MARINHO, Josaphat. Justiça ao educador. A Tarde. Salvador, 16 jul. 1995.

JUSTIÇA AO EDUCADOR

Josaphat Marinho

O Diário Oficial do Estado acaba de noticiar as providências iniciais, adotadas pelo governo Paulo Souto, para obras de conservação de bens históricos no interior da Bahia. Trata-se de recuperar a Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento e a de Senhora Santana, no município de Rio de Contas, e a casa em que nasceu Anísio Teixeira, em Caetité. Os serviços previstos não se referem, evidentemente, à manutenção ou reforma de simples imóveis, da igreja ou de propriedade particular. Dois são construções da arquitetura religiosa no século XIX, que merecem preservação em benefício da arte e da fisionomia da cidade, e o terceiro guarda a lembrança do maior educador brasileiro contemporâneo.

São trabalhos de alcance cultural e educativo, acima de crença e de favores. De um lado, restauram edificações de significativa beleza, consagradoras também do sentimento religioso do povo. De outro lado, restabelecem condições materiais para que todas as gerações possam rever e recordar, num velho solar, uma inteligência cintilante e construtiva. Tais realizações, uma vez consumadas, não renderão, provavelmente, votos, mas gerarão respeito e apreço. No destino das sociedades e dos homens públicos, aliás, os benefícios que sobrevivem na gratidão do povo não se expressam sempre, ou sobretudo, em grandeza física. Traduzem-se, freqüentemente, em reflexos culturais, que o ódio e o tempo não destroem.

A memória de Anísio Teixeira é exemplo dessa certeza. No governo Góes Calmon, dirigindo a "instrução", por certo a presença de sua mocidade despertou reparos e ciúmes. Apesar das inovações introduzidas no ensino, não havia razão para contestações passionais. A partir do momento, porém, em que foi secretário da Educação e Cultura do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, excitaram-se contra ele todos os preconceitos. Defensor esclarecido da "escola nova", reuniu na administração um corpo de educadores eminentes, pelo preparo especializado pela visão da vida. O que ali se realizava em força criadora já repercutia fora do País, quando a onda reacionária de 1935 o impeliu a pedir demissão. Ao fazê-lo, solicitou, sem medo, que investigassem a obra desenvolvida. Queria que se lhe descobrissem "outras tendências e outra significação, senão as de reconhecer que o progresso entre os homens provém de uma ação inteligente e enérgica, mas pacífica". Lamentando a perda do "educador exemplar e culto", o prefeito Pedro Ernesto asseverou que não lhe faltaria a justiça "no julgamento da sua obra de pensamento e de ação". E não faltou, depois dos espinhos.

Obrigada a isolar-se, por meses, no sertão baiano, para escapar à sanha policial, viveu depois, por anos, como negociante de minérios. Nada impediu, contudo, a projeção da obra promovida no Rio de Janeiro. Nem o silêncio forçado obstou ao relevo de seu nome, convocado afinal para UNESCO. Aí se encontrava quando Otávio Mangabeira, eleito governador da Bahia, o chamou para secretário da Educação e Saúde. A importância cultural do posto no estrangeiro não foi óbice a que viesse zelar pela educação de seus conterrâneos. O combate de tantos ao capítulo inovador da Constituição estadual de 1947, por ele inspirado, e à execução inicial das novas diretrizes não o desanimaram. A inteligência e a ação pertinaz e serena venceram as resistências e desconfianças inaceitáveis. A Escola Parque, situada em Salvador num bairro proletário, foi exemplo edificante do espírito inovador. As instalações apropriadas e as normas pedagógicas pioneiras refletiram a orientação de quem preparava indivíduos na base da igualdade, e não de privilégios. O mesmo critério manteve nos cargos que ocupou posteriormente, no Ministério da Educação e na Reitoria da Universidade de Brasília.

Correspondendo as obras materiais ao pensamento superior e progressista, a lembrança de Anísio Teixeira permanece viva na consciência social. Restaurar a casa que lhe serviu de berço, e dar-lhe destino adequado é, ao mesmo tempo, varrer injustiças e ensinar o respeito ao talento criador do bem.

Josaphat Marinho é senador da República pelo PFL/BA.

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