O ESTADO DE SÃO PAULO. Educação popular e privilégio. O Estado de São Paulo. São Paulo, 18 ago. 1957.

Educação popular e privilégio

O problema da educação popular não recebeu ainda em nosso País a devida atenção por parte dos poderes públicos. Este descaso não teria nenhuma significação se os índices estatísticos oficiais não demonstrassem que até agora houve desproporcional crescimento das escolas superiores e médias em relação á instrução elementar. Constitui melancólico sintoma saber que a administração republicana, apesar de seus quase setenta anos de experiência, não encontrou ainda a fórmula capaz de resolver questão sobre a qual repousa, de certa forma, o destino das instituições democráticas. A instrução elementar sempre foi, na vida dos povos ocidentais, o instrumento por excelência da edificação dos costumes políticos mais nobres. Os pedagogos e filósofos que nela tanto acreditaram julgaram que com a simples difusão, em larga escala, do ensino primário, impregnado de calor cívico, se resolvessem todas as questões referentes ao progresso humano, embora seu significado complexo e quase transcendente desafiasse a inteligência das pessoas mais esclarecidas. O progresso social e econômico nos dois últimos séculos tem sido de tal ordem, que nos povos mais adiantados o problema da instrução elementar não se resolveu ainda de forma conveniente.

Alguns teóricos pensam que os deficientes índices da expansão da escola elementar brasileira exprimem, no fundo, mal disfarçados interesses de classes. O sr. Anísio Teixeira, por exemplo, acredita que a escola brasileira cria privilégios. Numa de suas conferências, o ilustre educador afirmou que "no ensino primário vamos encontrar a nossa tendência visceral para considerar a educação um processo de preparo de alguns indivíduos para uma vida mais fácil e, em rigor, privilegiada". No seu raciocínio pondera e conclui o autor do livro recente - "Educação não é privilégio": "Se considerarmos o analfabeto, como seria lícito considerar, um elemento mais negativo do que positivo na população, a situação brasileira, do ponto de vista da educação comum, tornou-se em 1950 pior do que 1900. Mas, se tomarmos o ponto de vista de que o processo educativo é um processo seletivo, destinado a retirar da massa alguns privilegiados para uma vida melhor, que se fará possível exatamente porque muitos ficarão na massa a serviço dos educados, então o sistema funciona, exatamente porque não educa todos mas somente uma parte".

Nas cruas ponderações do prof. Anísio Teixeira se encontram muitas verdades. Realmente, o descaso das administrações federais e estaduais na solução dos problemas das instrução popular merece não apenas um longo capítulo de estudo, mas também um veemente e revoltado protesto dos que ainda acreditam na sobrevivência de nossas débeis instituições republicanas. Não nos parece, entretanto, que as omissões oficiais valham como expressão dos interesses de classes. Pior do que a falta de uma massa esclarecida, falta que constitui quase sempre o principal fator do desequilíbrio injusto das disputas eleitorais, é a ausência de uma "liderança" capaz, "educada", e sobretudo vigilante. A educação popular, assunto de transcendental significação na vida brasileira, não mereceu até agora atenções mínimas por parte dos poderes federais. Ninguém ignora que desde 1946, com a constituição, se reafirmou a idéia de um plano de educação nacional. O projeto de diretrizes e bases elaborado no governo do general Eurico Gaspar Dutra não encontrou apoio em nossas casas legislativas. Todavia, desde 1946, até agora, não faltou auxílio a todas as espécies de empreendimentos relacionados com o ensino secundário e superior. Multiplicam-se, em todos os recantos do País, escolas médias, principalmente ginásios, colégios, e também os institutos de ensino superior; as classes rurais, as escolas isoladas e reunidas, os grupos escolares - a instrução elementar, enfim - se encontram no ano de 1957 quase tão desamparados como se achavam no alvorecer do regime republicano.

A questão da difusão das escolas elementares no Brasil é fundamentalmente um problema de verbas. Parece que foi Oscar Thompson que há trinta ou quarenta anos disse a mesma coisa. Atualmente, verbas e recursos financeiros existem. Faltam apenas órgãos suficientemente idôneos para distribuí-los de modo que a instrução elementar seja efetivamente a base da organização política nacional. As omissões governamentais criam nos espíritos a falsa idéia de que nosso sistema de educação foi feito para favorecer a alguns indivíduos afortunados. A verdade, porém, é que nossas pseudo "elites" dirigentes, responsáveis diretas pela condução dos negócios educacionais, são a principal causa da ignorância em que se encontram apreciáveis parcelas da população brasileira.

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