DIÁRIO DE MINAS. Ensino Medieval. Diário de Minas. Belo Horizonte, 21 jan. 1959.

ENSINO MEDIEVAL

Acaba de mostrar o professor Anísio Teixeira, com números estatísticos, que o problema do ensino no Brasil é menos de volume e eficiência do que de ideologia. Melhor diriamos: o que se observa entre nós, no tocante à eficiência e ao volume do ensino, não passa de projeções de uma ideologia dominante que colocou o sistema educacional ao serviço da manutenção do "status" de uma elite, cada vez mais reduzida em comparação com o restante da população deixada na ignorância.

Tese marxista? Mas, se são os números que evidenciam semelhante estado de coisa, não será lícito atribuir-lhes qualquer intuito doutrinário.

E os números revelados pelo educador brasileiro são deveras impressionantes. Mostram, como circunstância aberrante da fase de mudança que atravessa a sociedade brasileira, que o ensino entre nós tem ficado à margem do processo de democratização.

Pirâmide noutros países, principalmente nos avançados, a situação educacional no Brasil, da escola primária à universidade, se desenha mais à maneira de um obelisco, cujo afilamento se acentua a partir da terceira série do ensino elementar. Pior ainda: as bases de nosso obelisco educacional têm diminuido nos últimos anos, ao invez de aumentar, face à tendência dominante no ensino, que foi transformado em sustentáculo de uma elite acadêmica em oposição à grande massa ignara.

Vejamos os números. Em 1956, nas despesas globais com o ensino em todo o país, a quota atribuída à educação elementar foi de apenas 43,2% contra 60,3% registrados em 1948. Enquanto isto, no mesmo período, as despesas com o ensino médio subiram de 27,3% para 30,8%, ao passo que as do ensino superior se elevaram de 12,4%, em 1948, para 26%, em 1956.

Em 1956, como ainda releva o professor Anísio Teixeira, para manter cinco milhões de crianças nas escolas elementares, a nação (Municípios, Estados, União) dispendeu a soma de 6 bilhões de cruzeiros, com um "per capita", portanto, de Cr$ 1.200,00. No mesmo ano, para 800.000 adolescentes matriculados no ensino médio (primeiro e segundo ciclo), foram gastos 4 bilhões e 300 milhões de cruzeiros, dando um "per capita" de 5.300 cruzeiros, enquanto que, no ensino superior, para instruir 70 mil estudantes, o país desembolsou 3 bilhões e 700 milhões de cruzeiros ou sejam 52.000 cruzeiros por aluno matriculado.

A desproporção é gritante. Evidencia uma tendência, de fundo nitidamente oligárquico, que abandona a massa da população do país na ignorância para cuidar apenas, com finalidades mais de manutenção de "status" do que de eficiência social, da formação de uma reduzida elite dominante.

Isto acontece diante de nossos olhos, exatamente num período em que a sociedade nacional sofre o impacto de uma tremenda mudança, resultante do surgimento de nova estrutura econômica, a indústria.

Não se precisará de maiores considerações ou elementos para se verificar que o sistema educacional brasileiro se mantém à margem, senão contràriamente, ao processo evolutivo do país.

O magistral estudo do professor Anísio Teixeira tem o mérito de advertir a consciência democrática de que não é só de reforma agrária que o país necessita para libertar-se do atraso e progredir. A estrutura de nosso sistema de ensino é, também, medieval.

Não precisamos sòmente de novos métodos e maiores recursos para desenvolver a educação nacional no grau reclamado pelas suas novas necessidades. Eficiência e volume do ensino resultam da ideologia dominante. O de que carecemos, no Brasil, com urgência, é sem dúvida, de uma nova ideologia educacional. Tê-la-emos na lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que há de dez anos dorme seu sono hibernal no Congresso?

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