O ESTADO DE SÃO PAULO. Manifesta-se a Associação Brasileira de Educação sobre o ensino publico. O Estado de São Paulo. São Paulo, 27 jan. 1957.

Manisfesta-se a A. Brasileira de Educação sobre

o ensino publico

A ABE defende o diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos de críticas que lhe foram feitas na Câmara Federal

Em reunião realizada a 7 do corrente, no Rio, o Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação resolveu aprovar unanimemente o parecer elaborado por uma Comissão designada para estudar, diante de recentes acontecimentos, a atitude da Associação quanto à campanha pela disseminação do ensino público.

PARECER

O parecer foi o seguinte:

"A atenção do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação foi despertada para as críticas acerbas feitas recentemente no Congresso à orientação educacional seguida pelo professor Anísio Teixeira, membro do mesmo Conselho e diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. A presente Comissão foi designada para examinar essas críticas e trazer o seu depoimento ao Conselho.

A decisão tomada não foi devida somente ao fato daquele ilustre educador pertencer há longos anos ao nosso grêmio e colaborar conosco sempre que a sua participação foi solicitada. Baseou-se também em indícios de que as críticas atingiam, além de sua pessoa, certos postulados da campanha educacional sustentada pela ABE.

Não foi sem grande surpresa que verificamos fundamentar-se a acusação sobretudo em uma conferência pronunciada, em setembro findo, pelo prof. Anísio Teixeira, perante o Primeiro Congresso Estadual de Educação, reunido em Ribeirão Preto. Temos em nossas mãos um exemplar dessa Conferência provindo da Comissão Executiva do Congresso, que o mandou mimeografar logo após a sua pronuncia. O título á "A escola pública universal e gratuita". Nela o autor sustenta a tese que, no século passado, Horace Mann tornou vencedora nos Estados Unidos e Sarmiento na Argentina, e foi esposada por outros notáveis estadistas na América e na Europa. Para todos eles, avessos a reformas sociais por meio da violência, a escola pública, comum a todos, ricos e pobres, seria o instrumento mais adequado à promoção dessas reformas".

FORMAÇÃO EDUCACIONAL BÁSICA

"Além dos nomes acima citados o conferencista invocou os de Caetano Campos, Cesario Mota e Gabriel Prestes, que, no começo da República, se bateram em São Paulo pela difusão do ensino através da atividade governamental. Lamentou que essas vozes não tivessem sido ouvidas e que assim tivéssemos permanecido em grande atraso na marcha que os povos mais empreendedores haviam iniciado há tanto tempo.

A própria opinião do prof. Anísio Teixeira sôbre a medida básica da formação educacional do povo é assim definida:

"... hoje o anseio por outras conquistas mais pretensiosas e atropeladas a despeito de não poderem, em rigor, ser reivindicadas sem a escola básica, tomaram a frente e subalternizaram a reivindicação educacional primordial (pág. 7). Mais adiante acrescenta:

"Exatamente porque a sociedade é de classes é que se faz necessário que as mesmas se encontrem em algum lugar comum, onde os preconceitos e as diferenças não sejam levadas em conta e se crie a camaradagem e até a amizade entre os elementos de uma e outra. Independente da sua qualidade profissional e técnica, a escola tem assim, mais esta função de aproximação social e destruição de preconceitos e prevenções. A escola pública não é invenção socialista nem comunista, mas um daqueles singelos e esquecidos postulados da sociedade capitalista e democrática do século dezenove" (pág. 34)".

POSIÇÃO ANTITOTALITÁRIA

"Evidentemente essas afirmações não poderiam ser feitas por quem baseasse as suas esperanças de reforma na exacerbação da luta de classes. Mas a posição antitotalitária do conferencista é frisada não só nesses trechos como em outros mais, do que cumpre destacar o seguinte:

"Não advogamos o monopólio da educação pelo Estado, mas julgamos que todos têm direito à educação pública, e somente os que quiserem é que poderão procurar a educação privada" (págs. 33/34).

A dedução é clara: ninguém deverá ser forçado à educação pública, mas também ninguém deverá ser forçado, pela ausência de escola pública, a suportar o onus da escola privada.

Apesar de tudo isto, o sr. Deputado Fonseca e Silva, em sessão da Câmara realizada a 14 de dezembro findo, reafirma acusações anteriormente feitas e diz que "o Prof. Anísio Teixeira é um autêntico intelectual marxista, visto que a sua adesão á linha marxista de educação foi enunciada na famosa conferencia lida no corrente ano em congresso de educação realizado em Ribeirão Preto" (Diário do Congresso Nacional de 15 de dezembro de 1956, pág. 12.736). Adiante o mesmo discurso inclui, entre aspas, algumas sentenças que atribui ao conferencista, mas não são encontradas na conferencia. Justapõem-se descosidamente, o que indica constituírem uma interpretação do pensamento do conferencista e não uma citação. Mesmo assim, se o Prof. Anísio Teixeira tivesse dito textualmente que a "escola comum e pública é a que vem permitir a liberdade das classes trabalhadoras do servilismo em que se acham em relação ao capitalismo, "esse prenuncio seria impugnado acerbamente pelos doutrinários da luta de classes.

Por todos esses motivos nos parecem claras as deformações do pensamento do conferencista".

VIOLAÇÃO DA VERDADE HISTÓRICA

A Associação Brasileira de Educação, em cujo seio se reúnem pessoas de boa-vontade, filiadas aos mais diversos credos, políticos, filosóficos e religiosos, não pode admitir que a batalha pela escola pública seja colocada sob a bandeira de uma determinada doutrina política. É uma violação da verdade histórica, que entre nós infelizmente se repete de tempos a tempos. Há cerca de vinte anos atrás, os que entre nós pleiteavam uma definição mais nítida dos deveres do Estado em educação pública foram também acoimados de comunista. Parece que os acusadores ignoravam que a idéia tinha origem muito remota. Já antes da Reforma protestante, algumas cidades italianas e alemãs tinham penetrado no caminho da oficialização do ensino popular. Com a Reforma o movimento tomou um grande ímpeto. Há poucos dias, o eminente educador católico, Edward Fitzpatrick, descrevendo, em um curso aqui realizado, os começos da escola pública em seu país, mencionou uma famosa lei do Estado de Massachusetts, datada de 1647, na qual se impunha a cada vila de 50 ou mais famílias o dever de criar uma escola elementar, e a cada vila de cem ou mais famílias o dever adicional de estabelecer uma escola secundária. A idéia da necessidade da educação pública teve altos e baixos no desenvolvimento subsequente do País, mas se firmou definitivamente em meados do século findo.

Da Itália, da Alemanha, dos Estados Unidos e da Escócia a idéia se foi propagando a todo o mundo civilizado, embora em nenhuma parte tenha conseguido uma execução tal que satisfaça as necessidades educacionais do povo nos diferentes graus de ensino. Mas cumpre notar que, nos Estados Unidos, apesar do respeito em que é tida a iniciativa privada, já em 1872 o Supremo Tribunal do Estado de Michigan, logo acompanhado pelos de outros Estados, decidiu que as escolas secundárias estavam incluídas entre as "as escolas comuns" a que se referia a constituição estadual, e assim ninguém poderia eximir-se a pagar impostos para sustentá-las.

Na Inglaterra, o grande bastião do liberalismo político, também não se tem criado o menor obstáculo á iniciativa privada, ao contrário, ela tem sido estimulada. Isto não impediu, porém, que, nas últimas décadas, sucessivas leis viessem possibilitando um espantoso desenvolvimento de escolas elementares e secundárias, mantidas e dirigidas pelos governos locais, com extraordinário auxílio financeiro por parte do governo nacional. O fenômeno foi considerado "uma revolução silenciosa". A fim de acelerar tal desenvolvimento a lei educacional de 1944 estendeu a obrigatoriedade do ensino até a idade de quinze anos e, depois, até a idade de dezesseis anos, e facilitou, aos governos locais, os auxílios financeiros adequados".

RECURSOS FINANCEIROS

"Em face do nosso atraso econômico, seria utópico pensarmos no Brasil em propiciar uma educação secundária gratuita a todos ou quase todos os adolescentes. Mesmo em relação ao ensino primário, só uma mudança de mentalidade no País poderia permitir a obtenção de recursos financeiros para torná-lo eficiente e accessível a todos. Os constituintes de 1946, porém, se permitiram aspirações generosas e declararam ser o ensino primário obrigatório, o que implica o dever dos poderes públicos de torná-lo franqueado a todos. Foram mais além, e, depois de determinarem a gratuidade para o ensino oficial primário, a estenderam aos graus ulteriores no mesmo ensino oficial.

Ninguém contestará terem eles agido sabiamente ao repudiarem o monopólio do Estado quando declaram que "o ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre á iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulam". Note-se, porém, que se a iniciativa privada, via de regra, tem liberdade para agir ou não, constitucionalmente os poderes públicos não a têm para ficar inertes : é o que se deduz logicamente quando se conjuga o dispositivo citado com o outro em que se afirma ser "a educação um direito de todos".

O prof. Anísio Teixeira se manteve em sua conferencia fiel ao pensamento constitucional, quando pugna por uma atividade crescente dos poderes públicos na criação de estabelecimentos educacionais, sem desejar de modo algum a coerção da iniciativa privada. A sua tese se concentra sobre tudo no problema da escola primária. Assim diz que as democracias "não podem prescindir de uma sólida educação comum, a ser dada na escola primária de currículo completo e dia letivo integral" cujo destino esboça (pág. 4). Mais adiante diz que tendemos e devemos aspirar á situação dos países desenvolvidos, nos quais "até a educação média, imediatamente posterior á primária, está se fazendo também comum e básica".

Quanto tempo levará a ser satisfeita esta aspiração num país em que ainda não se divisa no horizonte o estádio de uma educação primária para todos? Não poucos são os que pensam quem no longo intervalo inevitável, os esforços oficiais, no campo do ensino secundário, deveriam visar, não a extensão deste ensino, mas o seu aperfeiçoamento, através de acordos com a iniciativa privada.

RESPONSABILIDADE DO PROFESSORADO PAULISTA

"Terminando a sua conferencia, o prof. Anísio Teixeira concitou o professorado paulista a tomar sobre os ombros "a responsabilidade de promover a recuperação da escola primária integral para São Paulo e a dar o sinal para a mesma recuperação em todo o País, redefinindo-lhe os objetivos, os métodos e a duração, e traçando o plano para a sua efetivação" (pág. 43). Ele preconiza uma escola primária de seis anos, em dois ciclos, o elementar de quatro e o complementar de dois, com seis horas mínimas do dia escolar, com 240 dias letivos anuais e alunos e professores de tempo integral. Pugna também pela ampliação progressiva dos cursos de formação do magistério primário.

Já em 1952 o prof. Lourenço Filho, falando perante a Comissão de Educação e Cultura da Câmara, esboçava a defesa de um curso primário de seis ou sete anos, baseando-se nos seguintes motivos: de um lado, a extensão do curso primário atenderia á aspiração popular por uma educação mais prolongada, embora menos onerosa do que a propiciada pela escola secundária; de outro lado, essa extensão seria mais adequada aos primeiros anos da adolescência, refratários a uma educação de tipo acadêmico e ministrada por múltiplos professores ("Diretrizes e bases da educação nacional" pág. 91 - Câmara dos Deputados - Imprensa Nacional, 1952).

O mandato desta Comissão não nos autoriza a ousadia de nos pronunciar-mos sobre o mérito das medidas advogadas pelas duas altas autoridades educacionais a que acabamos de nos referir. Queremos apenas relatar haver entre nós quem julgue ser também medida urgente a criação, pelo Governo Federal, de dois ou três institutos superiores de educação, localizados em diversas regiões do País e cujo corpo docente fôsse integrado por educadores de excepcional competência, contratados sob o regime de tempo integral. Depois de celebrados os necessários acordos com os governos estaduais, a sua missão seria estimular, através de cursos de aperfeiçoamento e de preparação para as escolas complementares e para as escolas normais, a renovação dos métodos educacionais e do material didático. Desta forma, segundo tal ponto de vista, a ampliação dos cursos existentes iria adquirindo mais eficiência".

O APELO DE RIBEIRÃO PRETO

"Seja como fôr, não há negar que o magistério nacional precisa ouvir o apelo que lhe foi dirigido em Ribeirão Preto a fim de não permanecer insensível perante a grave mutilação do nosso ensino primário, provocada pela redução progressiva do número de anos, do número de dias e do número de horas escolares. Vai-se assim processando silenciosamente, em diversos pontos do País, a identificação desse ensino com o simples e mecanizado objetivo da alfabetização, dissimulado sob a roupagem de decorações pedantes e inúteis.

A educação do povo brasileiro precisa inegavelmente merecer um pouco mais de atenção dos poderes públicos. Os líderes do magistério deveriam iniciar um movimento em prol de reivindicações de interesse geral, bem como em prol de associações locais e regionais que visem o aperfeiçoamento do ensino.

Não pode passar despercebido á ABE um outro capítulo das acusações feitas ao prof. Anísio Teixeira. As suas supostas predicas comunistas seriam inspiradas na filosofia educacional do prof. John Dewey, de quem fora discípulo na Universidade de Columbia. Logo em seu primeiro discurso, a 5 de novembro findo, o sr. deputado Fonseca e Silva disse que o prof. Anísio Teixeira pregava "a filosofia perniciosa do conhecido professor da Universidade de Columbia, recomendado e aplaudido pela Rússia" (Diário do Congresso Nacional de 7 de novembro findo, pág. 10.667)".

DETURPAÇÕES

"Na sua resposta, lida perante a Câmara pelo sr. deputado Luiz Viana e transmitida por intermédio do sr. ministro da Educação e Cultura, o professor Anísio Teixeira refutou as alegações não só em relação á sua pessoa como á do seu mestre, o prof. John Dewey. Mostrou com exemplos abundantes como este, em lugar de ser aplaudido e recomendado pela Rússia, vem sendo vítima de violentos ataques por parte dos guias do pensamento educacional soviético, segundo os quais o pragmatismo, que é a concepção filosófica esposada por John Dewey, "é uma das formas extremas do subjetivismo burguês". O filósofo e seus amigos são qualificados de educadores reacionários e desejosos de "demonstrar sua lealdade aos donos do Wall Street" (Diário do Congresso Nacional de 3 de novembro de 1956, pág. 12.028 e 12.029).

Vê-se, pois, que as deturpações soviéticas, embora em extremo oposto, são tão graves quanto as dos acusadores nacionais.

Na sua tréplica, o sr. deputado Fonseca e Silva reitera a sua grave acusação, sem ajudar nenhuma prova em favor da mesma, a não ser a opinião do prof. Van Acher, da Faculdade de Filosofia da Universidade Pontifícia de São Paulo, opinião esta da qual não apresenta os fundamentos. E pergunta, para desfazer o efeito dos ataques soviéticos a John Dewey, "se há uniformidade de doutrina pedagógica ou educacional no cenário soviético". Essa pergunta representa na verdade um inesperado tributo ao inexistente liberalismo soviético".

BEM ESTAR COLETIVO

O assunto interessa á Associação Brasileira de Educação, embora esta, como dissemos acima, não esteja filiada a nenhuma determinada corrente política ou filosófica. O ponto de vista da ABE, implícito nas deliberações tomadas desde a sua fundação, é que a batalha pela disseminação e elevação do nível do ensino no País deve congregar todas as pessoas que acreditam no valor da educação para o indivíduo e para a coletividade. Tal crença se baseia na convicção de que o desenvolvimento físico, moral e intelectual do indivíduo é indispensável á sua felicidade e ao bem-estar coletivo. Por isto, pedagogias que tenham ideais diversos podem encontrar-se nesse terreno comum, como muito bem assinala o notável educador católico, o jesuíta J. de La Vaissière, em um trecho expressivo da sua obra "Psychologie pedagogique":

"No terreno muito restrito em que se coloca a psicologia pedagógica, as pedagogias diferentes se encontram em muitos pontos. A ciência da educação, conduzindo, a criança para o seu ideal, a dirige a princípio para certos fins intermediários: tenha o ideal educativo como objetivo o cristão, ou o cidadão, ou o homem de seu tempo, ou o servidor da humanidade, ou o produto aperfeiçoado da evolução passada, ou simplesmente o homem capaz de escolher por si mesmo o ideal que deseja atingir, todos, ou moralmente todos, declara que, para atingirem tal objetivo, é necessário desenvolver a inteligência da criança, dar-lhe um fundo de conhecimentos correntes, formar o seu caráter". E La Vaissière acrescenta que as leis psicológicas oferecem aos educadores os meios de atingirem a esses fins intermediários".

A ESCOLA NOVA

"Ora, John Dewey é considerado mundialmente como um dos pensadores que mais têm contribuído para o conhecimento dessas leis. Dizia em 1913 o notável psicólogo suíço Edouard Claparède, prefaciando a tradução de estudos elaborados por Dewey: "Não devemos tardar mais tempo na Europa em conhecer melhor esse homem eminente, cujo pensamento, sutil e profundo ao mesmo tempo, tão bem soube penetrar a alma humana e os segredos de sua atividade" (John Dewey: "L’école et l’enfant", prefaciado por Edouard Claparède-Delachaux et Niestlé-Neuchatel).

Dois outros movimentos renovadores da educação européia, chefiados um por Decroly, na Bélgica, e outro por Kerchensteiner, na Alemanha, foram influenciados pelas idéias do educador norte-americano, sendo que Decroly lhe traduziu o famoso "Como pensamos".

Quando a ABE se fundou, na ansia de renovação do ensino do país, esses movimentos estavam em seu fastígio. A Associação desde logo se esforçou por propagar entre nós os princípios e métodos novos, que tinham batismos diversos: escola ativa, escola de trabalho, método dos centros de interesse, método de projetos etc. Afirmar, pois, que a figura central na pedagogia contemporânea tinha encadeado o seu pensamento educacional a uma doutrina de renovação social pela violência seria solapar o trabalho humilde mas devotado de muitos educadores nacionais. Mas podemos assegurar que tal opinião é absolutamente inverídica. E passamos a demonstrar:

A obra de John Dewey não só influenciou educadores em todos os continentes como foi a inspiração de reformas educacionais em países de organização política muito diversa: México, China (antes da revolução comunista), Japão, Turquia, Índia e Rússia.

Neste último país, as sua idéias já tinham penetrado muitos anos antes da revolução de 1917. Quando esta surgiu e tratou de impulsionar a educação popular, era natural que os seus líderes educacionais procurassem aplicá-las em larga escala, pois satisfaziam aos seus anseios renovadores, semelhantes aos dois seus colegas em outros países. Conseguiram-no em uma extensão não obtida em outras terras. Dewey, visitando o país em 1929, quando ainda não se havia espandido o "controle" totalitário, ficou encantado com os grandes empreendimentos educacionais realizados e com o entusiasmo do povo que, liberto da opressão czarista, pensava estar criando um mundo novo de liberdade e prosperidade para todos ("Impressions of Soviet Rússia", págs. 3/59, 67/68 - New Republic Inc., 1932). Sendo um dos seus princípios pedagógicos a necessidade de ir sobrepondo, na motivação da conduta, o sentimento de solidariedade social ás tendências egocêntricas, tais como a aquisitiva, era natural que a experiência de socialização da escola lhe tivesse despertado louvores. Mas, ao registrar essa experiência, nem um só momento ele aderiu ao credo do materialismo econômico. Pelo contrário, assinalou desde o começo o paradoxo de encontrar uma fé por assim dizer religiosa na renovação social, em contraste com a crença professada naquele materialismo (Op. cit. págs. 57/58, 119/122)".

DEFINIÇÃO POLÍTICA DE DEWEY

"Já em 1935, no livro em que melhor definiu o seu pensamento político, ele procurou demonstrar o erro de confundir-se a história humana com a história da luta de classes. Diz aí que "o despertar do método científico e da tecnologia baseada neste método é a força genuinamente ativa na produção do vasto complexo de mudanças pelo qual o mundo está agora passando, e não a luta de classes, cujo espírito e cujo método são opostos ao da ciência". Mas adiante: "É necessária uma fé demasiadamente crédula na dialética hegeliana dos contrários para pensar que, de súbito, o uso da força por uma classe será transmutado em uma sociedade democrática sem classe ("Liberalism and social action", págs. 74/85 - Miton, Balch and Co., 1935).

Alguns anos mais tarde, após reiterar a sua fé nunca desmentida na liberdade moral e intelectual, na liberdade de inquérito e de expressão, na liberdade de associação para o trabalho, para a recreação e para fins religiosos, na liberdade de intercambio entre as nações ele diz que, nas restrições a essas liberdades básicas da democracia, "há pouca diferenciação entre a URSS e os países fascistas"( "Intelligence in the modern world", págs. 425/426, obra editada por Joseph Ratener-Random House, 1939).

Mesmo sem o conhecimento das declarações acima citadas, seria fácil compreender porque o pensamento educacional de John Dewey acabou sendo expurgado definitivamente da literatura pedagógica soviética, após a primeira etapa revolucionária, na qual o "controle" totalitário ainda não se havia estendido ao campo das ciências e das artes.

As nossas palavras têm por fim tranquilizar aos educadores do País, em geral, e aos "abeanos", em particular, que acreditam no desenvolvimento dos sistemas públicos de ensino e na renovação dos métodos educacionais. Podemos, na Associação, continuar a nossa marcha sem que mãos amigas ou adversas tentem empunhar em nosso meio bandeiras divisionistas".

CONCLUSÕES

"1 - A conferência pronunciada em setembro findo, pelo prof. Anísio Teixeira, perante o Primeiro Congresso de Educação de São Paulo, encerra um apelo ao magistério paulista, que precisa ser ouvido em todo o País, a fim de que o nosso ensino primário público tenha o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de que tanto carece. Nada há nesta conferência que seja incompatível com os ideais há muito tempo esposados nas democracia ocidentais.

2 - Os princípios educacionais e os métodos gerais deles decorrentes, defendidos pelo prof. John Dewey e por seus discípulos, exerceram uma influência renovadora nos centros pedagógicos de todo o mundo civilizado. Não existe nenhuma relação de dependência lógica entre esses princípios e métodos, de um lado, e a doutrina do materialismo econômico de outro". - Rio de Janeiro, 7/1/957 (assinados) José Augusto Bezerra de Medeiros (Presidente da Associação), Gustavo Lessa (relator), Luiz Hildebrando Horta Barbosa, Miguel Daddario, Juracy Silveira, Inês Barros Barreto Corrêa de Araújo, Edgar Mendonça, Armando Álvaro Alberto, Eunice Pourchet, Hilda Farriá Machado, Risoleta Ferreira Cardoso, Arlette Pinto de Oliveira e Silva, Joaquim Daltro, Helena Moreira Guimarães, Odila Girão".

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