BASTOS, Zélia. Pioneirismo do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. A Tarde. Salvador, 7 jul. 1991. p.6.

Pioneirismo do Centro
Educacional Carneiro Ribeiro

Zélia Bastos

Vanitas, vanitatum et omnia vanitas - vaidade, das vaidades e tudo é vaidade, palavras do eclesiasto ...

Pura vaidade este ou aquele querer ser o criador da experiência em educação integral, com tempo integral de atividades em nível primário; planos, maquetes deverão inspirar os CIACs, baseados nos CIEPs!

Mas a experiência única na época, na América Latina, é baiana, o baiano o criador e idealizador do Centro Educacional Carneiro Ribeiro - 1950, Dr. Anísio Teixeira, quando secretário de Educação, no governo do Dr. Octávio Mangabeira.

Realizar trabalho baseado em alguém, dando-lhe crédito, não desmerece em nada, muito pelo contrário, é sinal de respeito, profissionalismo, crescimento.

Há que se ter sempre um parâmetro. Ninguém constrói no ar. E o ato de criar muito mais é transpiração que inspiração.

A total desagregação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, de sua filosofia educacional e pedagogia, hoje é uma realidade. Decorrência da omissão da Bahia.

Apesar de tudo, permanecem os prédios, permanecem as plantas arquitetônicas em arquivos, como documentos comprobatórios de criação e construção, 1950.

O projeto de construção do centro, elaborado e centralizado no escritório do Dr. Paulo Assis Ribeiro, com a colaboração dos arquitetos Diógenes Rebouças e Hélio Duarte, sob a supervisão do Dr. Pereira Neves, acompanhando toda a construção, contava com quatro Escolas-Classe, de nível primário, para mil alunos em cada uma, com funcionamento em dois turnos, e uma Escola-Parque, para as práticas educativas e para os mesmos alunos, em horário diverso da Escola-Classe, mantendo-os em um dia completo educativo.

Um dos setores, o socializante, dos mais abrangentes: com banco, jornal, correio, rádio, grêmio e loja, realizando atividades que levavam às crianças a comunicação, socialização, autonomia, iniciativa, responsabilidade e cooperação, atualmente com funcionamento diverso, transforma hoje a escola em lugar-comum.

Mais uma vez, o patrimônio é mutilado, com a derrubada de uma parede e, o que é pior, de um painel de azulejo, para dar lugar a uma lanchonete ou coisa que o valha, comprometendo o plano da construção original; o centro já possui uma cantina com uma área de 1.200m2, totalmente equipada, e uma panificadora elétrica instalada. Triste Bahia! Triste País!

Não poderei entrar em detalhes, tudo estava pronto. Mas a dificuldade é colocar a escola em funcionamento, é a estrutura organizacional que não engrena. Até 1974, a qualificação do professor para atender à diversificação do ensino era notória. Professores primários comuns para as Escolas-Classe e professores primários especializados para dança, música, teatro, biblioteca, educação física e artes, sob a orientação, conhecimento e o carisma que impunha a diretora geral do centro, professora Carmen Spínola Teixeira.

Cito neste relato, que faz parte de um ensaio ou notas sobre o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, o meu ingresso, o meu início, o meu começo, o meu testemunho e a minha experiência participativa no campo educacional do que vi e aprendi neste centro de educação.

Hoje, após 17 anos de desligamento e não de afastamento do centro, posso repetir, escrever e documentar a realidade vivida.

Este foi o curso da história, confundindo-se com o sofrimento e a amargura da derrocada desta obra, mas que neste caminhar faz conservar claramente as idéias, a filosofia e a experiência em educação popular, jamais vistas no Brasil.

Não adianta intenções, atos solenes etc., se indicam pessoas para dirigir instituições alheias à causa, sem profissionalismo, sem pragmatismo, somente partidárias, incompetentes, populistas, que conduzem o povo ao mais alto grau de ignorância, muito fácil de ser manipulado, dominado, subordinado nesta democracia, cerceando até seus direitos constitucionais.

"... o medo e a ignorância, as duas armas dos fanáticos em toda a parte ..." (Anísio Teixeira).

"Um país sem ensino secundário, nem universitário - um país sem moralidade de idéias, com uma vida social sem lógica, sem ordenação, sem sentido ideológico. Esse aspecto se revela em nossa usual observação que nada tem conseqüência no Brasil, e no espanto do estrangeiro ante o sentido diverso que fatos e atos têm aqui entre nós. É a base sentimental e não intelectual".

"No Brasil aplaudem-nos, mas, no fundo, não nos aceitam".

Idéias e ação não lhes faltaram na implantação de centros de pesquisas e estudos (INEP-Crinep-Capes), com vistas ao aperfeiçoamento do magistério, acreditando que só educadores bem-formados e atendimento escolar às crianças dos sete aos 14 aos poderiam modificar o quadro educacional do País.

Mas esta experiência não foi a única pioneira na Bahia. A Escola de Demonstração, do Crinep - bairro da Federação - Bahia - 1956/1962 - fechou as portas, após seis anos de total sucesso com a desgraduação escolar, experiência totalmente nova na Bahia, também sob a direção da professora Carmen Spínola Teixeira.

Este é o registro de um passado bem próximo. E o futuro, o que será? Já estamos bastante atrasados, escolas ultrapassadas, desaparelhadas, atividades obsoletas, até o centro que deu certo por mais de 20 anos retrocedeu.

O que espera este país?

Na filosofia da Sísifo - "o terrível castigo do trabalho inútil …" e os tempos ácidos de que nos fala Dr. Anísio.

Alegam falta de recursos para a execução do trabalho no Centro Educacional Carneiro Ribeiro e demais escolas, ao passo que sobram verbas para os aumentos do Parlamento, que orçam em bilhões de cruzeiros, país que sustenta uma das políticas mais caras do mundo. Os representantes do povo, escolhidos pelo voto direto, estão em disponibilidade de suas funções, percebendo por várias fontes (maioria). Legislam em causa própria, exemplo - suas aposentadorias são "sui generis"; imunidade total. Ser político neste país é ter ótimo emprego! Sua plataforma política em época de eleição é a realidade do País, mas sua ação ao tomar posse é outra. Apenas paliativos.

Ou exigimos educação para o povo ou este passa a ser "apenas um detalhe".

Está claro que só se poderá oferecer a escola primária e que não será de tempo parcial e sim de tempo integral, para alunos e professores, com salários dignos.

Falta ação e não recursos financeiros, para criar condições de atendimento realização maior, que é a educação do povo brasileiro.

Há esforço ou empenho de alguns segmentos da sociedade, mas o que se reivindica é a prioridade para a educação. Seja com a proliferação de escolas primárias e manutenção das mesmas, com salários decentes para os professores, mantendo-os em tempo integral de atividade, para que não necessitem sair em busca de complementação salarial para sobreviver. Não é possível que se mantenha um professor primário com o inicial de CR$ 18.000,00 - vergonhoso.

Nenhum esforço será maior do que a reconstrução da escola primária. Que se multipliquem centros de educação nos moldes do Centro Educacional Carneiro Ribeiro em todo o país, em benefício do seu povo.

O Brasil não pode ser comparado aos países do Primeiro Mundo. São outras as nossas realidades, nossas contradições, nossas desigualdades (educação, saúde e habitação), nossas distâncias físicas (dois brasis), culturais, psicológicas etc. Se há avanço ou renovação política, esta também deverá ser meta da restauração educacional.

Há que se entender a educação como um direito de todos. Um direito do povo, este mesmo povo que elege os dirigentes desta Nação. É a partir da escola primária que outros degraus poderão ser galgados e é dela que depende a estabilidade do País.

Cabe mais uma reflexão sobre as palavras do mestre, quando se refere à educação primária como a mais importante das escolas:

"As escolas superiores estão se espalhando por todas as capitais do País e começam a surgir também nas demais cidades. Essa febre de escolas superiores seria, talvez, apenas mais uma manifestação de nossa fabulosa energia improvisadora, se fossem escolas livres, sem sanção legal, tentando elevar, de qualquer modo, o nível cultural do País... O caso, porém, é muito mais grave. Não sendo livres, mas resultado de ‘concessões públicas’, todas elas são escolas do Estado, diplomando doutores com os mesmos direitos dos doutores de nossas melhores escolas.

São pois, em vigor, uma inflação pela qual o Estado brasileiro vem emitindo cultura por decreto...".

Faria hoje 91 anos que chegou, nos ensinou e partiu com a mesma transitoriedade que é a própria vida.

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