DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Projeto de Diretrizes e Bases colocou de lado o papel da escola pública. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 19 abr. 1960.

PROJETO DE DIRETRIZES E BASES COLOCOU DE LADO O PAPEL DA ESCOLA PÚBLICA

ADA mais fértil nem mais sutil que a iniqüidade. O dualismo da sociedade brasileira não se conforma em desaparecer. Com o crescimento da classe média e a continuação da mobilidade social vertical certo mimetismo dos novos elementos que estão a integrar essa nova classe média leva-os a reproduzir as atitudes de privilégios da reduzida e aristocrática classe superior, em vias de extinção>>.

Estas são observações do professor Anísio Teixeira, feitas durante a entrevista concedida ao <<Diário de Notícias>>, e que estamos publicando em partes.

Frisou que o sistema privado de educação oferece, indiscutìvelmente, muito mais facilidades para o respeito a situações adquiridas e privilegiadas do que um sistema público.

DISTORÇÕES

<<Parece ser esta - salienta - a explicação para a nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O fenômeno é dos mais curiosos e esclarecedores e marca muito bem as distorções inesperadas de nosso próprio desenvolvimento democrático. Antes de 1930, os colégios particulares do Brasil eram realmente particulares e resistiam vivamente a qualquer intromissão do Estado. Os de nível secundário pensariam em tudo, menos em pedir recursos ao govêrno. Zelavam sobremodo pela sua independência e serviam a uma pequena classe média relativamente abastada e a pobres orgulhosos, que sofriam sua pobreza mas não desejavam esmolas, que tanto seriam consideradas as bôlsas ou auxílios. Com a revolução de 30, começa a expansão da classe média brasileira. Essa expansão se faz, sobretudo, pela educação, pela escola não popular, isto é, a escola secundária e a superior>>.

MÁ DISTRIBUIÇÃO DE VERBAS

Focaliza, agora, o professor Anísio Teixeira, a transformação social que tem sofrido a nossa sociedade e a questão da distribuição de verbas para o ensino: <<A dinâmica social brasileira está cheia de contradições e, pouco a pouco, essa mesma classe, que se fêz privilegiada pela educação, não se vê mais em condições de poder custear e manter, para os filhos, o seu sistema escolar. Empreende-se então um movimento para dar-lhe regalias públicas, sem perda do seu caráter privado, nessas regalias incluída a de participar da direção do ensino e a de poder substancialmente ser mantido com recursos públicos. Mantém-se, dêste modo, o caráter aristocrático da educação nacional, passando os recursos públicos a ser utilizados para a conservação da nova classe média. A própria divisão igualitária dos recursos federais para a educação superior, média e primária, que se apresenta como progresso democrático, só ilude a quem deseja iludir-se. Sendo de 12 milhões o número de crianças de escola primária, a quem se deve educação e de 6 milhões o número de alunos matriculados; de 1 milhão o número de alunos da escola média; e de 70 mil, o de ensino superior, - a divisão dos recursos em partes iguais só engana quem deseja enganar-se. Na realidade, está-se ajudando o ensino médio seis vêzes mais do que o primário e o superior cêrca de mil vêzes mais>>.

DESINTERÊSSE DO PODER PÚBLICO

<<As tendências que vão ser fortalecidas pela nova lei - prossegue - serão as do desinterêsse do poder público pela educação, do fortalecimento da iniciativa privada, da preferência pela educação da classe, da expansão da educação para os já educados, ou seja a expansão, sem plano, das formas de educação mais aptas a promover certo <<aristocracismo educacional>>, eufemismo com que encobrimos a educação para o lazer, o parasitismo burocrático e a promoção de <<status social>>. Não é difícil demonstrar como irão tais tendências ser exaltadas. Comecemos pela do desinterêsse do poder público pela educação. Sabemos quanto é velha essa tendência. Não se registra, na história do país, um só govêrno, local ou nacional, que tenha dado real importância à educação, se tal considerarmos tê-la considerado meta fundamental. Sempre foi assunto para discursos, nunca, porém, para a ação dominante de qualquer govêrno. Por isto mesmo, tem-me intrigado a alusão, várias vêzes repetida, de certa imprensa, à <<honestidade intelectual>> que teria presidido a elaboração do novo substitutivo, em seu esfôrço de impedir o monopólio da educação pelo Estado>>.

NOVA LEI RESTAURA O ÊRRO

Examina, a seguir, o espírito do contexto de Diretrizes e Bases: <<Em que época, em que província, em que Brasil enxergou alguém da Subcomissão êsse perigo? Se realmente, fôsse de honestidade intelectual o espírito orientador do substitutivo, êste deveria bater-se pela caracterização do dever do Estado, jamais cumprido, de dar educação ao povo brasileiro. Ao invés disto, o substitutivo cria o <<fantasma>> do monopólio estatal da educação e impregna o texto do projeto de dispositivos destinados a coibir a ação do Estado. É evidente que não se estimulará, dêste modo, a consciência do govêrno senão para que não intervenha, para que deixe ficar, para o <<laisser faire>> mais desembaraçado no campo da educação. Dir-se-á que exatamente isto é o que deseja. Tôda intervenção do govêrno é perigosa. Muito bem. Não se diga, porém, que a lei se destina a dar, afinal, educação aos brasileiros. A nova lei destina-se exatamente a impedi-lo, restaurando, justificando, santificando, enfim a tradicional resistência do Estado a cumprir o seu dever constitucional de abrir escolas>>.

N. da R. - Amanhã, dando prosseguimento à publicação da entrevista que o diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos concedeu ao <<Diário de Notícias>>, focalizaremos mais dois pontos: o monopólio estatal e a discriminação social na escola privada.

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