AZEVEDO FILHO, Leodegário de. O pensador da educação. Reedição da obra de Anísio Teixeira prega educação de base. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 3 maio 1995.

Reedição de obra de Anísio Teixeira prega educação de base

O pensador da Educação

Leodegário de Azevedo Filho

A editora da UFRJ, graças à lucidez e à seriedade de propósitos do atual reitor, Paulo Alcântara Gomes, está empenhado em publicar as obras de Anísio Teixeira, a começar por "Educação não é privilégio", em sua quinta edição, volume organizado e comentado por Marisa Cassim, em 1994. Os demais títulos são: "Educação é um direito"; "Educação no Brasil"; "Educação e mundo moderno", "Educação para a democracia"; "Educação progressiva - uma introdução à filosofia da educação"; "A educação e a crise brasileira"; "Ensino superior no Brasil"; "Cultura e Tecnologia"; "Diálogo sobre a lógica do conhecimento"; "A universidade e a liberdade humana", e "Em marcha para a democracia".

Na parte introdutória escrevem Darcy Ribeiro, Afrânio Coutinho e Marisa Cassim, além de uma nota explicativa assinada pelo próprio Anísio Teixeira por ocasião da segunda edição do livro. O texto de Marisa Cassim é rico em informações, enquanto os depoimentos de Darcy Ribeiro e Afrânio Coutinho são comovedoramente humanos e repletos de admiração pela obra admirável de Teixeira, tragicamente desaparecido.

Darcy Ribeiro chega a escrever: "Tamanho e tão frondoso era o saber de Anísio Teixeira, que ele, muitas vezes, parava, incapaz de optar entre as linhas de ação que se abriram à sua inteligência. Nessas ocasiões, eu, em minha afoiteza, optava por ele, que, malvado, dizia: 'Darcy tem a coragem de sua inciência'. " E tal coragem, acrescentamos nós, sempre caracterizou os atos do atual senador até os nossos dias, não é verdade? Já o prefácio de Afrânio Coutinho, em sua sinceridade de expressão, é bem um hino de admiração pelo pensamento do grande educador, para que no Brasil se mantenha, ou melhor, se possa dar continuidade à extraordinária obra de idéias e de ação de Anísio Teixeira. No fim do volume, com o significativo título de "Prioridade número um para a educação popular", Clarice Nunes revê a obra teórica e prática daquele notável educador brasileiro, que tanta falta nos faz, exatamente neste momento em que a educação no Brasil não tem comando. Teixeira nos faz falta, como nos faz a do lucidíssimo M. B. Lourenço Filho, ou de um Fernando de Azevedo, de um Almeida Jr.

Resistência aristocrática

Em seu tempo, ou seja, antes da chamada Revolução de 64, quase todos foram incompreendidos. Basta dizer que a incultura nacional chegou a confundir, com interesses escusos, o pragmatismo de John Dewey com (não se espantem!) comunismo, ou práticas marxistas. Acusaram Anísio Teixeira de querer estatizar o ensino e vozes suspeitas passaram a defender os interesses das escolas particulares ou privadas em todos os níveis, pois habituadas estavam a receber gordíssimos subsídios dos cofres públicos.

Houve, bem dizer, uma guerra contra as idéias renovadoras de Anísio Teixeira, que tudo enfrentou com altivez, competência e dignidade. O grande Anísio, como diz Afrânio Coutinho, o homem que teve o saber e a coragem de distinguir, diante da situação educacional brasileira, os conceitos de educação seletiva, para a formação de elites, e de educação comum, para a formação do cidadão comum num regime democrático.

No Brasil, entretanto, as resistências aristocráticas jamais permitiram que a escola pública ou a escola de educação comum se realizasse plenamente, razão pela qual toda a nossa educação se conservou seletiva e de elite. Como solução, será preciso conceber um sistema administrativo capaz de casar as vantagens da descentralização e da autonomia com a integração do poder municipal no estadual e deste no federal, todos basicamente comprometidos com a educação popular. Ao contrário de Lourenço Filho, que era mais um teórico que um prático da educação, Anísio Teixeira também era prático e sempre colocou, nos cargos administrativos que exerceu, como no caso do INEP, o sentido pragmático das coisas.

Já se disse que, no mundo em que vivemos, ou marchamos logo para a educação do povo ou, então, para o caos. A obra inteira de Anísio Teixeira está aí, viva e atualíssima: é preciso, entre outras providências inadiáveis, estabelecer as bases de uma educação comum para o povo. Há necessidade urgente de uma nova política educacional, em que a escola pública seja realmente gratuita e obrigatória em todo o território nacional; urge a emancipação popular pela educação; é inadiável o problema de formação do magistério; e que se cuide, antes de tudo, da dignidade do professor.

Magistério abandonado

O último item das principais preocupações do pensamento de Anísio Teixeira, aqui mesmo no Estado do Rio de Janeiro, onde ele viveu, hoje entraria em choque com esta realidade triste e infamante: um antigo professor catedrático do Instituto de Educação , que para lá entrou por força de concurso público de prova e títulos, com defesa de tese, está reduzido a professor Nível 1. Depois de mais de 30 anos de serviço, ele recebe, em termos líquidos, a irrisória importância mensal de R$ 243,40, sem que o Governo Marcelo Alencar - já que outro não fez nada - tenha tomado qualquer providência no sentido de corrigir tamanha injustiça.

Como é evidente, os professores em tal situação não poderiam deixar de receber, no mínimo e em termos líquidos, um valor equivalente a dez salários mínimos. E ainda seria muito pouco, levando em conta os serviços que tais mestres prestaram à causa da educação ao longo de mais de três décadas. Deus salve o Rio de Janeiro, para que a fome do magistério não se associe, equivocadamente, à cólera das legiões.

Em suma, todo o planejamento deixado por Anísio Teixeira em relação às metas da educação no Brasil, bem como os mecanismos de transmissão da cultura sistematizada nas escolas, além de outros processos por ele apregoados e defendidos, deve ser retomado e criticamente reexaminado à luz da realidade brasileira atual. Deve-se fazer da educação popular o compromisso máximo de todo e qualquer governo realmente sério e democrático.

Mas sem demagogia, ou, pelo menos, com a substituição da demagogia eleitoral - que tanto tem explorado as coisas da educação - pelo senso pragmático e sólido de um sistema de fato operacional e abrangente, a partir da base obrigatória da educação de primeiro grau para todos os brasileiros, estejam onde estiveram, em qualquer ponto do Brasil.

E nos resta esperar que a publicação do plano geral das obras de Anísio Teixeira, que a visão democrática do reitor Paulo Alcântara Gomes vem pondo em prática, possa despertar a consciência adormecida dos homens públicos brasileiros que ainda não estão convencidos de que - e assim pensava Miguel Couto! - a educação é o primeiro problema nacional.

E continuará a sê-lo, até que a escola pública seja universal e gratuita, como queria o saudoso Anísio Teixeira, com prioridade para o ensino primário, do que dependem todos os outros.

Leodegário de Azevedo Filho é doutor em Literatura Portuguesa da UFRJ

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