JORNAL DO COMÉRCIO. Escola e oficina. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 30 nov. 1956.

ESCOLA E OFICINA

Pelo excelente boletim oficial CAPES, acaba de manifestar-se, mais uma vez, o Professor Anísio Teixeira, com aquela plena lealdade e aquela rígida franqueza, tão pouco de uso entre os chefes de quaisquer setôres do Estado, os quais preferem, em geral, atribuir-se milagrosas virtudes de catálise de ação aperfeiçoadora instantânea, nos respectivos campos de atividade.

De há muito dirigindo o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, êle compreendeu, como acêrto, que uma das principais funções dêsse órgão do nosso aparelhamento educativo era a de uma espécie de laboratório de estudos e de aferição, onde se manejassem tão somente os elementos apurados, seja qual fôr a sua expressão.

Eis porque não hesitou em fazer, no boletim, certas afirmações sôbre o estado do nosso sistema de educação, afirmações que, no caso, se podem, qualificar de corajosas, porque recusam os disfarces, circumlóquios e mesmo, até, mentiras com que a palavra oficial costuma dissimular a realidade das situações, por um mal entendido e mal aplicado amor próprio que não é senão outra modalidade da vaidade individual de cada responsável por qualquer serviço público.

Entretanto, o procedimento contrário não é mais do que uma forma de lealdade.

E essa lealdade é essencialmente indispensável no facilitar a solução de problemas que como os da Educação, não dependem exclusivamente da ação oficial isolada, mas também de todos quantos lidem com êles, o que impõe ao govêrno o dever de divulgar dados certos e esclarecimentos exatos.

Daí a informação referir-se ao "nosso sistema arcáico de educação, destinado ao preparo das nossas classes de lazer e de mando".

Por êle o que se procura é "prestígio" em lugar de "eficiência, pela educação".

Analisando a distribuição dos números de matrícula nos vários cursos, conclui o diretor do INEP:

"Tôdas as cifras são reveladoras da preferência manifesta pelo tipo de educação verbal, decorativa destinada a permitir a vida que não seja do comum do brasileiro e sobretudo em que não haja esforço manual. Os cursos industriais lá estão com menos de 3% de matrícula geral, o agrícola, com 1,1% e o comercial com 3%. O que todos procuram é o curso secundário acadêmico, preparatório ao ensino superior".

Muito de louvar-se é a iniciativa dessas revelações feitas por uma autoridade oficial que também é uma das mais acatadas da Educação Nacional, exarada num documento oficial como é o boletim CAPES.

A divulgação de tais informes e conclusões em nada diminui o prestígio da autoridade oficial, antes só pode aumentá-lo, pela sinceridade leal com que se manifesta ao público.

De resto, na realidade, não se lhe pode atribuir responsabilidade pelas conseqüências de uma mentalidade formada por vários séculos.

Entretanto, não está no estudante, de um modo irremediável, essa tendência, mais inculcada pelos pais, do que expontânea, deles.

Eu tive mais de uma prova disso, quando procurei aproximar e interligar aulas e oficinas, na Escola Souza Aguiar, esforço de que o Professor Anísio Teixeira foi o meu mais confortante estimulador.

Para não citar quantos praticaram comigo os mesmos princípios, na Escola Souza Aguiar, permito-me lembrar o saudoso educador Heitor Lira da Silva e o Professor Joaquim da Costa Ribeiro, atualmente uma das maiores autoridades mundiais em Física Nuclear.

Continuo pensando que talvez houvesse uma possibilidade de solução do problema, na aplicação do artigo 1º do Regulamento da Escola Souza Aguiar, de autoria principal do Professor Anísio Teixeira, regulamento que, infelizmente, foi arbitràriamente revogado, logo que o atual diretor do INEP deixou a Secretaria Geral de Educação da Prefeitura.

Eis o que consta dêsses artigo 1º e de seus três primeiros parágrafos:

Art. 1º - A Escola Secundária Técnica Souza Aguiar tem por fim promover, a partir de uma base correspondente ao ensino ministrado no atual 5º ano primário, a educação integral de adolescente, visando fins de eficiência social e procurando atingir progressivamente o alcance de matéria dos cursos secundários.

§ 1º - Para êsse objetivo os programas obedecerão à mais completa interpenetração possível, incluídos neles, necessàriamente, os ofícios fundamentais da indústria humana considerados menos pelos seus fins industrialmente comerciais, do que pelos seus fundamentos técnicos e educativos.

§ 2º - As oficinas serão consideradas como laboratórios de ciência aplicada.

§ 3º - Não se ensinarão, nas oficinas, pròpriamente, ofícios, mas, sim, o manejo das ferramentas e máquinas-ferramentas fundamentais do trabalho da madeira, metal e massa plástica e tôdas as aplicações de mecânica às utilidades humanas de uso cotidiano, visando proporcionar, em vez de uma especialização restrita, a mais larga base possível de liberdade de escôlha da profissão e de uma eventual mudança".

Como regime geral, é claro que não conviria, porque a transição seria muito violenta.

A coisa poderia ser feita numa escola, como laboratório de uma experiência, tal como, ao que me parece, foi a intenção do Professor Anísio Teixeira, com a Souza Aguiar.

Existem provas convincentes do bom resultado da experiência feita, nesta Escola.

Mas essas provas não tiveram a divulgação que seria útil e esclarecedora.

Ficaram sepultadas em relatório que nem os próprios destinatários leram, com certeza.

C. F.

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