TEIXEIRA, Anísio. O livro brasileiro. A Gazeta. São Paulo, 8 mar. 1957.

O LIVRO BRASILEIRO

(Anísio Teixeira, diretor do Inst. Nac. de Estudos Pedagogicos)

Há bens na vida que, de tão preciosos, ficam acima de qualquer avaliação economica. Dentre eles, estão os objetos de arte, as "coisas de beleza", e os livros, antes do período de sua difusão pela imprensa.

O livro, nas poucas civilizações antigas que o tiveram, chegou a passar à categoria de sagrado e atingir então o mais alto nível existente das coisas sem preço.

Não é por isto tão inexplicável a atitude brasileira de considerar o livro mercadoria fora do comercio, a ser dada de graça. Não pedimos a nenhum produtor seu produto de presente. Sòmente ao editor ou ao autor. A irritação contra o "preço" dos livros tem algo de neurótico, como si não concebessemos que pudesse tal mercadoria ter custo e preço.

Talvez, o exame dessa atitude ajude-nos a compreender porque há de viver o Brasil eternamente nessa crise de produção de livros, não havendo como orgulhar-se do livro nacional.

Em industrias similares, como a da imprensa e das revistas, estamos rapidamente progredindo, não tendo os nossos jornais nem periodicos de que se envergonharem dos jornais e revistas do resto do mundo, Por que não sucede com o livro algo de identico?

A evolução da industria do livro tem, na realidade, as suas peculiaridades. Antes da invenção da imprensa, não se discutiria que o livro somente fosse acessível a instituições ou a pessoas excepcionalmente ricas. Com a imprensa, o livro se fez mais acessível, mas nem por isto chegou para a bolsa de todos. A sua acessibilidade a muitos somente foi assegurada pela biblioteca.

Com efeito, enquanto o jornal e a revista lograram, com o expediente do anuncio, pagar as suas despesas e, deste modo, ser distribuídos a preços acessiveis a todos, o livro tem que receber de seu adquirente o preço total, isto é, as despesas de impressão e direitos autorais, de propaganda, de distribuição e mais o lucro do produtor.

Impossivel, assim, ao livro o milagre do jornal. O recurso unico para a accessibilidade do livro é a sua compra em massa, pelas bibliotecas publicas e escolares.

Foi isto que fizeram todas as nações civilizadas, instituindo rêdes de bibliotecas, cujo numero corre parelha com o das escolas e que, acrescido com o das bibliotecas propriamente escolares, excede de muito o próprio numero de escolas.

É graças a êsse sistema de bibliotecas que o livro se faz acessivel a todo mundo. E mais: é graças a tal sistema que se faz viável a edição dos livros realmente importantes, insuscetiveis da venda avulsa, não só pelo preço como pela falta de atração imediata.

Deve ser, em virtude disso, que o brasileiro - posto na impossivel contingencia de comprar ele proprio os seus livros - insurge-se contra o preço e vive a clamar pelo barateamento do livro, sem atentar em que o livro só pode custar menos si as edições forem de grandes tiragens. A solução não está no livro barato, isto é, ordinario, mas nas grandes edições a serem asseguradas pela criação da rede de bibliotecas, pela distribuição gratuita dos livros na escola e pela incentivação do bom livro, bom pelo conteúdo e pela apresentação grafica.

Somos já cerca de 3.000 municípios, abrigando mais de 80.000 escolas. Si contassemos com bibliotecas publicas em todas as sédes de municipios e bibliotecas escolares em todas as escolas, teriamos uma rêde de centros de aquisição de livros da ordem dessas cifras e mais não ser a preciso para as grandes edições, modo unico existente de tornar o livro menos oneroso.

Além da extensão ao livro de todos os favores legais com que distinguimos os jornais e as revistas, só a corajosa criação de uma rede de bibliotecas, por todo o país, virá dar à industria do livro a pujança necessaria para tornar uma verdade a intuição brasileira - no fundo exata - de que livro não é, propriamente, objeto de comercio, mas bem publico, a ser distribuído livre como o ar, ou, pelo menos, ao custo de jornais e revistas.

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