ÚLTIMA HORA. Anísio Teixeira: "Nada podem fazer os educadores enquanto a constituição não for posta em prática". Última Hora. Rio de Janeiro, 16 jan. 1961.

ANÍSIO TEIXEIRA: "NADA PODEM FAZER OS EDUCADORES ENQUANTO A CONSTITUIÇÃO NÃO FÔR POSTA EM PRÁTICA"

Em importante estudo que acaba de oferecer ao exame dos educadores brasileiros sôbre o problema educacional na sociedade industrial de nossos dias, o Professor Anísio Teixeira, assinalando pesquisas realizadas por uma equipe de 78 especialistas e autores de 35 países, afirma que, no caso brasileiro, "enquanto o País não se decidir sôbre as suas próprias instituições democráticas e, para ser mais específico, sôbre o cumprimento de suas constituições, tanto a federal quanto as estaduais, votadas em 1946 e 1947 e até hoje à espera de execução, pouco podemos fazer, nós educadores, para ajustar as arcaicas estruturas educacionais vigentes às novas estruturas econômicas, que o processo de industrialização, de qualquer modo, está construindo para o Brasil materialmente desenvolvido de amanhã".

Nesse estudo, que denominou "Educação e Desenvolvimento", começa o Professor Anísio por reconhecer, juntamente com aquêles especialistas, que a industrialização leva a tipo de civilização de características próprios e traços comuns, afirmando, contudo, que nem por isso há um só caminho para se chegar à sociedade industrial. Ao contrário, diferentes caminhos a ela nos conduzem e, sobretudo, há estratégias diferentes, conforme o tipo de elite que toma o comando de sua marcha - conclui.

Falando, a seguir, da qualidade e tipo de elite que, em cada país, toma o comando do movimento e conduz a nação através as vicissitudes da transição, afirma o Professor Anísio que, conforme seja tal elite, será a marcha, a estratégia, a velocidade e a harmonia da transformação. Como os especialistas, em cuja pesquisa se apóia, aborda então os cinco tipos de elite que, aqui e ali, vêm conduzindo, nos diversos países, a grande revolução industrial: a elite dinástica, a da classe média, a dos intelectuais revolucionários, a dos administradores coloniais e a dos líderes nacionalistas.

Comportamento

Depois de abordar aspectos diversos, peculiares a cada uma das cinco elites, passa o Professor Anísio ao exame do comportamento das cinco, quando colocadas diante do mesmo problema.

Nesse particular, destaca primeiramente a posição da elite dinástica, "que recruta seus membros dentre os elementos da aristocracia rural e comercial", e mostra que, com a elite dinástica, "a ordem econômica, fundada na lei e na ordem, inclina-se para os cartéis e as sociedades de economia mista, numa mistura de público e privado, constituindo a base de um sistema político paternalista." E depois, que, para ela, "entre o trabalhador e o patrão não deve haver luta, mas harmonia. A lei e o Estado aí estão para criar o clima de paz e amor entre o lôbo e o cordeiro. O poder de estabelecer as regras do jôgo não se distribui, mas fica com a lei e o Govêrno. O clima do regime é o da lealdade e harmonia entre as fileiras e a hierarquia. O trabalhador faz-se um misto de "menor" e "funcionário público". Concluindo sôbre o comportamento dessa elite, na sociedade industrial ou em marcha para a industrialização, diz o Professor Anísio Teixeira: "A marcha é comandada pela idéia de sobrevivência. A regra é: "nem mais depressa nem mais longe do que o necessário".

Classe Média

Dispensando-se referir como surge a classe média, diz o Professor Anísio que ela recruta seus membros nos grupos comerciais ou artesanais, já existentes na sociedade anterior e sensíveis às possibilidades dos novos meios de produção, para destacar que, nessa sociedade, "se o Estado não se transforma no empresário universal, há que recrutar os empreendedores entre os comerciantes". E conclui: "a transação não é fácil: o comerciante trabalha com a mentalidade do lucro a curto prazo e custa a mudar para a mentalidade de industrial, de criador de riquezas, de lucro a longo prazo". Com a classe média, portanto, dividida entre o mercado e o Estado, entre consumidor e burocracia, "a corrupção e a dissipação passam a medrar e com elas o sentimento de exploração. A luta pelo desenvolvimento faz-se difícil, penosa e tensa".

Intelectuais

Dos intelectuais revolucionários, a terceira classe, diz que êles assumem "o contrôle do processo da industrialização e da sociedade como um todo substituindo a velha elite e a velha cultura por uma nova classe e uma nova cultura". Mas assinala que, ao contrário da classe média, "essa nova classe funda-se numa rígida ideologia, segundo a qual a nova sociedade é inevitável. Essa nova sociedade é a sociedade totalmente identificada com a nova tecnologia e com as relações econômicas e sociais mais compatíveis com o seu máximo desenvolvimento".

Nacionalistas

Dos administradores coloniais pouco fala o Professor Anísio em seu estudo, pois tal tipo de industrialização não se aplica ao caso brasileiro. Aprecia, portanto, a quinta classe, a dos líderes nacionalistas, cujo movimento "pode servir para a conquista do poder, mas não encerra pròpriamente uma teoria de ação". E assegura que aqui, "a falta de um programa coerente de ação lança a sociedade nos braços de personalidades carismáticas e o povo, numa atitude de expectativa de milagres. Os objetivos são extravagantes, episódicos e espetaculares". E conclui: "por isso mesmo, a tendência do nacionalismo é de confiar ao Estado a direção do seu esfôrço.

O Professor Anísio Teixeira termina por situar o Brasil, após isto, na seguinte indagação: "Não é verdade que logo sentimos quanto o nosso esfôrço participa de uma liderança da classe média e de liderança nacionalista?"

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