanto não se votasse a lei de Diretrizes e Bases, nada havia a fazer. Nunca o <<laisser aller>> educacional foi tão completo, tão ininterrupto, tão facilitado. Nem união, nem Estados nada podiam fazer. Faltava a lei e quanto mais esta fôsse adiada, tanto melhor.

ASSUNTO PRIVADO ...

Prosseguindo, declarou que o <<deixa ficar>> generalizado não seria, contudo, paralização. Deixa ficar é deixar passar. Algo entrou a acontecer. E êsse algo foi exatamente a expansão desordenada e incongruente do ensino particular, promovido por bispos e sacerdotes cheios das mais puras intenções e sem recursos, por <<inocentes>> campanhas de educandários gratuitos e, também, por espertos homens de emprêsa, como se diz hoje, que lobrigaram no abandono público uma oportunidade de lucros ou prestígio fáceis. A ausência de iniciativa por parte do govêrno abrigava-se na desculpa de faltar-lhe a lei para a ação e as reformas necessárias... E por isto mesmo ficou-lhe mais fácil consentir em todos os esforços da <<boa vontade>>.

<<A lei que ora tramita no Senado Federal - continuou o professor - santificará essa atitude. É isto exatamente o que deve fazer o govêrno, em matéria de educação, ou seja, deixar de fazer. A educação é assunto privado, a ser resolvido em família. Ao govêrno compete apenas pagar. É engano pensar que tal orientação seja nova, e que venha agora redimir-nos. A nova lei vem consolidá-la, santificá-la, exaltá-la, pois já domina ela a ação, melhor diria inação dos podêres públicos desde sempre e, com particular intensidade, desde 1946. A princípios, como já se disse, por não se ter lei nova e não valer a pena continuar-se com a legislação do Estado Novo e, agora, por termos lei que iria recomendar exatamente essa atitude>>.

EDUCAÇÃO PRIVADA: PRECONCEITOS

Focalizou o prof. Anísio Teixeira as implicações sociais que decorrem dos dois tipos de educação: <<Paralisado, assim, o Estado, temos o revigoramento da iniciativa privada. Virá esta, afinal dar a educação desejada senão suspirada? Novamente me permito alimentar as dúvidas mais sérias. Veja-se bem que não identifico educação privada ou particular com educação livre. Livre, pela Constituição, é a iniciativa privada de oferecer educação. Mas tal educação privada está entre nós mais do que a pública, sujeita a imposições alheias à sua própria educação. De modo geral, entretanto, as suas escravidões mais visíveis são exatamente, ao preconceito e ao dinheiro. Quanto a êste, a educação privada é, por excelência, uma educação barata. Precisa e te de ser barata. Faz-se porisso mesmo rotineira, conservadora e hostil a inovações e experiência. Quanto ao preconceito, a escola privada faz-se escrava de sua clientela. Está ali para satisfazê-la, para atendê-la, para obedecer-lhe. Diz-se que isto é exatamente a nova doutrina do século XX, contra as tolices liberais do século XIX. A educação é livre porque atende aos preconceitos da família. A atrasada América do Norte, prêsa aos falsos ideais de igualdade do século XIX, deseja restabelecer nas escolas a integração racial. Está errada. O governador Faubus deve pedir as luzes do sr. Carlos Lacerda par obter alforria da educação em Arkansas, nos Estados Unidos, autorizando afinal as famílias brancas a terem as suas escolas segregadas e custeadas pelos recursos públicos.

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