CORÇÃO, Gustavo e outros. Pais e governo pensam no problema do ensino em termos totalitários. O Globo. Rio de Janeiro, 13 mar. 1958.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

PAIS E GOVÊRNO PENSAM NO PROBLEMA DO ENSINO EM TÊRMOS TOTALITÁRIOS

O Pai Não Escolhe a Escola, Mas o Bairro - Foi Como se Manifestou Gustavo Corção Acêrca do Recente Pronunciamento do Arcebispo do Rio Grande do Sul, D. Vicente Scherer, Que, Denunciando a Existência de um Grupo Materialista do Ministério da Educação e Cultura, Condenou a Tendência Para a Escola Laica - Manifestam-se Também os Professores Clóvis Monteiro, Alcântara Nogueira, Enéias Martins de Barros, Gonzaga Gama Filho e Bayard Demaria Boitex

EM RECENTE discurso, o Arcebispo de Pôrto Alegre, D. Vicente Scherer, insurgindo-se contra o que chamou de orientação materialista do ensino em nosso País, denunciou que "um grupo poderoso, instalado no Ministério da Educação e Cultura, está promovendo não só o laicismo do ensino mas também a laicização e o materialismo da vida". O Arcebispo, em suas críticas, citou o nome do Professor Anísio Teixeira como sendo a figura central do referido grupo, de vez que apresenta a "escola pública universal e gratuita para remédio da educação no Brasil". Em declarações a O GLOBO, o Professor Anísio Teixeira julgou injustas as acusações que lhe foram feitas, já que, como afirmou, não advoga o monopólio da educação pelo Estado, mas pensa que todos têm o direito à educação pública, e sòmente os que quiserem é que poderão procurar a educação privada.

Existe a Tendência

O GLOBO promoveu uma "enquête" em nossos meios educacionais sôbre o assunto. Gustavo Corção, que últimamente tem escrito diversos artigos condenando nosso atual sistema educacional, disse-nos quanto à existência ou não do referido grupo:

- Não sei se existe essa tendência consciente, isto é, se existe uma conspiração com essa intenção. Mas, o fato é que existe a tendência. Todos pensam no problema do ensino em têrmos totalitários. A tendência é geral. Pais e autoridades estão pensando dessa maneira.

- Quer dizer, então, que não temos liberdade de ensino? - observamos.

- Não. As escolas, ainda que não sejam tôdas do Estado, são tôdas marcadas, até o mínimo detalhe, pelas diretrizes do Estado. Só não são rigorosamente iguais na medida que os dirigentes tenham a coragem de transigir, e é essa, às vezes, a tênue esperança que resta ao pai de família consciencioso. São iguais nos currículos, nos programas, nos horários, nos critérios de promoção e até nas provas.

- O pai - frisa - não escolhe, pois, a escola, mas o bairro. O colégio é um só. Ao pai não cabe nem dar palpite. O êrro, portanto, do ensino brasileiro está nessa uniformidade.

Perguntamos ao Sr. Gustavo Corção se está de acôrdo com os que advogam a educação secundária oficial e gratuita.

- Quantos defendem êsse ponto de vista - disse - estão pensando cada vez mais em têrmos totalitários. A cultura que a humanidade conseguiu não foi conquistada dessa forma, mas pela livre iniciativa. A ação do Estado brasileiro, no setor educacional, tem-se limitado a dirigir e atrapalhar.

Nada Contra a Religião

O Professor Clóvis Monteiro, do Colégio Pedro II, declarou que, nesse estabelecimento, onde existem cêrca de sete mil alunos, há o ensino religioso, e seus alunos fazem a páscoa todos os anos. Adiantou que nunca chegou ali qualquer influência contrária ao ensino religioso e que os programas do Colégio, organizados pela Congregação e aprovados pelo Ministério da Educação e Cultura, nada têm contra o ensino da religião.

- Sou - finalizou - inteiramente dos que pensam que o Govêrno deve prestar assistência ao povo. É dever do estado. Os particulares devem procurar fazer melhor do que o Govêrno, para terem a preferência dos que podem pagar os colégios, que, aliás, são poucos. Essa foi a política que defendi quando fui Secretário de Educação do Distrito Federal, tendo contado com o apoio do General Mendes de Morais, que criou quatorze ginásios.

O Ministério Não Pode Influir

Opinião do Professor Alcântara Nogueira, da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas e da Faculdade de Economia do Rio de Janeiro:

- Parece-nos - diz êle - que o ilustre Arcebispo D. Vicente Scherer está fora da realidade brasileira, porque o nosso Ministério da Educação e Cultura, estruturado como está, jamais poderia influir na educação nacional, dando uma orientação diversa daquela em que se exercita o nosso ensino e que, infelizmente, está completamente afastado do mundo cultural em que vivemos. Com efeito, as coordenadas em que se baseiam as atividades do Ministério, já o dissemos certa vez, são de caráter que contradiz as condições sociais e culturais do Brasil de hoje.

E sôbre a ação dêsse grupo que, segundo o Arcebispo, estaria influenciando o Ministério:

- Ora, seria uma contradição inexplicável admitir que um Ministério de idéias conservadoras, como é o da Educação e Cultura, tivesse em seu seio elementos capazes de influir objetivamente na orientação do ensino, inclusive dando-lhe determinada orientação filosófica e dirigindo-o no sentido de torná-lo monopólio do Estado. Ao contrário, o que faz o Ministério é, praticamente, cruzar os braços ao ensino nacional e deixar que os colégios na sua grande maioria, sejam autênticas bancas comerciais. S. Exa. Revma., o Arcebispo D. Scherer, certamente desconhece o problema na vida prática, pois no Brasil, os estabelecimentos de ensino, com exceções raríssimas e honrosas, oferecem instrução de qualidade muito aquém da desejável, pagando além disso, salários irrisórios a seus professôres. Tudo isso, diga-se de passagem, o Ministério da Educação e Cultura conhece, embora não procure modificar êsse estado de coisas.

Não há Hostilidade

- Pode-se falar em hostilidade oficial ao ensino privado? - indagamos.

- Ao contrário - prossegue Alcântara Nogueira -, o que existe é a tolerância do Ministério que, quase sempre, deixa que o estabelecimento de ensino se oriente segundo as suas conveniências. E a generalização dêsse fato é tão grande que, quando aparece a COFAP, congelando anuidades por motivos justos, um ilustre Arcebispo protesta em defesa dos colégios, querendo com isso afirmar que êsses vivem em situação financeira precária.

- E que nos diz quanto à acusação feita ao Sr. Anísio Teixeira?

- O Sr. Anísio Teixeira, conhecido como homem de grande saber em matéria de coisas relativas ao ensino - reponde êle -, tem influência limitada no setor da educação nacional em geral. A CAPES, onde êle atua, dedica-se especialmente à atividades de nível superior e sua influência não chega jamais a afligir as camadas secundárias e média do ensino. Se é certo que êle possui idéias que visam ao aperfeiçoamento da nossa cultura superior, em nível de compreensão moderna dos problemas explorados, isso não quer dizer que sua influência abranja um raio tão grande como pretende o ilustre Arcebispo.

Finalmente, quanto ao monopólio estatal de ensino, disse o Professor Alcântara Nogueira:

- Feliz seria êste Brasil, constituído de uma população que na sua grande maioria, sofre os horrores da pobreza humilhante, se o Estado tivesse força para dar instrução pública e gratuita aos milhões de filhos abandonados ao seu próprio destino. Seria, sem dúvida, a atitude sócio-política a que todos os que sofrem aspiram, mas seria também obra de solidariedade humana e de amor ao próximo que o ilustre D. Vicente Scherer, como cristão, mais do que ninguém, deveria desejar ardentemente que se concretizasse.

Estende-se o Ensino Religioso

- Quanto à questão da COFAP - iniciou o Professor Enéias Martins de Barros, diretor do Ginásio Municipal Visconde de Cairu -, embora considere tenha sido uma intromissão injusta e até ignóbil, não vejo como admitir responsabilidade por parte das autoridades do ensino, que acredito nada tenham a ver com a questão. Em relação às acusações de laicismo, como filosofia para a escola secundária, o que vejo é que proliferam os estabelecimentos religiosos dominando uma grande área do território nacional, recebendo apoio do próprio Ministério da Educação e Cultura, além de se permitir e estimular o ensino da religião, nos estabelecimentos de diferentes graus. Hoje, até faculdade tem ensino religioso obrigatório.

Quanto ao monopólio estatal da educação secundária:

- Desconheço qualquer atividade no Ministério da Educação e Cultura neste sentido. Penso, entretanto, que a escola gratuita, em face do problema econômico e financeiro do País, já é uma questão até de piedade cristã, além de ser um imperativo democrático por permitir oportunidade até às classes menos favorecidas.

E concluiu:

- O Professor Anísio Teixeira é um velho educador e um homem que, algumas, vêzes, não tem sido entendido nos seus ideais pedagógicos, embora dêle tenhamos que divergir muitas vêzes de maneira a mais enérgica.

O Govêrno Cumpre a Constituição

O Professor Gonzaga da Gama Filho, que também é vereador, afirmou-nos que a orientação do Ministério da Educação e Cultura, ao que lhe tem sido podido observar, é a que se coaduna com o espírito constitucional da liberdade religiosa.

- Acha que o ensino secundário deve ser gratuito?

- Ainda aqui cabe menção ao que expressamente expõe nossa Carta Magna: o ensino secundário será gratuito para quantos provarem insuficiência de recursos. Para garantir a vigência dêsse princípio, o Ministério só tem dois recursos: ou a criação de estabelecimentos oficiais ou a matrícula, por conta do Estado, em estabelecimentos particulares, de quantos estejam amparados pela letra da Constituição. Acredito ser a segunda hipótese a solução que, no momento, mais se identifica com a realidade brasileira.

E depois de dizer que considera o Professor Anísio Teixeira um educador com uma longa fôlha de serviços prestados à causa da educação nacional, disse que a escola, como pensa o Arcebispo, deve ser de livre escolha da família.

- Não se conformará jamais com o regime democrático - frisa - a idéia de que a família não pode, livremente, escolher a escola para seus filhos. A liberdade de opção de escola é absolutamente fundamental para a existência do regime que se assente nos ideais democráticos.

Discorda do Arcebispo

O Professor Bayard Demaria Boiteux discorda inteiramente do ponto de vista do Arcebispo de Pôrto Alegre.

- Estou - disse - em completo desacôrdo com as palavras do ilustre representante da Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Primeiramente, devo dizer que sou favorável à completa separação da Igreja do Estado nos moldes da Constituição de 91. Conseqüentemente, acho que não deve haver ensino religioso na escola oficial. O ensino religioso católico, protestante, positivista ou budista deve ser ministrado nos templos ou escolas das congregações religiosas. No que diz respeito à escola particular, julgo que deve desaparecer totalmente, pois a maior parte delas são organizações que visam a altos lucros e remuneram os professôres com salários ínfimos. É com tristeza que menciono um fato: no Brasil, os colégios que pior remuneram os mestres são religiosos. Penso, assim, que o Estado deve fazer todos os esforços para a criação de uma escola oficial laica e gratuita para todo o povo brasileiro.

- No que diz respeito às críticas do digno Arcebispo do Rio Grande do Sul ao Professor Anísio Teixeira - concluiu - estou também em desacôrdo, pois o considero um dos grandes mestres da Pedagogia.

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