MATTA, Raymundo. Nós, Anísio Teixeira e os outros. Diário de Notícias. Salvador, 25 jan. 1959.
EDUCAÇÃO E ENSINO
Nós, Anísio Teixeira e os outros
Raymundo Matta
Tenho dito e repetido em várias oportunidades que o problema da educação está exigindo muito mais de bom senso do que de certas tiradas "técnicas". E em matéria de bom senso, nêste País, sôbre os assuntos de educação quem está fazendo escola, realmente, é o sr. Anísio Teixeira. Uma prova disso foi aquela sua maneira de enfrentar e responder ás críticas que contra êle levantaram, tempos atrás, que no fundo não eram críticas, mas sim um artifício de interpretação infiel de seu pensamento em tôrno dos problemas da Educação.
Daí então os esforços de raciocínios e argumentações forçadas, ora tangenciando questões éticas e filosóficas de educação, já superadas, ou inadequadas á realidade social do mundo de hoje, ora fundamentadas em facciosismo aparentemente "técnico". E o sr. Anísio Teixeira matou a questão em dois tempos, com uma série de ítens intitulados "sou contra’ e "sou a favor", em que com objetividade e precisão bem raras disse o seu pensamento em matéria de Educação. E na verdade nenhum dos seus críticos seria ou será capaz de com a mesma sinceridade secundá-lo numa exposição idêntica, do que "são contra" ou "são a favor".
Mas, lamentàvelmente há uma crise de informação e formação em matéria de Educação. E disso tem-se prova no próprio "caso Anísio Teixeira" quando se verifica que tem sido um educador combatido, por alguns círculos patrocinadores da Educação, sem que os seus críticos, porém, saibam realmente o que êle pensa sobre Educação. O sr. Anísio Teixeira tem sido combatido muito menos pelo que êle próprio pensa sôbre Educação, do que pelo que seus "críticos", fundados em atitudes preconceituais, "pensam’ que êle pensa, ou "querem’ que seja o pensamento do ilustre educador brasileiro.
De alguns tempos para cá, tenho procurado averiguar isso, sobretudo nos nossos meios educacionais. Comumente encontro professôres e educadores que "são contra" o sr. Anísio Teixeira. Tenho tido o cuidado de levá-los a expôr suas idéias sôbre o que se poderia chamar de "testes do sr. Anísio Teixeira" sôbre Educação e curiosamente constato que, realmente, não as conhecem, ou apenas tomaram conhecimento de "citações isoladas". E o método que uso é muito simples: peço ao opositor que exponha o seu próprio pensamento sôbre Educação. Nesta voz, claro que o interlocutor se inflama e se entusiasma expõe as "misérias da Educação", para perorar, é claro com sua soluções. Mas, afinal, em que se resume o pensamento do ilustre crítico em termos de "sou contra e a favor?" Na maioria dos casos, ao mesmo esquema (naturalmente com imprecisões terminológicas ou algumas variações na identificação da problemática) do que se poderia chamar as "teses do sr. Anísio Teixeira"...
Tenho feito esta verificação com professôres, educadores e com homens públicos, de várias procedências doutrinárias. E então chegarei à conclusão de que, na verdade, o Anísio Teixeira combatido não é o Anísio Teixeira "real pedagogicamente", o homem que idealizou na Bahia o Centro Educacional Carneiro Ribeiro e iniciou o plano dos Centros Regionais, infelizmente não continuado em nosso Estado: o homem do Conselho Estadual de Educação; o homem que dinamizou o INEP e criou essa nova mentalidade de estudo e pesquisa para a Educação Brasileira, através o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Nem mesmo o homem das repetidas e seguidas conferências nas mais variadas entidades culturais, econômicas e administrativas do País, nem o autor de "Educação Não é previlégio".
O Anísio Teixeira combatido é outro: é um fantasma criado pela exaltação imaginosa (que há de ter profundas motivações emocionais) e pela distorção de um unilateralismo cultural que chega a ser doentio de seus adversários.
Mas, não é de estranhar tal coisa. A experiência do magistério normal já me autoriza a acentuar que a Bahia é responsável por isso, porque no seu mundo pedagógico, que deveria ter motivos de orgulho e vaidade do nome de Anísio Teixeira, é onde menos as "teses educacionais" do sr. Anísio Teixeira são conhecidas. Discutimos, hoje, as idéias de Rousseau e tantos outros, em matérias de educação, e passamos por cima do pensamento pedagógico vivo atual, que se há de construir à base da realidade brasileira e bahiana da escola. Sabemos muita coisa dos outros e muito pouco de nós mesmos. Não seria de estranhar isso, ainda mais quando 90% da nossa formação de magistério ignora aquela "pedagogia de Ruy Barbosa", que bem poderia representar a bandeira do nosso "nacionalismo" em educação.
E no caso do sr. Anísio Teixeira, por ser um homem da nossa geração, de quem se pode dizer "um santo de casa", mais do que natural. Por isso mesmo, com o sr. Anísio Teixeira, na Bahia, ocorre o mesmo que tem ocorrido com as nossas "riquezas históricas" e "nossas igrejas". Os que vêm à Bahia ou dela tomaram conhecimento de longe, pelas leituras e pela fama, indagam por coisas, riquezas e tradições que o bahiano, mesmo o de cultura média, aparentemente ignora, ou que a familiaridade e o hábito fizeram passar desapercebidas e sem valorização.
Às vezes, estranha e encanta observar como visitante, se embevecem apreciando a beleza do altar de São Francisco, que o comum da gente vê todo dia, com piedosa freqüência mesmo, mas que não se impregna daquêle embevecimento. O mesmo se dá com o pensamento de Anísio Teixeira em Educação. O conhecimento "de vista " ou "de trato" com o homem concreto, eclipsa a sensibilidade da gente para o homem-idéia, o homem pensamento e o homem realização. A familiaridade com as coisas educacionais, com o Centro, com a Escola Parque e com "aquela escola da Federação" como certa feita referiu-me uma professoranda, impede que se veja o que de "pedagógico" tudo isso representa.
No entanto, fora daqui e fora daqueles círculos dominados pelas atitudes preconceituais, o sr. Anísio Teixeira é conhecido e proclamado como um dos maiores educadores de nossos tempos. O projeto do Consêlho Estadual de Educação, que qualquer dos nossos ilustres legisladores menos reverente, e sem a menor auto-crítica, não hesitará em dizer que é bom, "mas..."teórico", ou que "não se ajusta à realidade", é estudado e referido, com respeito, por figuras exponenciais do magistério brasileiro, homens de estudo e tirocínio pedagógico. Suas "teses educacionais", são referidas com admiração.
E não é só no Brasil. No estrangeiro, também. Disse-me, certa feita, um professor paulista, que visitou a Europa procurando contacto com meios educacionais, ter passado momentos de aperto em vários centros, ante a curiosidade de professôres e alunos de escolas de educação sôbre "o que Anísio Teixeira estava realizando no Brasil". Foi submetido a verdadeiras sabatinas, sôbre o que (confessou) não estava preparado. Antes, nunca ligara para saber o que o sr. Anísio Teixeira, andara fazendo ... E, logo que voltou ao Brasil a primeira coisa que fez foi procurar informar-se de tudo, para evitar passar novamente tais apertos. Foi assim que êle ficou conhecendo a Constituição da Bahia e o projeto que hoje dorme na Assembléia ... E então concluiu enfático: Anísio representa, indiscutìvelmente, uma "escola" que vê o problema da educação em termos de uma grande carência de bom senso, nêste País.
Mas, o pior estaria por vir: é que nesta ocasião, e também eu não estava muito bem informado da "obra do sr. Anísio Teixeira", na Bahia. E o ilustre colega paulista começou a fazer indagações de como ia "isso e mais aquilo", se a Escola Parque já estava funcionando, se o plano de Anísio tinha sido seguido e começou a descer a detalhes tais que, por pouco não descobriu a triste verdade de que eu, bahiano e professor de cursos normais, com pretensões de estudioso de problemas educacionais, estava ali diante dele na mesma situação em que ele se encontrara na Europa, nas sabatinas sôbre Anísio Teixeira.
É preciso, pois, que os bahianos saibam disso, para que não se vejam também em momentos de aperto por desconhecimento da pedagogia de Anísio Teixeira, que é certamente o que se poderia chamar uma pedagogia de bom senso.
