CORREIO DO POVO. Nova manifestação de D. Vicente Scherer. Correio do Povo. Porto Alegre, 18 maio 1958.

Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

NOVA MANIFESTAÇÃO DE D. VICENTE SCHERER:

GRADUADOS FUNCIONARIOS DO MINISTERIO DA EDUCAÇÃO

DIFUNDEM FILOSOFIA EDUCACIONAL INTEIRAMENTE AGNOSTICA E

MATERIALISTA

Por ocasião da inauguração da escola primária Nossa Senhora de Fátima, na localidade de Relvado, município de Encantado, o arcebispo metropolitano, d. Vicente Scherer, pronunciou o seguinte discurso que é, pois, a última manifestação de s. excia. revdma. a propósito da filosofia da educação no país: - "Os membros desta comunidade, constituida de 1.200 famílias, todos modestos agricultores, têm hoje a satisfação de ver realizada uma antiga aspiração. Estamos inaugurando solenemente o belo edifício da escola paroquial, com amplas e iluminadas salas de aula e convenientes acomodações para a residência das bondosas irmãs da Divina Providencia que dirigirão, com dedicação e competencia bem conhecidas, o novo estabelecimento de ensino primario desta zona rural.

Interesse pela educação cristã

A laboriosa população deste distrito vive entregue ao trabalho duro e fatigante do cultivo de terra em suas pequenas propriedades. As extensas plantações de trigo e os numerosos rebanhos dão conta dos esforços persistentes dos agricultores para melhorarem sua situação material e assegurarem às suas famílias bem-estar e relativa tranquilidade economica. Este magnifico predio escolar, erguido com as generosas contribuicões de todos, testemunha sua nítida compreensão e o seu interesse operoso pela instrução e pela educação cristã dos filhos.

Ao contato do povo simples, como este, que constroi e mantem escolas particulares, para propiciar às novas gerações solida instrução e aprimorada formação segundo os ideais do evangelho e da pedagogia cristã, melhor ainda se compreende quanto andam afastados das verdadeiras aspirações de nossa gente os doutrinadores que pretendem orientar o ensino brasileiro segundo as normas peregrinas de um materialismo negador das realidades que transcendem o limitado alcance da percepção dos sentidos. É precisamente o que assinalam os bispos do Rio Grande do Sul em memorial endereçado recentemente ao senhor presidente da República.

Orientação materialista

O grupo de graduados funcionarios do Ministerio da Educação, que denunciamos, em suas publicações difunde uma filosofia da educação inteiramente agnóstica e materialista, identica, nos seus pontos essenciais, aos princípios com que os autores socialistas procuram fundamentar o seu sistema de reformas políticas, economicas e sociais.

Encerrando sua obra "Educação Progressiva" (Cia. Editora Nacional, 1954, pg. 179) diz, com razão, o sr. Anísio Teixeira: - "A simples indicação desses problemas demonstra que o educador não pode ser comparado a nenhum tecnico, no sentido usual e restrito da palavra. Ao lado da informação e da tecnica, deve possuir uma clara filosofia da vida humana, e uma visão delicada e aguda da natureza do homem." Ora, a filosofiada educação, que adotou e procura difundir o sr. diretor da CAPES e do INEP, é a de um insanavel materialismo, absolutamente incompatível com a concepção cristã da vida. Já o declara explicitamente o autor na "Nota do Autor" que figura como prefacio: "O pensamento do autor não tem preocupações de originalidade. Filia-se aos educadores e, mais diretamente, ao do grupo que reconhece, como sua princiapal figura, a do filosofo John Dewey".

Posição ideologica de J. Dewey

Ora, Dewey, com Natrop, Bergemann, Kerschensteiner e Durkheim, são os representantes principais da corrente pedagogica no socialismo que coloca a comunidade no centro da vida; o individuo, a pessoa, segundo essa doutrina filosofica, figura como coisa acessoria e produto da sociedade. Semelhante teoria nega a existencia de verdades fixas e imutáveis e considera a religião um fenomeno passageiro dependente das condições economicas e culturais em que vive o homem. Tanto vale a religião cristã como as magias e surpertições dos povos barbaros. O socialismo contemporaneo representa a queixa e o protesto da sociedade contra os abusos e as desordens do regime individualista. O unilateralismo de carater individualista gerou outro, de natureza socialista: "abyssus abyssum invocat" (sl. 41,8), um abismo chama outro abismo. O individualismo e o socialismo são, um e outro, unilaterais e, por conseguinte, não têm olhos para ver a realidade total do homem, com seu destino temporal e eterno, nem para compreender a essencia do cristianismo (Cf. de Hovre, Ensaio de Filosofia Pedagogica, ed. esp. Madrid, 11 vols. pags 93 a 250).

O êrro do individualismo está em arrancar o indivíduo de seu meio social e decompor a sociedade em seres inanimados, artificiais e abstratos. Não o individuo, como falsamente supõe este sistema, mas a pequena comunidade da família é o último elemento constitutivo da sociedade. O socialismo, por sua vez, reduz o indivíduo à sociedade. Não enxerga o destino pessoal característico do indivíduo, não reconhece que, apesar de sua dependencia vital, como membro do corpo social, o indivíduo possui uma finalidade propria que ultrapassa toda comunidade. Uma concepção organica da sociedade, como é a da filosofia cristã, proclama a interdependencia do individuo e da sociedade (Cf. O. C. pg. 155, 11 vol.)

Socialismo e liberdade de ensino

O pensamento filosofico de John Dewey é reconhecidamente materialista e contrario às verdades imutaveis que a religião cristã admite e demonstra como vindas de Deus. Esse pensamento se identifica com o sistema filosofico adotado pelos autores socialistas, inclusive os mestres Marx, Lenine e Stalin, para dar um fundamento doutrinario ao sistema economico, social e político que hoje se chama Comunismo. A idéia basica, a afirmação teoretica fundamental do Comunismo, a diretriz ideologica que move toda sua ação é o mesmo materialismo evolucionista, que chamam de dialético, segundo o pensamento e a terminologia hegeliana em que Marx se inspirou. Na estrutura da vida publica, arquitetada segundo este ideario, uma escola particular, alheia a este pensamento, não teria lugar e cabimento. O monopolio do ensino é um simples corolário contido nas premissas estabelecidas.

Nos escritos em que o sr. professor Anísio Teixeira expõe sua filosofia da educação, haurida, como declara, em John Dewey, estão expressos os dogmas fundamentais da escola do mestre americano. Veja-se, por exemplo, o capítulo V de "Educação Progressiva". Nele faz o autor uma exposição desfigurada da concepção cristã e da moral cristã, para contrapor-lhe a nova "moral científica" que será "uma consequencia dos conhecimentos positivos a que o homem vai chegar em fisiologia e em psicologia (4a. ed. pg. 128). Puro materialismo.

Abandono de Dewey nos EE. UU.

Na sua patria, a America do Norte, onde exerceu profunda influencia nas atividades educacionais, sofre Dewey atualmente criticas as mais severas e está desmaiando a sua estrela. Artigos publicados nas revistas "Life", de 31 de março e "Time", de abril, do corrente ano, por exemplo, atribuem à filosoia pedagogica de Dewey a materialização do ensino publico nos Estados Unidos com a consequente anarquia e deficiente aproveitamento nos estudos, o aumento alarmante de delinquencia infantil e outras falhas na conduta das gerações atuais. Uma arvore má, de seiva envenenada, não pode dar frutos bons.

Nossos propositos

Não era nossa intenção voltar a este assunto. Obrigaram-nos a tanto as criticas injustas e superficiais, feitas aos bispos rio-grandenses por pessoas mal informadas e pouco entendidas relativamente ao objeto e à significação de nossas advertencias e denuncias. Não pusemos em duvida as qualidades pessoais do sr. professor Anísio Teixeira e não discutimos seus esforços e projetos que visam ao aperfeiçoamento do ensino no Brasil. Em defesa da fé revelada, cuja penetração nos espíritos e na vida particular e publica consideramos o fundamento de todo progresso material duravel e da ascensão espiritual da criatura humana, apontamos e censuramos a filosofia inspirada nos principios do socialismo e do materialismo, que um grupo de altos funcionarios do Ministerio da Educação procura introduzir na escola brasileira. Respeitamos a laicidade do ensino que a Constituição do país adotou, mas não permitiremos que oficialmente se inspire às atividades pedagógicas a alma de uma filosofia agnóstica e anticristã.

A filosofia da educação, difundida por Dewey e encampada por A.T., está em radical e insanavel oposição com o cristianismo que a igreja catolica recebeu de seu divino Fundador e dos apostolos. A imortalidade da alma espiritual superior à materia, a queda original, a redenção, a vitalidade sobrenatural dos sacramentos, para só lembrar alguns pontos do nosso credo, não se conciliam com as diretrizes expressas nos livros dos funcionarios indicados. O sr. prof. A.T. há de ter sorrido dos seus amigos e subordinados que em manifestos de solidariedade o saudaram "defensor dos valores espirituais da civilização cristã ocidental" e o declararam excelente cristão. Pois, esta palavra ao menos segundo a significação comum, indica um homem de fé que aceita as verdades eternas, algumas incompreensiveis, reveladas pelo Verbo Incarnado, Christo Jesus Nosso Senhor.

Desaparecimento das classes sociais

Os adeptos da liberdade de ensino somos acusados de defendermos, em proveito proprio, privilegios de fortuna e a conservação das classes em que o dinheiro divide os homens. Repelimos a maldosa insinuação. Não tememos reformas sociais exigidas pela justiça e ajustadas às necessidades do bem coletivo. Somos os primeiros a reclamá-las. Ninguem mais que a igreja defende os direitos dos fracos e humildes, ninguem mais que ela proclama a necessidade de uma equitativa distribuição da riqueza e da difusão da cultura popular. Mas, nunca isto se conseguirá pelos metodos socialistas, a custa da liberdade humana e da supressão de direitos individuais e familiares.

Para onde vamos?

Perguntam-nos para onde caminham os catolicos (Cf. Afranio Coutinho, "Correio do Povo", dia 10.5.58). Não sentimos dificuldade em responder. Prosseguimos no unico caminho que conduz à plena realização dos destinos humanos na ordem temporal e eterna, fiéis à mensagem do evangelho para dar a Cesar o que é de Céar e a Deus o que é de Deus. A nossa marcha não se orienta pelas teoria frageis de um materialismo frio e inconssistente que nega as realidades transcendentes da Revelação e pretende dar a Cesar o que é de Deus.

Inaugura-se esta escola no 31º aniversario da aparição de Maria em Fatima. Possa este estabelecimento, como o fez naquela data a carinhosa solicitude da Mãe celeste, instruir no conhecimento e inflamar no amor da mensagem de Christo os alunos atuais e futuros, habilitando-os para as tarefas que os esperam como membros ativos da comunidade social e como integrantes devotados do Corpo Místico de Christo na comunhão dos santos."

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