TEIXEIRA, Anísio. A educação particular jamais se caracterizou como sistema renovador. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 22 abr. 1960.

PROF. ANÍSIO TEIXEIRA

A EDUCAÇÃO PARTICULAR JAMAIS SE CARACTERIZOU COMO SISTEMA RENOVADOR

STÁ claro que se pode defender até a escravidão, mas o que se não pode é defendê-la em nome da liberdade. Pode-se dizer que é melhor, que é mais humana, que é mais segura, que é mais dôce - mas que não seja mais livre. A Escola particular, entre nós mantida com os recursos públicos, representará sempre uma escola mais conservadora, mais tradicional, menos disposta a experiência do que a escola pública>>, - afirma o professor Anísio Teixeira.

E explica o motivo: na América Latina, continente todo êle formado centro dos propósitos colonizadores de metrópoles estrangeiras, a independência e a república representam esforços revolucionários, renovadores, propostos à implantação de novos comportamentos sociais e, sobretudo, desejosos de integrar sua população, dividida primeiro entre escravos e senhores e depois em dominantes e dominados, em um só povo democratizado, fraterno e livre. Ora, tal não se pode conseguir com um sistema de educação particular, pois esta jamais se caracterizou como educação renovadora.

ÊRRO DO LEGISLADOR

Aborda, em seguida um dos pontos mais criticados, a subvenção do Estado: <<A educação que a escola particular irá expandir terá, pois, de ser a educação chamada de <<classe>>. Isto é, destinada a preparar os filhos dos já educados para sucedê-los em seus privilégios e direitos adquiridos. E a nessa Constituição liberalmente permite a sua existência. Mas entre isto e promovê-la e custeá-la, vai um abismo...

Existe algo de irreal e equívoco nessa afirmação de que cabe à família o contrôle da escola. Costumam os defensores dessa posição afirmar que a família é o grupo social natural e concreto e que o Estado é vago e abstrato. Ai de nós que hoje é exatamente o contrário. Por mais desagradáveis que sejam realidade, há que aceitá-las e dispor as coisas à vista dos fatos, dos <<teimosos fatos>> de que falava William James. Respeitar os fatos é o comêço de tôda sabedoria>>.

LEI DEVE OBEDECER AOS FATOS

Prossegue o prof.: - <<Ora, os fatos são os de que a família já não é a antiga família segura e sólida, capaz de arcar com as terríveis responsabilidades. Hoje precisa ela, acima de tudo, de ser ajudada. Cabe-lhe a educação dos filhos até a idade escolar e depois, colaborar com a escola em tudo o que lhe foi possível, mas não lhe podemos entregar a própria responsabilidade da escola. O seu respeito hoje ao mestre não pode ser menor do que o respeito que deve ao médico. Um e outro a ajudam, mas não são seus criados e sim profissionais independentes e autônomos.

O projeto de lei desejaria fazê-los serviçais da família. Seus servidores, nem nunca porém seus serviçais. Tudo isto porém, são ingenuidades de legislador, que acredita ainda na onipotência da lei. A lei hoje tem que obedecer aos fatos. Não há nenhuma família que não esteja ansiosa por contar e poder ouvir os conselhos de psicólogo e do mestre, cuja autonomia plenamente reconhece.

Acentua, ainda, o professor Anísio Teixeira que, em sociedade democrática, fundada na igualdade e na livre informação, não é possível a subordinação hierárquica que o sistema de contrôle das escolas pelas famílias exigiria. Êsse sistema - esclarece -, com efeito, imporia o contrôle confessional, delegando as famílias à sua Igreja o contrôle da educação>>.

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